terça-feira, 28 de agosto de 2012

Desde que o mar deixou de visitar-me

Esqueci-me de acordar
e de abrir a janela da manhã
como sempre o faço
desde que o mar deixou de visitar-me
antes de nascer o sol
muito antes...
muito antes de todas as luzes da cidade se extinguirem nos alvéolos do cansaço
o fumo do meu cigarro
recomeça nas profundezas dos socalcos pregados aos cortinados da montanha
o rio vomita faiscas de palavras que ninguém lê
e que todos prendem ao horizonte desgovernado e invisível e doente
muitos antes
os milhões de fantasmas que dormem nas ruas da cidade inventada
com um rio inventado
com mares e barcos e velas
inventadas
nas mãos de um mendigo
eventualmente
ausente das tardes de insónia
como o amoníaco dentro das paredes de vidro
muito antes...
muito antes de eu ser um velho marinheiro
deambulando pelos trilhos dos oceanos de luz
ausentes
ausente na minha própria manhã
e de abrir a janela
como sempre o faço
e hoje
e hoje me esqueci
e hoje
e hoje fiquei sem manhã
como sempre o faço
e hoje
e hoje não tive forças para a abrir
e olhar
e olhar o silêncio da paixão...
nas flores do amor
dos sorriso de mar
que são os olhos da saudade.

(poema não revisto)

a seara incendiada pelo peso da luz

a peso da lua
quando o beijo invisível se mistura no luar
e os peixes voadores
em silêncios dispersos
há uma mão que balança dentro do cortinado do abismo
o medo subtrai-se à complexa matriz transposta
e que nas horas de vazio
submerge nos ziguezagues
da morte
a luz selvagem dos olhos que me odeiam
entre as flores pintadas no muro da escola
e as estrelas nos lábios das gaivotas adormecidas

(sinto-me cansado
de olhar o mar
sem ondas e sem sonhos
como uma seara incendiada pelo peso da luz)

morre o meu último barco que imaginei
construir na Baía de Luanda...

(poema não revisto)

domingo, 26 de agosto de 2012

sem destino marcado

fundem-se as lâmpadas do incenso
e uma mão de criança esboça um sorriso nas lápides do amor
olho-te imaginando o teu corpo coberto de poemas de óleo de coco
e sílabas de desejo
dentro do vulcão da noite impossível de regressar
aos teus lábios imaginando
olho-te do destino pintado de vermelho
com rosas de papel
e olhos de mel
e sobre o mar húmido do teu púbis
os barcos atravessam a barra
e desaparecem na neblina da solidão

(na tua boca sou apenas um louco)

na minha boca
serás a seiva rainha das árvores imaginárias que crescem nas tuas mãos
quando dos fins de tarde
desce a brisa e poisam nos livros as carícias e as medusas e os pigmentos de luz
à janela da tua pele
sem destino marcado

(na tua boca sou apenas um louco)

um pequeno desgraçado
uma nuvem desenhada numa manhã de tempestade
na tua boca um louco
eu à procura das palmeiras sem saudade
no mar adormecido do Mussulo
e nunca mais regressaram
porque é impossível regressar
ao teu corpo coberto de poesia de óleo de coco
e sílabas de desejo
o louco
imaginando estrelas de algodão no tecto do silêncio
(na tua boca sou apenas um louco).

Os espelhos invisíveis

Voar
sobre o feitiço dos teus olhos
pegar na tua mão
e navegar nas páginas de insónia do livro de poesia
com sabor a mar
e nos lábios
as sílabas amareladas que o silêncio tece
nos pergaminhos do desejo

voar
sobre o feitiço dos teus olhos
voar entre o fim de tarde na Ajuda
e a noite envergonhada no Bairro Alto
voar
voar nos teus olhos de telegrama
junto ao stop do borbulhar afagado dos teus loiros cabelos
da areia do deserto

voar
sobre o feitiço dos teus olhos
voar sem medo de cair nos espelhos da noite
com as cabeleiras postiças
e nas coxas as rimas desgovernadas de um lírio
que acompanham a morte em aço inoxidável
e finíssimos fios de luz
nos braços do xisto solitário

e o infinito amar
nas tuas mãos ruivas
e aos teus cabelos de pétala cansada
voar
abro a janela
e vou à procura do feitiço dos teus olhos

algures
dentro de um cubo de vidro
no fundo do mar

como todas as noites

(tristes e com medo dos espelhos invisíveis)

sábado, 25 de agosto de 2012

Sem palavras os textos nas pálpebras da noite

Absorto o meu corpo
às árvores sem dentes
na boca um poema morto
nas mãos o perfume das madrugadas ausentes

(escrevem-me sem palavras
textos nas pálpebras da noite)

e oiço a voz do medo
dentro do guarda-fato
o meu corpo
absorto
amanhã cedo
cansado e farto

Absorto o meu corpo
às árvores sem dentes
morto

absorto
os pássaros disfarçados de barcos amargurados
suspensos nas nuvens do Tejo
morto
o meu cadáver em linha recta
duas linhas rectas paralelas
passeando pelas ruas de Lisboa
o infinito
os bares onde gajas boas
dormiam e fingiam orgasmos sobre as mesas de cabeceira
entre Cais de Sodré
e a Ajuda

ajuda coisa nenhuma
apenas um empecilho na algibeira
e meia torrada ao pequeno almoço
sem jeito
eu
morto
absorto
no declínio do amanhecer...

(poema não revisto)

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

A casa das estrelas com olhos verdes

Conheci uma casa
onde habitava uma estrela
louca
com olhos verdes
e deliciosa boca
era uma casa pintada de silêncio
e via-se da calçada
o rio à sombra da noite

e quando chovia

e quando chovia
a casa voava sobre o mar
e ao deitar
o amor poisava
sonhava
que acordasse o dia.