domingo, 23 de fevereiro de 2014

A Princesa com olhos de marfim


O dia estava límpido, lá fora uma lagartixa de aço concentrava-se na miudinha chuva, transeuntes apressados deambulavam cidade acima, cidade abaixo, eu sentia a fome a entrar-se-me nos ossos cansados das longas viagens, o frio, a chuva e a neve, o vento levava-me como se eu fosse uma embarcação perdida no Oceano da incerteza, ainda hoje sinto o medo, ainda hoje desconheço o final de uma história que sei o começo..., quanto ao final, ninguém, nem mesmo Deus o poderá adivinhar, subia até aos píncaros do oitavo andar, ainda hoje o faço quando sinto dentro de mim, o medo, a tristeza... e a morte via-a passear-se nos corredores sem janelas,
A montanha dorme, dizes-me que lá bem no cume vive uma Princesa com olhos de marfim, não acredito, duvido, e do medo absorvo a força de abraçar-te,
Janelas, o vento bate como gelatina dentro da noite, choras, sinto que sentes a partida, eu sofro, eu... eu sou como os pássaros, não choro, eles não choram, e quando presentem a tempestade
Escondem-se nos palheiros inventados pelos esqueletos de granito, há um rio dentro de ti, e deixei de amar, e deixei de acreditar no amor, e deixei...
De que me serve a poesia?
Palavras, o dia estava límpido, lá fora uma lagartixa de aço concentrava-se na miudinha chuva, transeuntes apressados deambulavam cidade acima, cidade abaixo, eu sentia a fome a entrar-se-me nos ossos cansados das longas viagens, o frio, a chuva e a neve, o vento levava-me como se eu fosse uma embarcação perdida no Oceano da incerteza, ainda hoje sinto o medo, ainda hoje desconheço o final de uma história que sei o começo... ainda hoje recordo a Baía e os coqueiros envergonhados, ainda hoje choro porque nunca amais
O capim,
Ainda hoje choro porque nunca amais
Os papagaios de papel, o portão de entrada esperando o avó Domingos, de machimbombo de papel nas mãos, corria a cidade, como hoje, como eu
Corro inventando cigarros no corredor da morte,
As horas não andam, os cigarros não ardem e o amor parece despenhar-se no abismo, sinto o cheiro dele impregnado no meu corpo de naftalina, olho pela janela do oitavo andar, as árvores balançam, os caros parecem miúdos brincando na praia do Mussulo... e tu, e tu pareces-me abatido, cansado, triste... feliz por me ver,
De que me serve a poesia?
Escondem-se nos palheiros inventados pelos esqueletos de granito, há um rio dentro de ti, e deixei de amar, e deixei de acreditar no amor, e deixei... e pertenço hoje ao circo ambulante da paixão, é-me proibido amar, é-me proibido escrever, ler, ver as flores e cheirar a insónia das abelhas, e é-me difícil acreditar nos corações de prata, sinto-te, e tenho medo de perder-te, medo, medo...
Escondem-se nos palheiros inventados pelos esqueletos de granito, há um rio dentro de ti, e deixei de amar, e deixei de acreditar no amor, e deixei...
De que me serve a poesia?
Que estou vivo e vejo-te sofrer... como uma criança que brincava no mar do Mussulo...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 23 de Fevereiro de2014

sábado, 22 de fevereiro de 2014

Estranhamente

foto de: A&M ART and Photos

Estranhamente deixei-o partir
libertei-o como se libertam os pássaros depois de cansados
estranhamente deixou de existir
como todos os abraços que a tempestade do silêncio deixa fluir
estranhamente apaixonados
como as ervas daninhas das ruelas inclinadas do desejo
estranhamente vi-o sorrir
como se apenas houvesse uma clareira no cimo da montanha dos tristes luares
estranhamente construí o beijo
e o medo dos lugares
e o medo à noite com palavras de cetim
quando escrevíamos poemas sentados num simples banco de jardim,

Estranhamente só
porque as flores deixaram de crescer
porque a madrugada sem dó...
… estranhamente cansou-se de escrever,

Estranhamente magoado
desenhei cossenos nos cortinados sem coração
vi o mar em círculo fechado
estranhamente amado
como os barcos loucos das sílabas de uma canção
estranhamente triste e apaixonado e inventando poemas de açúcar
no meu corpo pesado
no meu corpo de amarrar
estranhamente as árvores morrem na insónia de um cinzeiro de latão
entranhando-me nos cigarros velhos de fumar
estranhamente dentro da solidão
imagino-me voar em nuvens de carvão...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 22 de Fevereiro de 2014

A noite flui como um carrinho de linhas, o amor submerge das rochas desenfreadas dos xistos corações, o submundo da paixão emerge dos carris aos aço laminado, os lábios incinerados em beijos de açúcar avançam em direcção ao rio, revoltam-se, cansam-se de amar... e a montanha da paixão cresce na mão amanhecer poeirento dos versos em fome, eu perco-me nas tuas palavras, invento rostos, invento saudades... que a manhã destrói como se fossem pequenos losangos imaginários, recordo Carvalhais, S. Pedro do Sul abraça-me..
Tenho medo de amar,
A noite flui como uma triângulo isósceles apaixonado pelas estrelas encarnadas, imagino-me sentado na eira... e oiço, e não me canso de ouvir...
A melódica voz e poética dos Fingertips... e há qualquer coisa estranha em mim que me diz que pertenço a essa terra e que sou filho dessa eira,
De entre as ripas do espigueiro a canção do sino da igreja... e o amor... o amor não sabe que existo junto ao campo de milho ainda franzino, ainda menino... ainda... ainda apaixonado pelo nada.


Francisco Luís Fontinha - Alijó

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

árvore do amor

foto de: A&M ART and Photos

libertem-me
desamarrem-me todas as cordas imaginárias da velha cidade das insónias
dêem-me livros em drageias
palavras injectáveis
folhas de vidro com janelas em papel
libertem-me
digam-me como se habita no sótão da solidão
porque voam os pássaros sobre os teus cabelos
se...
se as palavras injectáveis dormem na tua mão
se...
se as drageias saboreiam os teus lábios de alecrim

(libertem-me
e desamarrem-me...
como fazem aos barcos antes de zarparem)

libertem-me
e deixem-me viver num banco de jardim
diz-me como são os tectos do desejo quando passeias junto ao mar
diz-me como são as gaivotas que poisam no peitoril dos teus seios de melancolia
libertem-me
digam-me
diz-me...
se vale a pena subir à árvore do amor...
… se o amor é apenas uma lareira cansada de arder
como lágrimas
como viver...
como ser o rosto daquela que chora e ama... e morre


(e morre sem sofrer...)



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 21 de Fevereiro de 2014

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Os pobres esqueletos de vento

foto de: A&M ART and Photos

O corpo roda e sofre
morre
evapora-se dentro das graníticas rochas do coração de água
límpida solidão caminha nas mãos da mulher apaixonada
ela vive
ela ama
ela... ela é a própria madrugada
e não sabe que dentro de mim habita uma triste palavra,

O corpo é como um livro disperso no cacimbo
e alicerça-se ao cais dos mendigos envergonhados
ela senta-se no dorso cansado que todas as quintas-feiras submerge na penumbra noite dos pobres esqueletos de vento
morre
ela vive
ela ama
ela... sente o pólen mergulhado no soalho da insónia
e dos lençóis do desejo... ela absorve o sémen do poema acabado de nascer...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 20 de Fevereiro de 2014

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Palavras magoadas

foto de: A&M ART and Photos

Sabíamos que a noite pertencia aos pilares de areia,
tínhamos nos nossos corações pedaços de papel,
algumas palavras incompreendidas,
palavras... palavras tristes, palavras magoadas,
e versos em construção no interior das nossas veias,

Sabíamos que existia o amanhecer,
que éramos só nós os únicos habitantes da cidade da solidão,
sabíamos que o mar nunca, que o mar nunca nos ia pertencer,
e mesmo assim, desconhecendo a madrugada e mesmo assim... sonhávamos,
como cigarros a arder,

Sabíamos que em todas as igrejas do nosso corpo poeirento uma nuvem de lágrimas brincava,
que nas nossas mãos existiam palavras e palavras magoadas,
corríamos como comboios desgovernados de encontro às portas do inferno,
tanto, tanto, tanto... tanto sofrimento no tecto do luar, tanto, tanto calor nos lençóis da esperança,
que um dia descobri que não te amava,

Tínhamos imagens negras suspensas nas paredes de gesso do nosso imaginário,
brincávamos às escondidas,
escrevíamos palavras, palavras magoadas, palavras tristes, palavras nuas das Cinderelas palavras,
palavras entre palavras,
… nas tuas palavras em mim corpo de geada procurando o busto lendário,

Pedaços de papel,
abelhas que desenhavam o céu nos nossos braços picados por... palavras magoadas,
e sonhávamos,
e... e tínhamos nas pálpebras coloridas do incenso os cristais do amor,
e sabíamos e tínhamos... e queríamos fugir para o infinito como duas rectas paralelas em alegre pastel, havia uma tela, uma velha tela... com sabor a mel.

(e a tela da vida arde como ardem os livros de poesia dentro do teu e do meu e deles... corpos de gel perdidos numa esquina de luz)


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 19 de Fevereiro de 2014

todos os dias

foto de: A&M ART and Photos

todos os dias acordo imaginando viver nas minhas mãos a tempestade nocturna dos perfumes invisíveis,
todos os dias vejo a escuridão das manhãs envergonhadas,
sós, fingindo sofrimento e geadas,
todos os dias as palavras inaudíveis,
os néones vestidos de cansaço sobre a ponte de aço,
todos os dias acordo imaginando...
a saudade, a morte à janela sonhando,
todos os dias a louca cidade,
quando procuramos um simples abraço,
e da maré vem a mim o disfarce da melódica canção de adormecer...
todos os dias não consigo rezar,
não o sei,
e não o faço...
por não acreditar,
porque sou um esqueleto filho do mar,
todos os dias viajo na tua simples calçada,
desço a rua,
sinto-te descalça, vaiada...
todos os dias sei que crescem os pássaros sobre os teus cabelos de maré...
eu sem fé,
tu... tu perguntas-me todos os dias,
e não o faço,
por não acreditar,
porque desejas o céu quando a lua tem luar?
porque desejas as sílabas encarnadas?
se o amanhecer tem cor, tem fome... tem... todos os dias o teu nome,
todos os dias as janelas cerradas.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 19 de Fevereiro de 2014