foto: A&M ART and Photos
|
Pouco ou nada nos pertencia, e a lua, que eu sempre
tinha ouvido dos vizinhos ser pertença do senhor nocturno com olhos
penteados como bicos de papagaio subindo o céu, e de um simples
cordel, suspendia-me como débil que eu era, não às árvores do
quintal, mas a um enferrujado portão de entrada, eu sentava-me, eu
poisava os cotovelos, eu imaginava das grades crescerem leões e
jibóias... que histórias ouvia, sem que tenha algum dia visto,
sentindo ou olhando, uma, duas, três... e a única cobra que
realmente apareceu na minha vida, essa, chamava-se Etelvina, tinha
calafrios quando lhe tocava e ressonava durante a noite, não como
porcos, porque esses ainda conseguem ser mais silenciosos do que ela
realmente o era, mas coitada, falecida, partiu para longe, e dos
mortos, em alguns mortos, eu, não, falo...
só falo na presença do meu advogado, queixava o
cigano marreco acusado de malabarismos dentro de uma velha tenda onde
vendia, CD'S pirateados, cuecas a cinco euros, digamos doze pares, e
não esquecendo telemóveis com chamadas grátis para todas as redes,
incluindo a rede presidiária onde iria permanecer os próximos seis
meses de vida, ele, não via as coisas por esse prisma e considerava
a prisão como uma reciclagem, aperfeiçoamento dos infinitos
malabarismos da sua longa carreira,
Fantástico, para
só eu, pouco, ou, pouco ou nada, sobejava do teu
peito ofegante, como o pensávamos quando abríamos a janela do
quarto, e bem lá longe, talvez do outro lado do silêncio,
ouviam-se-lhes os gritos de revolta das ondas ensanguentadas pela
velha e nojenta espuma vómito dos caracóis de corrida, sempre em
luta contra as semanas de ausência do senhor nocturno com olhos
penteados como bicos de papagaio subindo o céu, e eu, claro,
confesso, gostava dele
Fantástico, para a próxima vendo-te um avião em
peças, é só encomendares e marcarmos o local de entrega, e eu
completamente embriagado pelos olhos da Etelvina perguntava-me –
Para que raio preciso eu de um avião? - assinei o contrato sem o
saber, e em primeiro, as letras de tão pequeninas, recordavam-me os
ordenados de muitos desgraçados deste País, tão pequenos, tão
pequenos... que nem com uma lupa se conseguem ver
é tal e qual como as coxas da Etelvina,
Depois a minha embriaguez, combinada com uma certa
dose de gaguez, e daqui a pouco, com os guez... esqueço-me da
promessa da menina Etelvina, eu caso, senhor nocturno com olhos
penteados como bicos de papagaio subindo o céu, mas primeiro tem de
dar aquilo que me prometeu, e como diz a palavra, Prometeu nunca
prometeu nada, absolutamente nada, e a minha gaguez pertencia já a
um fundo imobiliário, rentável a tal ponto, que repentinamente
vi-me com dinheiro suficiente para comprar o que tinha prometido à
menina Etelvina e ainda sobejaram algumas moedas, em caso de dita
guez... voltar, regressar a mim e entranhar-se-me nos ossos ditos
pertencerem ao meu esqueleto, a dúvida persiste, porque neste
momento, ninguém
nem eu consigo determinar o que pertence a quem e o
quê,
E ninguém acredita que eu tenha realmente adquirido
o dito avião, mas a verdade é que sim, só não o adquiri como
dorme sobre o meu guarda-fato, e durante a noite, não sempre,
oiço-lhe o rosnar, levanta-se, abra a janela, e depois
é tal e qual como as coxas da Etelvina,
Desaparece no nocturno céu como as abelhas da ilha
inventada pelas insónias da minha menina, a Etelvina, que ainda
acredita, que eu, ando perdido no Oceano, à deriva, em pequenas
rotações, mas verdade verdadeira
eu sou um pássaro que poisa hoje aqui, e amanhã,
não tem onde poisar, e
Depois de amanhã, quando acordar o Sol, se acordar,
e se tu, desculpa, morreste numa manhã de Novembro, mas havia sobre
nós
o quê?
Estou totalmente arrependido de ter adquirido tal
objecto, que uns chamam de avião, outros, avioneta, e outros...
pássaro de quatro patas,
o quê?
Gostava dele...
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha