quarta-feira, 11 de junho de 2014

Pássaros de aço


Deixei de sonhar,
a vida entranha-se nos meus ossos tridimensionalmente aos soluços,
e eu, às vezes, percebia que havia uma parábola no meu olhar,
comecei a despedaçar imagens, comecei a desperdiçar curvas, quadrados e triângulos,
os sonhos iam desaparecendo, como a chuva, aos poucos, misturada com finíssimos raios de sol,
e em vez de sonhar,
comprava num quiosque das redondezas algumas gramas de noite,
pensava eu que era o esqueleto de verniz mais feliz da minha cidade,
não o era,
e... e nunca o fui,
depois regressaram aqueles malditos pássaros de aço,
tão esfomeados que, que comecei a trocar os poucos beijos que me sobejaram por andorinhas de papel,

(batem à porta)

É o meu vizinho a queixar-se que os meus sonhos não o deixam adormecer,
respondo-lhe que..., que eu não sonho,
que... que há muito deixei de sonhar,
escrever,
e amar,

(o tipo ateima que sim, que são os meus sonhos,
canso-me...
e mando-o foder com todas as letras...)

São tristes os candeeiros da minha rua,
não respondem às minhas questões e anseios,
ignoram-me...
e quantas vezes... nem servem para me iluminarem,
abaixo os candeeiros da minha rua,
a minha rua...
e esta estonteante cidade,
a que pertenço e que me engole a cada milímetro de solidão,

(batem à porta)

(o tipo ateima que sim, que são os meus sonhos,
canso-me...
e mando-o foder com todas as letras...)

Deixei de sonhar,
deixei de ver as sanzalas iluminadas pelo doce luar,
deixei de ouvir o melódico som dos mabecos,
e da espuma brilhante do mar do Mussulo,
dois ou três caixotes em madeira apodrecida,
e apenas uma pequena caixa de sapatos com um, com... com dois, talvez três sonhos,
um avião telecomandado,
e livros do meu pai,
um par de calções,
e... e alguns tarecos,
e os sonhos?
Deixei de sonhar e voava, e voava quando calçava as minhas sandálias de couro...

(batem à porta)

É o carteiro!


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 11 de Junho de 2014

terça-feira, 10 de junho de 2014

Que faço às limalhas do teu olhar!


Que faço às limalhas do teu olhar!
São pingos de sofrimento embrulhados em folhas de alumínio,
folhas adormecidas, folhas mortas, folhas... folhas embalsamadas,

E o teu olhar vive num cubo de vidro,
respira as magoadas madeixas de uma triste madrugada,
são singelas paredes, são insignificantes sombras...
são transeuntes encalhados numa calçada,

Que faço às limalhas do teu olhar!

E o teu corpo voa como a gaivota de amar,
poisa em mim como se eu fosse o mastro cansado de um veleiro,
desço à preia-mar,
cerro os olhos para não ver o teu triste olhar,
um cartaz apressadamente preenchido, grita-me e obriga-me...
… e obriga-me a chorar,
e obriga-me... e me obriga a sonhar,
com o teu olhar,
as limalhas do teu olhar quando prisioneiras das tempestades que os teus seios inventam,
esqueço,
e pareço...
o velho às voltas com a roda da vida,

Sento-me em ti!

Sento-me em ti não sabendo que és de papel,
que... que quando o vento se enfurece, tu... tu desapareces, tu...
tu... tu te transformas em silêncio,
em neblina,
em... em equação sem resolução,

Que faço às limalhas do teu olhar!
São pingos de sofrimento embrulhados em folhas de alumínio,
folhas adormecidas, folhas mortas, folhas... folhas embalsamadas,

Folhas como eu, folhas como ele, folhas... folhas apaixonadas,
que faço, meu amor, aos pingos do teu sofrimento,
quando vaiadas todas as mandíbulas da paixão,
e ao acordar, a minha mão não encontra o teu corpo de andorinha... tu, tu nunca lá estiveste,

Tu... tu nunca exististe dentro de mim,
tu, tu desejas não desejando o amanhecer,
e é tão distante, e é tão longínquo... que me perco nos teus braços invisíveis,
engano-me quando o espelho da saudade me informa que hoje...
“hoje não há felicidade”!
Hoje apenas existe uma cidade, uma rua, e... e uma velha calçada,
sem pressa de fugir, sem pressa de amar..., amar não amando os dias sem sentido,
eu sentado, esperando que tu, que tu... que tu sejas tu e não a noite vestida de limalhas, as limalhas do teu olhar!


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 10 de Junho de 2014

segunda-feira, 9 de junho de 2014

As tuas mãos


As tuas mãos são pétalas de rosa,
não de uma rosa qualquer,
têm coração de prata,
sabem a palavras acabadas de escrever,
uma rosa, uma sombra, e pedaços de luar,
pétalas de silêncio mergulhadas nos meus lábios,
desejos de amar,
amar... as tuas mãos, as pétalas... sem esquecer o teu olhar,

As tuas mãos são frágeis,
como jarras de porcelana onde adormecem as rosas que têm pétalas com perfume de madrugada,
amo-as, amo-as sem o saber,
às tuas mãos, entrego o meu corpo cansado, o meu corpo de estanho...
o meu corpo envenenado pela solidão,
o meu corpo envenenado pelo teu sorriso de amanhecer,

(oiço-as no meu peito, os gritos teus, e os solstícios suicidados)

As tuas mãos... as tuas mãos me encantam,
são sons melódicos que se abraçam a nuvens poéticas,
frágeis,
macias,
tão finíssimas... Meu Deus, que tenho medo de lhes tocar!
que tenho medo que me toques, e se evaporem na neblina de Belém,

(oiço-as, oiço-as e tenho-lhes medo)

Podem quebrar,
podem morrer,
… podem se apaixonar,

As tuas mãos são pétalas de rosa,
são mimos,
são... são néons perpendiculares deambulando na cidade,
as tuas mãos, ai... ai as tuas mãos de felicidade,
quando imaginam círculos de areia em busca de uma gaivota revoltada,
elas te olham, e elas ficam encantadas...
com as tuas mãos, com as pétalas das tuas mãos,
rosas, rosas castigadas.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 9 de Junho de 2014

domingo, 8 de junho de 2014

O teu nome...


O teu nome...
quando dormes, sonharás?

Não sei como te acordar,
não sei se tens vontade de acordar,
o teu nome?

Voltarás a sorrir?
A caminhar?

O teu nome...
quando dormes, sonharás?
Como serão os teus lençóis, a tua almofada é estampada, lisa... ou não tens almofada?
Não sei o teu nome,
porque corres junto ao mar,
não sei se lês, tão pouco me importa que leias, que nem saibas ler...
Voltarás a sorrir?
A caminhar?

E a amar?

Não sei o teu nome para te acordar,
talvez te acorde com um beijo, talvez...
e... e se não acordares?
E... e se não resultar!
Abanar-te-ei?
ou... ou finjo que és um espelho de prata deitado no desejo invisível!

Como o faço,
não sei, não sei... não sei,

E a amar?

Não sei o teu nome,
tenho dificuldade em te acordar,
e... e se tu não estiveres a dormir?
O que faço?
Não o sei, não...
o teu nome estéreo,
o teu nome agrafado aos meus lábios,
e no entanto, nunca soube o teu nome,
e no entanto... acredito que dormes, sonhas... e estás viva,
como as ruas da minha cidade,
como as palavras que mendigam a minha cidade...
uma cidade com nome, uma cidade que dorme, sonha... e acorda,

E a amar?

E a sonhar...!

Não, não sei o teu nome,
passas por mim e sinto a presença de um fantasma,
passas por mim e sinto que és uma cena cinematográfica,
ou um fotografia, a preto-e-branco, esquecida numa esquina de luz...
não sei o teu nome, e pouco me importa se tens nome.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 8 de Junho de 2014

Noite

foto de: A&M ART and Photos
Noite, que me comes e te saboreias em mim,
noite,
que me transformas em fantasma, em vagabundo diplomado,
noite, que me absorves, como se eu fosse um corpo prostituto mergulhado na escuridão,
sem paciência, sem amor... e sem paixão,

Noite,

Noite, que teimas em abrir janelas no meu corpo com vista para o mar,
e te alimentas de mim, e te alimentas da minha fraqueza,
noite, que me embriagas com os teus sonhos, e me deixas estendido na valeta sem nome,
porque tu, noite, és uma puta com fome,
uma puta de néon que incendeia o meu esqueleto de madrugada,

Noite,

Noite... noite sem sentido,
estrada atafulhadas de cacos e navalhas,
noite, que dizes ser a minha melhor amiga...
e eu, e eu, e eu não tenho nenhuma melhor amiga,
noite, deixa-me que eu pertenço à cidade dos silêncios com cabeça de vidro,

Noite.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 8 de Junho de 2014

sábado, 7 de junho de 2014

Shot de AMOR!


Hoje, quero fugir,
esconder-me na sanzala da minha infância,
com os meus frágeis bracinhos, chapinhar nos charcos de areia,
hoje, hoje a noite parece um cortinado de incenso, ténue silêncio nos teus dedos,
faltam-me as palavras, faltam-me corpos para escrever as palavras,
de neblina, de pólen... corpos, de cera, de nada, apenas corpos sem significado,
hoje, quero fugir,
hoje, hoje pareço uma locomotiva galgando os campos de milho de Carvalhais,
apitos,
e gritos,
hoje,
hoje, os teus olhos incendiaram os meus lábios,

(palpita-me que hoje vais descobrir o texto invisível que esconde o meu peito)

Hoje, quero-te,
fugir,
alegrar-me com o teu sorriso de bambu,
afagar o mabeco desgostoso, cansado da vida, cansado... cansado destas palavras...

(Cansado da tua ausência, e não estás ausente, e não... e não hoje, por favor, hoje não, hoje não sonhos nos teus cabelos)

Hoje, quero fugir,
desenhar-te na minha boca,
hoje, esconder-me em ti,
como uma criança amedrontada,
triste,
com medo,
medo que do mar venha a sanzala da minha infância,
e me traga,
paciência...
porque hoje, hoje quero fugir,
e hoje quero-te em mim,
construindo círculos de preia-mar,

Hoje, quero-te,
fugir,
alegrar-me com o teu sorriso de bambu,
afagar o mabeco desgostoso, cansado da vida, cansado... cansado destas palavras...

(searas, margaridas, hoje todos me pedem as palavras que nunca escrevi)

E hoje, e hoje escrevo porque te vi,
e sem ti,
senti o luar poisar nos meus ombros,
senti o xisto dos muros caindo dos socalcos imaginários,
como os barcos de papel,
como os marinheiros de sisal,
enfeitados com plumas encarnadas e sorrisos de vodka,
e hoje, e hoje quero fugir,
aterrar num bar sem conhecer ninguém,
sem palavras,
sem... sem ti,
sentir o machimbombo da paixão em pequenos soluços,

(e nada como uma bebida com sabor a amar)

Um shot de AMOR!
Porque hoje quero fugir,
um shot de saudade,
porque hoje sem ti,
senti a tua fotografia na montra de uma livraria,
raios...
outra vez a poesia,
um shot, por favor,
um shot de alegria,
um shot para me recordar,
como eram lindos os teus seios de madrugada,
e hoje, hoje quero fugir,

(sem me preocupar com o amanhecer, sem me preocupar com nada).


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 7 de Junho de 2014

A invisível viagem


Esta tua viagem,
sentado numa velha cadeira de vime,
esta tua viagem... com regresso, sem regresso, nunca se sabe,
finges não ter medo, e percebo que ele corre nas tuas veias de alcatrão,
esta tua viagem,
navegando por ruas sem nome, por ruas sem... sem cansaço,
pedindo a esmola ao desassossego destino,
que habita numa casa amarela,

Esta tua viagem, nunca terá fim?

Gosto de ti!
E queria acompanhar-te como se fosse uma velha mala,
sem etiqueta,

Esta tua viagem,
sentado...
numa velha cadeira de vime,
numa praia desnuda, na praia do crime,

E o... e o medo?

De não regressares, de não votares a ler no luar as minhas palavras,
e esta tua viagem, meu velho... não terá fim,
começaste, apeaste-te numa sanzala de brincar,
olhaste os telhados de zinco, puxaste de um cigarro... e pluf,
e pluf,
novamente o eterno silêncio,
e novamente o eterno derradeiro medo,
desta invisível viagem...

Esta tua viagem, nunca terá fim?


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 7 de Junho de 2014