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domingo, 9 de março de 2014

Boneca de porcelana

foto de: A&M ART and Photos

Aparecias no descampado morro da solidão,
trazias vestido o perfume da paixão,
e nos seios a cansada poesia do louco poeta,
depois... depois desaparecias na escuridão de uma porta sem fechadura,
deixavas-me suspenso nas amoreiras do desejo,
e entre um beijo,
e entre a saliva do silêncio...
nada mais do que a tua sombra transposta como a matriz ranhura,
ouvíamos o mar galgar as tempestades da tua pele,
e pergaminhos de suor, pequenas gotículas de gemidos ais...
alicerçavam-se à minha mão descarnada, como uma árvore esquecida na madrugada,
e percebia de ti as inconstantes locomotivas do amor,

(tínhamos dentro de nós o beijo e as sílabas desenfreadas com dentes afiados,
não havia em nós as coloridas paredes de verniz,
não havia em nós os sonâmbulos cubos do amanhecer...
e mesmo assim, quase sempre, desejava-te como a caneta de tinta permanente deseja o papel nu,
ausente,
de ti, de mim... de nós, quando se acendiam os candeeiros das avenidas com palheiros de prata)

Aparecias, e desaparecias...
acorrentada a uma fotografia junto ao lago com cisnes circulares e olhos de noite,
procurávamos nas janelas das camas ensonadas os cortinados do Adeus,
ausentávamos-nos, e regressávamos anos depois...
tudo como dantes, tudo tão igual em pequenas fotocópias de prazer,
e sentíamos em nós os tristes pilares do edifício amarelo,
descíamos as escadas, íamos à cave dos sótãos com zincados tectos, e sabia que habitava em ti a fuga, fugias, regressavas... e quando me apercebia, lá estavas tu sentada em mim,
eu era a tua estátua de marfim,
e entre lágrimas e alguns poemas..., nada nos pertencia,
tínhamos dois corpos ancorados aos rochedos de Belém,
e entretínhamos-nos a contar os comboios em corridas apressadas para Cascais,
e depois..., e depois adormecias nos meus braços como uma boneca de porcelana...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 9 de Março de 2014

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Como será o Outono?

foto: A&M ART and Photos

Fazes sentido depois de rasurada, destruída, tu, uma apenas folha de papel, sem nada a tapar-te o corpo desnudo, de pele flácida, como a madrugada, como o amanhecer, antes de acordarem as palavras, e de te vestires convenientemente para saíres à rua? Pergunto-me
Pergunto-te camuflada dentro das gavetas da minha velha secretária, em alguns pontos dela, o caruncho a procurar-te, e não te encontra, abro-lhe as gavetas, a primeira, a seguir, a última... e tu, tu não estás presente, apenas uma fina poeira...
Fazes sentido viveres em mim? Tu? Folha de papel amarotada, esquecida, às vezes, amachucada e deitada no caixote de rede entrelaçada, claro que não meu querido, claro que não, nunca serás o que eu fui, e nunca foste o que eu serei, depois, depois de partirem as andorinhas, depois caírem todas as folhas das árvores da nossa terra (será que ainda temos terra?), não sei... eu não tenho a certeza de ter uma Pátria única, una, sinto-me a tua folha de papel, rasurada, destruída, amachucada... nas tuas mãos, quando começa a noite e me tocas na face oculta, escondida, como as sombras dos candeeiros de naftalina, procuro-me dentro das tuas gavetas, encontro bugigangas, coisas mais parecendo objectos adquiridos por ti quando visitavas a Feira da Ladra, e nada trazias dentro de ti, e nada existia entre nós, eu, uma simples folha de papel, e tu, uma doce e bela caneta de tinta permanente,
Pergunto-me
Como será o Outono?
Gostava de ser como tu, não me preocupar com as palavras, não me preocupar com a saudade, o amor e a paixão, desistir de ti, ser apenas eu, uma caneta, uma triste caneta, sem letras, tinta, solitária como as janelas viradas para o quintal onde habitam roseiras, cravos e hortelã... o aroma do pericão, e a tranquilidade da tarde quando sinto que tu desististe de mim e te lanças, ao caixote de rede entrelaçada, amachucada, rasurada, triste, branca, branca... como a lua acordada em noites de luar, gostava de ser como tu, não saber ler, escrever, contar, um dois três quatro cem quinhentos, ser um andante na algibeira dos mendigos, e pergunto-me?
Valeria a pena?
Claro que não, claro que sim, não sei, talvez,
Como será o Outono de amanhã?
Talvez, não o sei, e não fazes sentido depois de rasurada, amachucada, depois de amarrotada, feita um bola, lançada à lareira, como fazíamos aos cortinados na casa de Favarrel, depois, depois..., valeria a pena escrever em ti? Não, claro que não..., talvez, amanhã, talvez ontem, talvez nunca, claro, percebo perfeitamente,
Tu, uma simples folha de papel,
Eu, uma triste caneta de tinta permanente...
Não, não quero, não preciso... das tuas flores.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Em fatias poéticas, dentro de dois pedaços de papel

foto: A&M ART and Photos

Gosto da tua amizade, precisamente, pela tua franqueza e sobretudo optimismo, claro que é bom regressar a Lisboa, e treinar a caligrafia para prováveis autógrafos, ainda melhor,
Enquanto lia o teu coração, lembrei-me de um Livro de José Luís Peixoto “Dentro do Segredo”, sobre a viagem que ele fez à Coreia do Norte, autógrafos, fazem-me lembrar os Norte-Coreanos, e claro, todos eles são muito baixinhos, agora, imagina tu, que eu imaginei, que enquanto autografava um livro, aparecia-me uma Norte-Coreana, puxa a t-shirt e diz-me
Quero um autógrafo no meu seio esquerdo,
Boa, penso eu, e agora? E Agora Francisco?
Pego na caneta, e tremulamente, escrevo... Francisco Luís Fontinha, com amizade, e claro, ela sorriu, e foi-se embora…
E nunca mais utilizarei a minha caneta de tinta permanente, apenas um corpo poético consegue sobreviver às palavras, apenas este corpo consegue embrulhar-se entre a poesia e o sonho, ou entre a noite e a madrugada..., às vezes, entranha-se no prazer, e voa, voa como uma gaivota desgovernada
E agora, Francisco? E agora? Que faço com este corpo poético, literário e desejável? Transformar-se-á em palavras, no verdadeiro poema? Ficará corpo de mulher com formato de livro, terá mãos para me acariciar o rosto desgrenhado pelos socalcos do Douro? Terá olhos, pálpebras e lábios para me beijar? E agora... Francisco...
Gosto, do autógrafo semeado na areia molhada da feliz gaivota desgovernada, gosto da tua pele misturada em melódicos sons embainhados dentro da manhã, ela dança, e mexe-se com a ligeireza de uma andorinha em pequenos círculos, perguntas-me
Qual é o perímetro de um círculo, sei, mas simplesmente não me apetece responder-te, perguntar-te-ia, para que desejas saber o perímetro de um velho círculo, imobilizado pelo gesso do hospital, alguns dos ossos não sobreviveram às rotações em redor de uma eira granítica, e no seu centro de massa, o canastro, o milho, o teu
Corpo?
Em fatias poéticas, dentro de dois pedaços de papel, açúcar sobre a pele complexa dos cansaços à beira rio, e em dolorosos soníferos entram e saem barcos de ti, imaginava-te um socalco esculpida na montanha com acesso ao rio Douro, imaginava-te a tal Norte-Coreana,
Quero um autógrafo no meu seio esquerdo,
Boa, penso eu, e agora? E Agora Francisco?
Pego na caneta, e tremulamente, escrevo... Francisco Luís Fontinha, com amizade, e claro, ela sorriu, e foi-se embora…
E
E ainda...
Corpo?
E ainda hoje não entendo muito bem as t-shirts que enrolam corpos poéticos, literários e afins...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

sábado, 1 de junho de 2013

Os carris da saudade em direcção à minha caneta de tinta permanente

foto: A&M ART and Photos

Talvez um dia percebas porque dançam as minhas lágrimas
e navegam nos meus débeis braços os barcos de vidro martelado
talvez um dia entendas as personagens de mim
que são de ninguém
como sombras bailando debaixo da chuva
assim
como palavras entre linhas de um caderno negro
e os carris da saudade em direcção à minha caneta de tinta permanente

Talvez um dia o mar seja o nosso reencontro no mergulho do desespero abandono
que todo o pôr-do-sol sofre antes do cair a noite
e acordem milhões de parvas estrelas
que não falam
não escrevem
talvez um dia venhas a perceber quem sou eu
do que padece o meu empobrecido esqueleto
como um texto com duzentos e seis caracteres

Talvez... as minhas lágrimas
e navegam nos meus débeis braços os barcos de vidro martelado
que dos pomares de areia com sabor a amêndoa
do outro lado da janela
um menino embalsamado brinca com um parvo boneco
de nome chapelhudo
e talvez um dia um dia acordem as neblinas imagens de ontem
com as perfumadas sílabas de hoje...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha