sábado, 23 de março de 2013

Borboletas Mecânicas

Borboletas mecânicas incendiavam as fictícias manhãs de Domingo, ainda por descobrir, emagrecidas pelas janelas de ferro que o ferreiro plantou nas paredes da solidão na cidade dos esconderijos, ouviam-se-lhes as letras dissimuladas em bocas revoltadas, havia fome e havia candeeiros sentados em bancos de madeira, tínhamos descido das árvores onde passámos os últimos meses, confesso, que das borboletas não tinha medo, acordava a noite, e aí sim, elas pareciam loucas, voavam em círculos, e desenhavam quadrados e triângulos no silêncio das horas nocturnas, mas como eram de chapa zincada, resistiam, e quando batiam de raspão na parede de um prédio em ruínas, ouviam-se-lhes os ditongos metálicos da pedra contra o metal, acordávamos, pensávamos que tinham chegado os soldados com armas de paixão para nos protegerem, mas afinal
Aram apenas os sons metálicos das borboletas mecânicas, em flor, acabadas de nascer, e ainda mal percebiam os princípios da aerodinâmica, algumas, deitavam-se das árvores e batiam as asas e batiam, até se despenharem em pleno pavimento granítico das calçadas em frente ao Tejo, um rio que deixou de existir depois dos homens vestidos de negro terem invadido a cidade, e com uma pasta de couro, aos poucos, todas as plantas cessaram os seus movimentos nos jardins públicos e privados, e apenas uma ponte, também ela metálica, resistiu, e ainda hoje nos ouve, quando gritamos, quando acordamos, quando
É domingo,
Ainda não sabia o que eram crocodilos de areia, tinha uma vaga noção do que era o capim que tanto se falava em casa, mas dizer que tinha tido o prazer de deitar-me no chão, e descer uma ravina até ir de encontro a uma pedra ou a uma árvore, não, até então, nunca tinha tido essa estonteante experiência, mas pensava cá para mim
Um dia vou experimentar,
As borboletas tinham-se tornado inquietas, nervosas, e pareciam, não, não pareciam, eram, loucas, e os seus voos cada vez mais simples e em linha recta, como as linhas traçadas nas paredes pintadas de branco com a ajuda de um esquadro e de uma régua, simples, tão simples, que
À noite não podíamos sair de casa, elas vagueavam em desesperos e tínhamos medo dos golpes que as asas metálicas podiam-nos provocar no corpo desobediente, quente, que tínhamos de transportar até que chegava a manhã, e com ela, a claridade, e com esta, elas adormeciam
Acreditas em árvores de pêlo comprido?
Eles não vinham, já o sabíamos, e não era preciso grande alarido, porque sempre estivemos por nossa conta, sempre sós, como os furtados cocos dos coqueiros, não
Um dia vou experimentar, e experimentei, e bati com a cabeça numa tília com nervos em franja, rabugenta como uma galinha, que em vez dos afamados chás das cinco, não, preferia as drageias de carvão que o tio Augusto tinha trazido do antigo Congo Belga, atravessava-se o rio, e do outro lado, suspenso numa vespa, vagueava como um vadio, moribundo mendigo de quatro patas, como o outro, de areia, crocodilo desde os tempos do meu aparecimento no planeta terra, e um dia
De pêlo comprido?
Não,
E estúpidamente acreditava em árvores, e estas acreditavam em mim, que acreditavam em borboletas mecânicas, em pontes metálicas, em rios e cidades, e barcos,
E juro,
Nunca vi nenhum, não consigo descrevê-lo, parecem-me objectos difíceis, distantes, complicados, parecem-me pinturas de miúdos durante a noite, estes tais de barcos, e a bailarina parece-me triste, magoada, talvez cansada, talvez envergonhada, mas
Sim, Domingo,
(Ainda não sabia o que eram crocodilos de areia, tinha uma vaga noção do que era o capim que tanto se falava em casa, mas dizer que tinha tido o prazer de deitar-me no chão, e descer uma ravina até ir de encontro a uma pedra ou a uma árvore, não, até então, nunca tinha tido essa estonteante experiência, mas pensava cá para mim)
Um dia vou.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 22 de março de 2013

A Rua Dona Grande Solidão

A&M ART and Photos


Chegavas a casa, quando chegavas, e quantas noites desesperaste por mim, quando eu desfilava pelos passeios ornamentais com pedrinhas coloridas, um passeio artístico, com candeeiros de cartolina, junto a ele, as casas de madeira com corações de manteiga, algumas delas, com mais do que um andar, e poucas, com um sótão inclinado, onde, sabias-me perdido entre ondas de chocolate das paredes verdes que alimentavam as teias de aranha das tuas finíssimas mãos, tinhas medo do escuro, e tínhamos começado a construir durante as noites as famosas Rainhas da Rua Dona Grande Solidão, uma rua estreita, Débora, onde a pouca luz desaparecia como desapareciam as poucas moedas de escudo dos fundos bolsos das minhas calças de ganga, filha única, lavava-as à noite e manhã cedo voltava a vesti-las como se elas fossem calças de ganga
Mágicas,
Felizes elas que pensavam em mim,
E não tinham medo de adormecer debaixo da mesa, suspensas no cordel que eu utilizava durante as tardes para segurar o meu papagaio, e saboreando o calor da braseira, elas felizes, elas
Gosto muito delas, Fingia para com os meu amigos quando me confrontavam
Andas sempre com as mesmas calças, não tens outras?
Encolhia os ombros, e esperava que chegasses a casa, quando chegavas, e quantas noites desesperaste por mim, quando dentro da mochila apenas um par de calças de ganga, únicas, verdadeiras peças de arte, e já na altura
Mágicas,
Na altura felizes elas que pensavam em mim, felizes ás árvores de veludo, que de mão dada com os candeeiros de cartolina, e como eu amava a Rua Dona Grande Solidão, as alergias, das drageias, à água-de-colónia que ele trazia da feira da ladra, na altura, as ruas eram de areia pisada por pincéis de arame e guarda-fato com espelhos rabugentos, e quando olhávamos o mar, eles, transmitiam-nos apenas rochedos em decomposição física, e restavam-lhes apenas o espírito melancólico de uma noite sentado no gonzo esquerdo da maré de Maio, e Mágicas
Claro que Mágicas,
Muito elegantes até que eu entrasse vagarosamente nelas, depois, depois abria as asas, abanava-as e em pequenos movimentos ascendentes e descendentes, lembro-me
Lembras-te meu querido,
A levitar até chegar à janela do sótão, e ela, desesperava por mim, e dentro da mochila, farrapos, pedaços de papel, às vezes entrava em casa com o orvalho sobre os ombros, às vezes entrava em casa com os restos de cartolina dos candeeiros, da Rua
Eu amava a Rua Dona Grande Solidão, Lembras-te, meu querido, das paixões dos cubos de vidro onde nos sentávamos depois de...
Não percebi, desculpa?
Mágicas? O quê Mágicas? Não, Não me recordo de nada parecido com magia, espera, espera
Talvez mágico só as tuas coxas de xisto que o Douro engole quando os socalcos vomitam fragrâncias hélices de sons e cheiros,
Só, apenas essas magias que a tua mãe às vezes trazia para casa,
(tou, amor? Tou bem, cheguei bem, onde tou? Na biblioteca, e tu, também tou bem meu amor, e a menina, tá bem, minha querida), e de vez em quando ouvia-te pequenos gemidos a renascerem do teu interior mais secreto, mais escondido, mais impuro, agora deixou de existir a Rua Dona Grande Solidão, agora os poste de iluminação já não são de cartolina como naquela época, os passeios onde havia postes de iluminação as pedrinhas são apenas de uma cor, as casas deixaram de ser em madeira, sem sótãos, e as calçadas já não são de areia calcada pelos pesadíssimos embriagados homens da mochila cinzenta, onde lá dentro
Tinham, diziam, porque nunca vimos, pedras, papeis, restos de livros e
Dizem, porque nunca vimos
Traziam um par de calças de ganga, dizem eles que
O que diziam eles?
Que metiam a mão direita no bolso esquerdo e segundos depois aparecia a mesma mão direita no bolso direito, Pode lá ser!
A sério!
Dizem, dizem que eram calças Mágicas,
(amo-te)
(também eu meu amor)
(tou, amor? Tou bem, cheguei bem, onde tou? Na biblioteca, e tu, também tou bem meu amor, e a menina, tá bem, minha querida, tem saudades tuas, eu também, dá-lhe um beijo por mim), ele acredita em tudo que lhe digo
Até que tinhas umas calças que metias a mão direita no bolso esquerdo e segundos depois aparecia a mesma mão direita no bolso direito, formidáveis essas calças de ganga, meu amor, pois são meu querido, pois são...

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Flores de Inferno

Quem sou eu, senhor ANORMAL?
À segunda foi de vez, e quando todos esperavam que ele fugisse para não regressar mais, ele desce a montanha, devagar como todos os passos mórbidos de homens cansados, da água vieram as cintilações que abraçavam as candeias de alumínio que se suspendiam na chaminé, e nas cozinhas, as doces âncoras do vento que aprisionavam os esquifes ao pavimento húmido da laje submersa em lágrimas de saudade e flores de inferno, na lareira um cisco de oliveira derretia-se como açúcar embrulhado em alguidares palavras, que só ele, o senhor ANORMAL conseguia distinguir nas horas de desespero,
Quando batiam à porta, escondia-se e fingia-se de invisível,
(Diz-lhes que eu não estou),
Sim?
É para conversarmos com o senhor ANORMAL..., ah..., lamento, mas ele disse-me para lhes dizer que ele não estava hoje, ouvia os risos em fotocópias de livros de poesia, e sentia-os descerem em passos apressados a dura calçada de areia até desaparecerem nas luzes do cemitério,
Sim, eu digo-lhes que o senhor me mandou dizer que hoje não estava em casa, saiu, qualquer coisa relacionada com má disposição, Olha
Sim?
Diz-lhes que eu morri anteontem e que fui a enterrar hoje,
Olhe que eu digo-lhes isso, padrinho,
Diz Diz,
Então quando está, perguntaram-me eles?
Ora... foi a enterrar hoje, talvez daqui a cinco dias, sim, cinco dias,
E eu ia, procurava-te, imaginava-te sentada num banco de granito, circular, serrado em duas simples metades, deixavas o corpo florir, começavas por esta altura, quando regressam os pássaros, as abelhas, e o sol, gostas de Sol?
Não percebo, padrinho, nunca percebi porque se esconde de mim,
E do Céu um arco de silêncio pindericamente mal vestido, como eu, padrinho, entre moinhos e lençóis de água, e porque foges de mim, padrinho?
Gosto de si, padrinho,
E poisava-me a mão sobre os meus débeis joelhos, não falava, nada dizia, e talvez escrevesse dentro dele
Eu também, minha querida, eu também..., mas diz-lhes que eu não estou,
E eu, esperava-o, sentava-me sobre a meia-lua do prazer, pegava num livros, lia qualquer coisa, e fechava-o, e recordava o cisco de oliveira cilindrado dentro de uma lareira de prata numa cozinha de aldeia, cansei-me, cansei-me
De ti,
Uma mala de chapa uivava junto aos meus pés, lá dentro, apenas papeis e livros, e claro, senhor anormal, os livros são constituídos por folhas de papel, logo
Os livros também são papeis,
Então trouxeste de tão longe, uma mala
Sim?
Uma mala de chapa e recheada com papeis,
De ti,
Porquê padrinho? Porque tens medo de mim?
E a meia-lua desesperadamente voava sobre os desvairados plátanos do pensamento, havia lápis de cor e folhas de cartolina, sobre os meus joelhos, a mão dele, sentia-a, como mais tarde senti a mão da solidão no interior do meu púbis, como mais tarde senti nas minhas coxas, sim padrinho
A sua suave voz melódica e poética que Deus criou, como as nuvens e os infernos das flores em putrefacção, corpos de carne misturados em bocas de mar que as árvores tanto invejam, Percebe-me, padrinho?
Não, não consigo imagina-te...
Sentada neste sofá à espera que você regresse?
E se eu não regressar?
Tenho-a, todas na minha mão, tenho-a quando lhes menti e lhes disse que o senhor tinha morrido, não morreu e hoje espero-o, sabe?
Não, minha querida,
Apetecia-me recordar a sua mão sobre os meus débeis joelhos, em marés por viver e traineiras de amar, amá-lo como se amam as flores, amá-lo como se amam os homens e as mulheres, e o sol
Gostas de Sol?
Sim padrinho, adoro o sol.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 21 de março de 2013

Perfume de Primavera

foto de: A&M ART and Photos

Inventaste a musicalidade do teu corpo
propositadamente
porque sabes que eu não percebo de música,

Inventaste as palavras difíceis
porque sabes que eu não sei o que são palavras difíceis
e tão pouco as sei prenunciar,

Inventaste o amor
acorrentado
a um deserto cais com flores de papel,

Inventaste as camas de pensão
e as janelas com vista para o mar
porque sabes que eu nunca vi o mar,

Inventaste-me quando existiam bancos de jardim
com ripas de madeira
onde alguém escreveu “Cuidado – Pintado de Fresco”,

E a tua saia transformou-se em listras vermelhas
com pétalas de morango
e beijos de açúcar,

Inventaste as minhas mãos
que quando acariciavam o teu corpo
desenhavam-lhe uma pauta musical com perfume de Primavera.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

O caçador de Grilos

Apetecia-me caçar grilos, acordou a bela Primavera, as palavras são grátis, apetecia-me, correr sobre os carris inanimados, moribundos e doentes, ou
Cansados,
Estás cansado meu querido?
Sim, talvez, sou capaz,
Cansado de caçar grilos onde à partida, nãos os há, emigraram para outra planície, partiram de mochila às costas, ombros em punho, Oiço-a (Ana Drago a falar para o boneco), porque os grilos, fugiram, emigraram, oiço na Antena 3 qualquer coisa relacionado com Filosofia, deve ser o tema da Prova Oral, mas mal oiço a palavra Filosofia
Doente, sabes o que tenho, estou doente,
Vou caçar grilos, tanto me faz que sejam do António, do Zé do Do ZIZIARINHO, interessa-vos o dono do grilo?
E claro que ela tem razão, gosto de a ouvir, mas neste momento estou mais interessado na caça voraz aos grilos dos terrenos baldios, lembro-me
Ainda te lembras, meu querido?
Gri Gri Gri tua casa não é aqui, e eu, parvalhão, de palhinha na mão a masturbar um buraco, outro parvalhão dizia-nos
Se urinarmos para o buraco ele sai, diga-se, diga-se o referido grilo, mas
Não saía, o gajo só não saía como certamente não estava lá, ela tem razão no que diz e eu gosto de a ouvir, e já na altura os grilos eram teimosos, mentirosos, fingidos, e já na altura
Meu meu querido, amas-me?
Claro que sim meu grilinhos, claro que sim,
Perdão?
(ah... o grilo não é do António, ah... o grilo não é do Zé, ah... então o grilo é do ZIZIARINHO?)
Pedimos
Perdão
Pelo sucedido,
Dentro de momentos voltamos à caça dos famosíssimos grilinhos das esparsas ruas com legumes e fruta da época, valeu-nos o regresso do outro, que com a sua voz melódica, todos, mas todos
Os grilos saíram da toca,
Ah,
Depois vinha o meu grande amigos dos Sorrisos, de mãos nos bolsos, olhava-me e em termos visuais quase nulos, dizia-nos
Não podem gritar nem ser agressivos com a palhinha no buraco, assusta-os, e a esta hora
Que tem a hora, pá?
Estão a sonhar,
A sonhar? Mas ouve lá oh risinhos, Os grilos sonham?
Claro que sim, os grilos, os pássaros, as árvores e as couves e os rios
E já agora, as pedras, não?
Claro que sim, também sonham,
Apetecia-me caçar grilos, acordou a bela Primavera, as palavras são grátis, apetecia-me, correr sobre os carris inanimados, moribundos e doentes, ou ouvir-lhe todos os discursos, ou
Pedimos perdão pelo sucedido, o texto segue dentro de momentos,
(ah... o grilo não é do António, ah... o grilo não é do Zé, ah... então o grilo é do ZIZIARINHO?)
Não, não venhas, não, não urines para o buraco
Parvalhões
Gri Gri Gri tua casa não é aqui, e claro que sim, sonham, como nós, e vós, ou
Pedimos perdão pelo sucedido, o texto segue dentro de momentos, os carris seguem dentro de momentos, alguns nunca mais seguirão porque uns parvalhões quaisquer tiraram-os, venderam-os, sucata, palavras malvadas nas algibeiras clandestinas da saudade, porcarias, estradas entre a noite e os queridos apaixonados pelos mais belos poemas de amor
Gostam de Amor?
Simmmmm...
E hoje,
Hoje?
Deixaram de passar comboios onde antigamente havia buracos, nesses buracos viviam grilos, esses grilos cantavam, e de mãos da algibeira regressava o meu grande amigo dos sorrisos, olhava-me, e dizia-me com se estivesse a escrever apaixonados lábios na seara de trigo
E respeitosamente,
Dizia-me
Não podem gritar nem ser agressivos com a palhinha no buraco, assusta-os, e a esta hora
Que tem a hora, pá?
Estão a sonhar,
A sonhar? Mas ouve lá oh risinhos, Os grilos sonham?
Claro que sim, os grilos, os pássaros, as árvores e as couves e os rios
E já agora, as pedras, não?
Claro que sim, também sonham,...

(ficção não revisto)
Francisco Luís Fontinha

Paixões de granito

A&M ART and Photos


Misturavas-te nos gomos de laranja das noites ensonadas em veneno Primaveril
dos laços de cristal adornavam-te o fino pescoço de arame invisível
havia sombras em ti
que só a minha boca saboreava
como a acorrentada imagem da madrugada antes de acordar,

Havia uma língua de prata
na boca teu sargaço que o mar engole
migalhas de mel e rebuçados de palavras
emergiam da tua leve mão solúvel na areia deserta da insónia
que os olhos negros procuravam nas gaivotas do engano,

Dizias-te flor eternamente perdida nas minhas loucas palavras
e mesmo assim
perdi-te sem perceber que nunca exististe
e que da chuva quando caías
desfazias-te em narcisos assustados,

Murmuravas nunca mais o meu nome
das minhas cansadas árvores sem palavras
e nada
nada que o mar não me dissesse
ou avisasse,

Nada parecendo felicidade
das janelas do pequeno abismo
são de ti as argolas dos pequenos gomos de laranja
que uma árvore me ofereceu
e eu e eu comia-as como se comem as grandes tardes sem literatura,

Quando uma lareira de vidro
vomita as chamas insensíveis das paixões de granito
que tu me ofereces invisivelmente
nas noites construídas de solidão
e miudezas no desprezo quando me cruzo no teu caminho enlatado,

O azedume adormecido do fruto proibido
e como eu precisava de roubar-te um sorriso
um olhar
uma sombra apenas de ti
sobre as pedras da calçada.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 20 de março de 2013

