Borboletas mecânicas incendiavam as fictícias
manhãs de Domingo, ainda por descobrir, emagrecidas pelas janelas de
ferro que o ferreiro plantou nas paredes da solidão na cidade dos
esconderijos, ouviam-se-lhes as letras dissimuladas em bocas
revoltadas, havia fome e havia candeeiros sentados em bancos de
madeira, tínhamos descido das árvores onde passámos os últimos
meses, confesso, que das borboletas não tinha medo, acordava a
noite, e aí sim, elas pareciam loucas, voavam em círculos, e
desenhavam quadrados e triângulos no silêncio das horas nocturnas,
mas como eram de chapa zincada, resistiam, e quando batiam de raspão
na parede de um prédio em ruínas, ouviam-se-lhes os ditongos
metálicos da pedra contra o metal, acordávamos, pensávamos que
tinham chegado os soldados com armas de paixão para nos protegerem,
mas afinal
Aram apenas os sons metálicos das borboletas
mecânicas, em flor, acabadas de nascer, e ainda mal percebiam os
princípios da aerodinâmica, algumas, deitavam-se das árvores e
batiam as asas e batiam, até se despenharem em pleno pavimento
granítico das calçadas em frente ao Tejo, um rio que deixou de
existir depois dos homens vestidos de negro terem invadido a cidade,
e com uma pasta de couro, aos poucos, todas as plantas cessaram os
seus movimentos nos jardins públicos e privados, e apenas uma ponte,
também ela metálica, resistiu, e ainda hoje nos ouve, quando
gritamos, quando acordamos, quando
É domingo,
Ainda não sabia o que eram crocodilos de areia,
tinha uma vaga noção do que era o capim que tanto se falava em
casa, mas dizer que tinha tido o prazer de deitar-me no chão, e
descer uma ravina até ir de encontro a uma pedra ou a uma árvore,
não, até então, nunca tinha tido essa estonteante experiência,
mas pensava cá para mim
Um dia vou experimentar,
As borboletas tinham-se tornado inquietas, nervosas,
e pareciam, não, não pareciam, eram, loucas, e os seus voos cada
vez mais simples e em linha recta, como as linhas traçadas nas
paredes pintadas de branco com a ajuda de um esquadro e de uma régua,
simples, tão simples, que
À noite não podíamos sair de casa, elas vagueavam
em desesperos e tínhamos medo dos golpes que as asas metálicas
podiam-nos provocar no corpo desobediente, quente, que tínhamos de
transportar até que chegava a manhã, e com ela, a claridade, e com
esta, elas adormeciam
Acreditas em árvores de pêlo comprido?
Eles não vinham, já o sabíamos, e não era
preciso grande alarido, porque sempre estivemos por nossa conta,
sempre sós, como os furtados cocos dos coqueiros, não
Um dia vou experimentar, e experimentei, e bati com
a cabeça numa tília com nervos em franja, rabugenta como uma
galinha, que em vez dos afamados chás das cinco, não, preferia as
drageias de carvão que o tio Augusto tinha trazido do antigo Congo
Belga, atravessava-se o rio, e do outro lado, suspenso numa vespa,
vagueava como um vadio, moribundo mendigo de quatro patas, como o
outro, de areia, crocodilo desde os tempos do meu aparecimento no
planeta terra, e um dia
De pêlo comprido?
Não,
E estúpidamente acreditava em árvores, e estas
acreditavam em mim, que acreditavam em borboletas mecânicas, em
pontes metálicas, em rios e cidades, e barcos,
E juro,
Nunca vi nenhum, não consigo descrevê-lo,
parecem-me objectos difíceis, distantes, complicados, parecem-me
pinturas de miúdos durante a noite, estes tais de barcos, e a
bailarina parece-me triste, magoada, talvez cansada, talvez
envergonhada, mas
Sim, Domingo,
(Ainda não sabia o que eram crocodilos de areia,
tinha uma vaga noção do que era o capim que tanto se falava em
casa, mas dizer que tinha tido o prazer de deitar-me no chão, e
descer uma ravina até ir de encontro a uma pedra ou a uma árvore,
não, até então, nunca tinha tido essa estonteante experiência,
mas pensava cá para mim)
Um dia vou.
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha