foto: Desenho de Francisco Luís
Fontinha
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Finjo palavras entre orgasmos cúbicos e gemidos
triangulares, dizem-me que adormeci na loucura, que sou louco,
estranho, até já me disseram que eu era esquisito, não tinha
amigos, não conversava com ninguém, dizem que vivo num mundo
construído por mim, só meu, apenas meu... e meus Deus que não
acredito, tanta, tanta mentira sobre mim, e de mim,
Finjo,
Como todos os ossos fingem solidões de insónia
sobre um divã emagrecido pelas sombras dos edifícios contíguos,
das varandas, vasos com flores, umas belas, outras, também belas,
mulheres, homens e crianças, saltitam sobre um arame fino, de aço,
que atravessa o poço da mentira, e
De mim, as palavras que recusam ler, dizer-se fã,
como eu o sou de gargantas em transe e coxas almofadadas pelas
intempéries que atravessam-me em pequenas sílabas de iodo, o sal
desaparece da claridade, como os iões entranham-se em mim, fingindo,
mentindo das palavras, aos desenhos, dos vidros às janelas, nuas,
despidas, vampiras imagens que sobejam de uma tela tristemente
riscada, húmida como o ventre em delírio, o teu, quando percebes
que nunca mais descerei da árvore onde vivo, me alimento, e escrevo,
As sempre parvoíces como parágrafos ilimitados,
para todas as redes, e perguntaram-lhe
A senhora tem telefone fixo?
Não, menina, não tenho...
Ofereço-lhe um, é seu, para todas as redes, por
apenas quinze euros,
Vigaristas trampolins de madeira falsificada,
descalços, saboreando as sandálias com tiras de verniz, ontem
oferecia-te livros, e livros, hoje, queimo-os, e queimo-os, ontem
víamos da janela longínquas luzes que alguém nos dizia serem as
lanternas dos salteadores entre marés
A senhora tem telefone fixo?
E vai e vem, descem, sobem, minguam, dilatam como
cavernas imprimidas na rocha, sobre ti, nada, ninguém, vozes,
algumas, poucas, mentiras, falsidades, mastigadas, por mastigar as
ditas proibidas palavras, e repetem até à exaustão
Que sou, ou fui, que serei eternamente,
“finjo palavras entre orgasmos cúbicos e gemidos
triangulares, dizem-me que adormeci na loucura, que sou louco,
estranho, até já me disseram que eu era esquisito, não tinha
amigos, não conversava com ninguém, dizem que vivo num mundo
construído por mim, só meu, apenas meu... e meus Deus que não
acredito, tanta, tanta mentira sobre mim, e de mim,” Porque apenas
converso com eu quero conversar?
Porque me recuso a lamber as botas a quem quer que
eu lhas lamba? Como muitos o fazem? Porreiro pá... mastigadas, as
pastilhas elásticas, para mim, chuinga, quando acordam as mangueiras
depois do cacimbo baloiçarem-se nas suas doces mangas, bajulação,
estou eu farto, cansado, e não, e não me digam que eu vivo num
mundo à parte, não
(cacimbo, mabecos, mangueiras, cubatas, sanzalas,
musseques, chuinga, capim, machimbombo...)
Vivo num mundo real, vivo num mundo onde as pessoas
são aquilo que são... e pronto.
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha