O dia estava límpido, lá fora uma lagartixa de aço
concentrava-se na miudinha chuva, transeuntes apressados deambulavam
cidade acima, cidade abaixo, eu sentia a fome a entrar-se-me nos
ossos cansados das longas viagens, o frio, a chuva e a neve, o vento
levava-me como se eu fosse uma embarcação perdida no Oceano da
incerteza, ainda hoje sinto o medo, ainda hoje desconheço o final de
uma história que sei o começo..., quanto ao final, ninguém, nem
mesmo Deus o poderá adivinhar, subia até aos píncaros do oitavo
andar, ainda hoje o faço quando sinto dentro de mim, o medo, a
tristeza... e a morte via-a passear-se nos corredores sem janelas,
A montanha dorme, dizes-me que lá bem no cume vive
uma Princesa com olhos de marfim, não acredito, duvido, e do medo
absorvo a força de abraçar-te,
Janelas, o vento bate como gelatina dentro da noite,
choras, sinto que sentes a partida, eu sofro, eu... eu sou como os
pássaros, não choro, eles não choram, e quando presentem a
tempestade
Escondem-se nos palheiros inventados pelos
esqueletos de granito, há um rio dentro de ti, e deixei de amar, e
deixei de acreditar no amor, e deixei...
De que me serve a poesia?
Palavras, o dia estava límpido, lá fora uma
lagartixa de aço concentrava-se na miudinha chuva, transeuntes
apressados deambulavam cidade acima, cidade abaixo, eu sentia a fome
a entrar-se-me nos ossos cansados das longas viagens, o frio, a chuva
e a neve, o vento levava-me como se eu fosse uma embarcação perdida
no Oceano da incerteza, ainda hoje sinto o medo, ainda hoje
desconheço o final de uma história que sei o começo... ainda hoje
recordo a Baía e os coqueiros envergonhados, ainda hoje choro porque
nunca amais
O capim,
Ainda hoje choro porque nunca amais
Os papagaios de papel, o portão de entrada
esperando o avó Domingos, de machimbombo de papel nas mãos, corria
a cidade, como hoje, como eu
Corro inventando cigarros no corredor da morte,
As horas não andam, os cigarros não ardem e o amor
parece despenhar-se no abismo, sinto o cheiro dele impregnado no meu
corpo de naftalina, olho pela janela do oitavo andar, as árvores
balançam, os caros parecem miúdos brincando na praia do Mussulo...
e tu, e tu pareces-me abatido, cansado, triste... feliz por me ver,
De que me serve a poesia?
Escondem-se nos palheiros inventados pelos
esqueletos de granito, há um rio dentro de ti, e deixei de amar, e
deixei de acreditar no amor, e deixei... e pertenço hoje ao circo
ambulante da paixão, é-me proibido amar, é-me proibido escrever,
ler, ver as flores e cheirar a insónia das abelhas, e é-me difícil
acreditar nos corações de prata, sinto-te, e tenho medo de
perder-te, medo, medo...
Escondem-se nos palheiros inventados pelos
esqueletos de granito, há um rio dentro de ti, e deixei de amar, e
deixei de acreditar no amor, e deixei...
De que me serve a poesia?
Que estou vivo e vejo-te sofrer... como uma criança
que brincava no mar do Mussulo...
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 23 de Fevereiro de2014