foto de: A&M ART and Photos
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Porquê?
Os navios em fúria de apitos, amontoavam-se à
porta de casa, lá dentro, eu e ele, tentávamos esconder as amarras
dentro da gaveta da cómoda, eles cá fora, gritavam
Porquê?
Marinheiros famintos, procuravam qualquer objecto
que servisse para derrubar a frágil porta, escondemos-nos junto ao
corredor que dava acesso à casa de banho, o peitoril fumegava,
alguém já nos tinha lançado algo de combustível, algo de
destruidor, abracei-me a ele, e com toda a minha força
Porquê?
Fiquei não sei quantas noites pensando que nunca
mais terminaria a sangrenta guerra de palavras da cidade dos desejos,
multipliquei abraços, dividi beijos, e hoje
Porquê?
Hoje pareço um íngreme cavalo de areia correndo
sobre o mar,
E com toda a minha força apertei-o como quem aperta
o único filho, e pela madrugada, não sei qual delas, ele partiu,
consegui desembaraçar-se dos meus abraços, e
Nunca mais o branco fumo dele nos meus lábios,
Nunca mais
Porquê?
O silêncio pergaminho das suas mãos no meu rosto,
Nunca mais a voz desajeitada dele no espelho da casa
de banho, irritava-me
Vens jantar logo, meu querido?
Irritava-me
Três torradas chegam, meu querido?
Assim não, assim sentia dentro de mim uma escada
rolante em direcção ao poço profundo da tristeza, irritava-me
Querido
Sim, diz?
Querido, logo chegas cedo a casa?
E apetecia-me gritar, não regressar, nunca,
irritava-me
Sim, diz?
Que coisa... a tua...
Os navios em fúria de apitos, amontoavam-se à
porta de casa, lá dentro, eu e ele, tentávamos esconder as amarras
dentro da gaveta da cómoda, eles cá fora, gritavam
Porquê?
Eles cá fora pareciam um exército de mendigos,
procuram-nos como quem procura o vento antes de levantar âncora, o
veleiro poisava-se sobre um banco de areia, rodopiava em pequenos
círculos... e dali não zarpava nunca,
Porquê?
Os marinheiros famintos, o azedume dos versos que o
poeta louco tinha deixado sobre a mesa-de-cabeceira no quarto da
amante voavam porque o vento que antes se fazia sentir no corredor
começou aos poucos a avançar em direcção ao quarto, a amante
tinha desaparecido, ele e o amante, também desaparecidos, apenas os
famintos marinheiros enrolados em poemas de “merda” que o louco
poeta ante de suicidar-se tinha esquecido, tal como a janela aberta
Porquê? Esta chuva de papeis com pequenas
palavras...
Os marinheiros
Porquê?
O poeta louco
Onde está ele?
A amante do poeta louco
Irritava-se com as palavras do seu amado, algo de
destruidor, abracei-me a ele, e com toda a minha força
Porquê?
Porque hoje é Domingo, porque hoje há quitetas e
cerveja Cuca...
Porquê?
Porque uivam os navios quando estão em sossego?
(não revisto – ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 25 de Agosto de 2013