E havia

Havia o corredor de silêncio quando ela se vestia de palavras e caminhava, corria, caminhava, corria até que aos poucos, devagarinho, as luzes suspensas no tecto falso, ensurdeciam, enlouqueciam, e do vermelho abrupto sussurro das transversais linhas com poemas de areia, voavam, voavam até desaparecerem no final do corredor, a mulher, desesperava-se com a lentidão dos relógios e dos calendários, os dias tinham parado, e as horas e os minutos e os segundos,
Enlouqueciam como as lâmpadas de halogênio que vieram de regresso da plataforma número três com carris de xisto, socalcos mergulhavam na sombra do Douro, homens e mulheres, comendo sandes mal passadas, pedaços de pão, chouriço, e claro, vinho, com a água que Deus envia de vez em quando, e por incrível que pareça, misturam-se, abraçam-se
Como dois amantes, loucamente entrelaçados, sós, eles, tal com Deus os desenhou nas ardósias húmidas das tardes sem Primavera, lá dentro, o palheiro vazio, uma cama nua e despida de preconceito, mistura-se-lhe nas pequenas mãos de linho, o algodão transpira na camisa adquirida num estilista famoso que o cigano André vendia a cinco Euros, e num dos cantos do palheiro, pequenas palhinhas de desejo a iluminarem os espaço prestes a ser inaugurado entre dois sexos vazios, dois sexos que partilham cada milímetro de sombra que desce do tecto com ripas de madeira, eles amam-se e misturam-se-lhe das grandes asas do ciúme
Adeus meu querido,
Amo-te,
E havia o corredor, sem portas nem janelas, apenas com um tecto falso, baixo, a luz fingia-se viva quando todos sabíamos que as lâmpadas de halogênio estavam mortas, como mortas estavam as frases inscritas nas paredes de gesso, e havia
Alegria muita alegria, felizes todas e elas, felizes as flores e eles, felizes, felizes, não felizes,
Aposto tudo em
Não felizes,
Mais ninguém aposta? Vou lançar os dados, e...
Ganhou
Ganhei, ganhei, não felizes, palpitava-me, sabia-o como sempre soube desde que nasceu este pequeno monstro com braços de aços e esqueleto laminado a frio de uma liga de carbono e ferro, e às vezes, uma pequeno dor de coluna, que quando saia de casa e se queixava, ouvia a dona Amélia
Ai vizinho, esse chiadouro nas cruzes, até parecem dobradiças com insónias,
E
Não
Eram,
Qual insónia?
Sabes, meu querido? Não, como posso saber se não me disseste o que era,
Medo,
Tens medo, medo de quê?
Do amor, da paixão, e das loucas gaivotas quando devoram o mar durante a noite, enquanto dormimos, desculpa, enquanto eu durmo, tu nunca dormes, porque tu não existes, porque tu,
Sou um corredor do corredor de silêncio quando ela se vestia de palavras e caminhava, corria, caminhava, corria até que aos poucos, devagarinho, as luzes suspensas no tecto falso, ensurdeciam, enlouqueciam, e do vermelho abrupto sussurro das transversais linhas com poemas de areia, voavam, voavam até desaparecerem no final do corredor, a mulher, desesperava-se com a lentidão dos relógios e dos calendários, os dias tinham parado, e as horas e os minutos e os segundos, e eu, e ele, e todos os nossos móveis deixavam de fazer sentido, pareciam velhos, e não o eram, pareciam vermelhos, e eram azuis, tinham o Céu desenhado com estrelas de chumbo, e não tinham nada, afinal não era o Céu, nem as estrelas, nem o chumbo, apenas a humidade no tecto devido às infiltrações do vizinho de cima, por baixo de nós vivia um casal de submarinos, também eles, velhos e sós, também eles, estátuas onde pássaros mal educados cagavam sobre as deles pobres cabeças de bronze
Nunca quis ser estátua,
Nem altar onde se ajoelhassem mulheres a rezarem, a pedirem-me coisas, e pergunto-me
O que teria um desgraçado de um desempregado para oferecer?
Por favor
Procurar outro santo,
Porque eu,
Desisto,
Porque eu
Não estou disponível para negociações, porque eu
Nada
Nunca,
Porque meu querido
AL Berto
E companhia limitada,
Se o Pacheco estivesse vivo
Di-lo-ia
Amigos, estamos todos fodidos e mal pagos.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha