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Chegavas a casa, quando chegavas, e quantas noites
desesperaste por mim, quando eu desfilava pelos passeios ornamentais
com pedrinhas coloridas, um passeio artístico, com candeeiros de
cartolina, junto a ele, as casas de madeira com corações de
manteiga, algumas delas, com mais do que um andar, e poucas, com um
sótão inclinado, onde, sabias-me perdido entre ondas de chocolate
das paredes verdes que alimentavam as teias de aranha das tuas
finíssimas mãos, tinhas medo do escuro, e tínhamos começado a
construir durante as noites as famosas Rainhas da Rua Dona Grande
Solidão, uma rua estreita, Débora, onde a pouca luz desaparecia
como desapareciam as poucas moedas de escudo dos fundos bolsos das
minhas calças de ganga, filha única, lavava-as à noite e manhã
cedo voltava a vesti-las como se elas fossem calças de ganga
Mágicas,
Felizes elas que pensavam em mim,
E não tinham medo de adormecer debaixo da mesa,
suspensas no cordel que eu utilizava durante as tardes para segurar o
meu papagaio, e saboreando o calor da braseira, elas felizes, elas
Gosto muito delas, Fingia para com os meu amigos
quando me confrontavam
Andas sempre com as mesmas calças, não tens
outras?
Encolhia os ombros, e esperava que chegasses a casa,
quando chegavas, e quantas noites desesperaste por mim, quando dentro
da mochila apenas um par de calças de ganga, únicas, verdadeiras
peças de arte, e já na altura
Mágicas,
Na altura felizes elas que pensavam em mim, felizes
ás árvores de veludo, que de mão dada com os candeeiros de
cartolina, e como eu amava a Rua Dona Grande Solidão, as alergias,
das drageias, à água-de-colónia que ele trazia da feira da ladra,
na altura, as ruas eram de areia pisada por pincéis de arame e
guarda-fato com espelhos rabugentos, e quando olhávamos o mar, eles,
transmitiam-nos apenas rochedos em decomposição física, e
restavam-lhes apenas o espírito melancólico de uma noite sentado no
gonzo esquerdo da maré de Maio, e Mágicas
Claro que Mágicas,
Muito elegantes até que eu entrasse vagarosamente
nelas, depois, depois abria as asas, abanava-as e em pequenos
movimentos ascendentes e descendentes, lembro-me
Lembras-te meu querido,
A levitar até chegar à janela do sótão, e ela,
desesperava por mim, e dentro da mochila, farrapos, pedaços de
papel, às vezes entrava em casa com o orvalho sobre os ombros, às
vezes entrava em casa com os restos de cartolina dos candeeiros, da
Rua
Eu amava a Rua Dona Grande Solidão, Lembras-te, meu
querido, das paixões dos cubos de vidro onde nos sentávamos depois
de...
Não percebi, desculpa?
Mágicas? O quê Mágicas? Não, Não me recordo de
nada parecido com magia, espera, espera
Talvez mágico só as tuas coxas de xisto que o
Douro engole quando os socalcos vomitam fragrâncias hélices de sons
e cheiros,
Só, apenas essas magias que a tua mãe às vezes
trazia para casa,
(tou, amor? Tou bem, cheguei bem, onde tou? Na
biblioteca, e tu, também tou bem meu amor, e a menina, tá bem,
minha querida), e de vez em quando ouvia-te pequenos gemidos a
renascerem do teu interior mais secreto, mais escondido, mais impuro,
agora deixou de existir a Rua Dona Grande Solidão, agora os poste de
iluminação já não são de cartolina como naquela época, os
passeios onde havia postes de iluminação as pedrinhas são apenas
de uma cor, as casas deixaram de ser em madeira, sem sótãos, e as
calçadas já não são de areia calcada pelos pesadíssimos
embriagados homens da mochila cinzenta, onde lá dentro
Tinham, diziam, porque nunca vimos, pedras, papeis,
restos de livros e
Dizem, porque nunca vimos
Traziam um par de calças de ganga, dizem eles que
O que diziam eles?
Que metiam a mão direita no bolso esquerdo e
segundos depois aparecia a mesma mão direita no bolso direito, Pode
lá ser!
A sério!
Dizem, dizem que eram calças Mágicas,
(amo-te)
(também eu meu amor)
(tou, amor? Tou bem, cheguei bem, onde tou? Na
biblioteca, e tu, também tou bem meu amor, e a menina, tá bem,
minha querida, tem saudades tuas, eu também, dá-lhe um beijo por
mim), ele acredita em tudo que lhe digo
Até que tinhas umas calças que metias a mão
direita no bolso esquerdo e segundos depois aparecia a mesma mão
direita no bolso direito, formidáveis essas calças de ganga, meu
amor, pois são meu querido, pois são...
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
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