segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Não falando nas noites

Um livro esquecido sobre uma mesa de vidro, os olhos tristes da gaivota quando sobrevoa o oceano acreditando que as horas são pedaços de papel à deriva no mar desenhado na areia por uma menina com lágrimas de vidro em frente a um espelho de pano, dividia-me entre manhãs de desencanto e tardes de loucura, não falando nas noites
Ternura,
Pintávamos os nossos corpos invisíveis com acrílicos que o velho do jardim das Pilas Murchas nos ofereceu no dia de S. Valentim, tu primeiro, eu depois, pintamos o céu e as estrelas e quando nos abraçávamos perguntavam-nos
Vocês são a noite?
Dizíamos-lhes que sim, claro, porque ter medo, vergonha, dizíamos-lhes que éramos a noite disfarçada de janelas com vidro duplo, cortinados de açafrão, e na porta de entrada para a gaveta onde guardávamos os pincéis, as tintas, as telas, a mãe das telas, e os filhos das telas, desenhos, construídos, em construção, alguns desmaiados e à espera da chegada do 112, outros
Amarfanhados como ervas daninhas recheadas de restos de cigarro e pólen de haxixe que saboreavam os desassossegos lábios das abelhas revoltadas contra as árvores do recreio, as tuas lágrimas de luz morriam como morreram todas as coisas que amei, os livros, as crateras dos desejos secretos quando a noite me vinha buscar e eu sentia-me transportado para dentro do teu coração de aço, outros
Sem vida, já, estendidos pelo corredor, o cheiro putrefacto da tela misturada com a tinta, um cadáver de quadro sem tecto, morada, destino, ou vida, pindérico pequeno-almoço que me serviam na enfermaria e eu sabia das lágrimas circulares depois de lhes calcular a área e o respectivo perímetro,
Qual é o perímetro de uma lágrima?
Partindo do princípio que as lágrimas não são círculos, porque têm volume, e que o perímetro de uma lágrima calcula-se elevando a tristeza ao cubo multiplicando pela cor dos olhos
Qual é a cor dos olhos dela? Verdes, verdes, tem a certeza?
Então diria que o perímetro da lágrima dela é de três vírgula catorze verdes searas lineares...
(Pintávamos os nossos corpos invisíveis com acrílicos que o velho do jardim das Pilas Murchas nos ofereceu no dia de S. Valentim, tu primeiro, eu depois, pintamos o céu e as estrelas e quando nos abraçávamos perguntavam-nos), se éramos a noite disfarçada de noite, tu, respondeste-lhe
Não, nós somos a noite disfarçada de amor, com beijos, com asas, com vento e palavras parvas, com tardes cinzentas, horas embebidas em ponteiros de relógios suspensos nas teias de aranha das madeixas dos limoeiros da dona Aninhas, do galo que não se cala, todos os dias, rabugento, enferrujado, rouco como os cigarros de arame, tristes, tristes as tuas mãos com silêncios em penas amarelas, verdes, azuis, encarnadas
Pareces um palhaço com ventoinhas nas pernas e embrulhado num tecido quadricolor, depois tiveste o azar do teu hipercubo se apaixonar por um gato, o gato mordeu-o e o hipercubo fugiu, depois veio-te a carta do tio Hilário a comunicar-te que Venho por este meio informar Vossa Excelência que os livros da prateleira número três, rés-do-chão – Direito, por minha morte, pertenceram à Biblioteca Pública da Aldeia das casas de vidro
(Que se foda o velho, nunca gostou de mim..., que meta os livros pelo rabo acima)
Quero lá saber dos livros, do amor, do tio Hilário, do perímetro, do volume, ou da área de uma lágrima, Porquê? Sou mais feliz por saber essas coisas?
Não quero saber,
Não me interessa,
Quero lá saber da paixão do meu hipercubo por um ranhoso gato, mimado, filho único como eu e maluco, como diz o povo, ai o povo diz tanta coisa
Só não diz às vezes aquilo que devia dizer,
Como a gaveta mortuária onde dormem as telas mortas, como a gaveta dos sonhos onde dormem um par de chaves e uma lanterna, como
Quero lá saber dos livros, do amor, do tio Hilário, do perímetro, do volume, ou da área de uma lágrima, Porquê? Sou mais feliz por saber essas coisas?
Não quero saber,
Não me interessam,
Como será um hipercubo loucamente apaixonado por um gato? Consegues imaginar?
Claro que consigo
É como nós,
Um dia é verde, outro dia é encarnado, e às vezes alterna entre o azul e o amarelo, e nunca, e nunca elas se queixaram por eu não saber calcular a área, o perímetro ou o volume de uma simples lágrima, porque o segredo está
No coeficiente de tristeza.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

blogue Cachimbo de Água em destaque no Sapo Angola


(Trinta e seis cachimbos e uma secretária)

blogue Cachimbo de Água em destaque no Sapo Angola

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Luas noites


Me encantam as luas noites
que desenhávamos na areia húmida do segredo nocturno
me encantam os sonhos circulares com olhos de vidro
que tínhamos sobre a mesa-de-cabeceira
me encantam as tuas doces mãos tórridas
que ancoravas no meu pescoço
trémulo
frio
longe do sol
me encantam as labaredas dos teus lábios
incinerais como as algas que procuravas no mar da ausência
me encantam as sílabas encarnadas dos teus seios minúsculos,

Me encantam as lagoas azuis do teu púbis metamorfoseado pelas tempestades de xisto
como as cinco palavras secretas do abismo
me encantam as flores que se suspendem nos ambíguos olhos da solidão
amorfos
embebidos nos transeuntes de pano que habitam a cidade
me encantam as sebentas que a floresta esconde nas algibeiras da madrugada
sem saber que o frio engorda as asas dos pessegueiros
e o calor emagrece os ramos dos pássaros
me encantam as laranjas que transformas em sumo
néctar de oiro com pulseiras de plátano adormecido
me encantam as tuas tristes lágrimas de sabão
quando descem dos telhados de vidro as salmonelas embalsamadas.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Trinta e seis cachimbos e uma secretária

Quando cai sobre mim o meteoro do teu desejo, e aos poucos, em pedaços de luz, vai desfragmentando-se em grãos de beijos com sabor a silêncio, com a janelas do jardim das imagens encerradas, limito-me a desenhar no tecto das tuas mãos os orgasmos de ruído que a própria desintegração provoca nas paredes frágeis deixadas pelos antepassados pais em gesso e ripas e no interior palha seca,
Sei que me odeias, pensas tu quando abres as minhas cartas encalhadas nos rochedos que o mar da saudade esconde, um submarino de dor entranha-se nas tuas finas pernas, e o torpedo do amor rebenta contra os cabelos desassossegados que sobre ti deambulam como as borboletas palavras dos tristes livros sem poemas,
Sinto-me, dizes tu, aparvalhadamente só,
Como eu,
Ontem,
Amanhã, quando uma resma de papel acordar sobre o meu peito, (pediste do reciclado por causa do ambiente), mas esqueceste-te dos meus olhos desde ontem, prisioneiros numa almofada de cartão recheada com pedaços de amêndoa, tiraste-me os candeeiros da mesa-de-cabeceira, e pintaste no espelho do guarda-fato em espantalho de aço
Pergunto-te
Achas isso normal?
Sinto-me, dizes tu, aparvalhadamente só,
Como eu,
Ontem,
Quando cai sobre mim o meteoro do teu desejo, e aos poucos, em pedaços de luz, vai desfragmentando-se em grãos de beijos com sabor a silêncio, coisas suicidam-se nas manhãs de segunda-feira, e amanhã uma coisa qualquer vai morrer, desintegrar-se como fizeste com os meus olhos,
O que fiz eu aos teus olhos aparvalhadamente?
Deixaste-os, sós, sobre uma almofada de cartão recheada com amêndoas...
E depois?
Tive medo dos muros de betão que estão a construir à volta das nossas recordações, cada dia que passa, mais longínquas, distantes, em cinza dizias tu quando o meu cachimbo se apagava, e a noite entrava em nós como abelhas com sonhos nas asas e amanheceres nos lábios,
E depois, depois o muro ergueu-se até ao céu, colocaram-lhe sobre ele um tecto de lona, a a nova vida tornou-se num circo ambulante com clarabóias de chocolate,
Sinto-me, dizes tu, aparvalhadamente só,
Como eu,
À procura das linhas interrompidas que o pavimento da vida vai deixando submersas como as acácias de luz nos vidros opacos das janelas do destino, acordei cedo, deixei de fumar os três cigarros que fumava todos os dias ao acordar, pensava que não ia conseguir sobreviver, acordar, andar, amar, ser o mar, a lua, o cristal da paixão nas mãos de ti quando me abraçavas em pensamento, e consegui, e estou vivo, mas há qualquer coisa sombria nas tuas queridas mãos de seda, mas há
Que faço aos meus trinta e seis cachimbos?
Há um texto por escrever, há duas personagens que precisam de viver, darmos-lhes vida, tarefas, imagens a preto e branco, quem sabe, um filho, um miúdo de calções ou uma menina de saia correndo em volta de um círculo de capim, ou
Que faço?
As árvores abandonadas pelas chamas desérticas que trazias do teu mar e deixavas-as espalhadas pela casa da aldeia, atiravas pedras aos pássaros, por engano, partiste a cabeça a um rapazola da escola, ou da tua rua, ou alguém invisível que às vezes te acompanhavam nas tuas loucas brincadeiras, Que faço?
São de madeira, ardem!,
E eu sabia que nas tuas pálpebras brancas viviam socalcos desde o cimo da montanha até à linha férrea que circunda o mais belo rio, não sei
(Se primeiro este ou o Tejo)
Talvez sejam os dois os mais belos, únicos, artistas de circo que Portugal tem, hoje, hoje tenho saudades do Tejo porque poucas vezes o olho, e quando o olho, vêm-me as distantes lágrimas das manhãs de areia, e o Douro olho-o todos os dias bem lá longe, como os seios de manteiga da menina Aurora que era telefonista na companhia de seguros, eu, um simples corredor com portas, e um tecto falso, e ela, uma secretária, em pura madeira virgem, louco, louca
(Pura lã virgem),
E
Há um texto por escrever, há duas personagens que precisam de viver, darmos-lhes vida, tarefas, imagens a preto e branco, quem sabe, um filho, um miúdo de calções ou uma menina de saia correndo em volta de um círculo de capim, ou
Que faço?

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

P.S.
“As árvores abandonadas pelas chamas desérticas que trazias do teu mar e deixavas-as espalhadas pela casa da aldeia, atiravas pedras aos pássaros, por engano, partiste a cabeça a um rapazola da escola, ou da tua rua, ou alguém invisível que às vezes te acompanhavam nas tuas loucas brincadeiras, Que faço?”

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Equações do silêncio


Laços olhos
simplesmente partilhados
entre maços de palavras
e de vidro telhados
vêm as marés às manhãs teus lábios

nos cansados pães de açúcar
entra o mar pela porta secreta do homem vestido de negro
com um cinto de prata
e preso na boca
um cigarro de lata

como as letras das indesejadas equações do silêncio
porque o teu coração
espera a minha mão disfarçada de jangada
atravessas o rio
e em nada

a minha madrugada
cinco palavras escritas numa parede
à tua espera
como as cigarras noites de Primavera
como as poucas viagens das drageias de solidão

do outro lado da rua
um comboio vestido de paixão
com um ramo de flores e uma triste pétala nua
que os carris comem os sorrisos da lua
e brincam às palavras cegas

jogam à macaca
com riscos de seda no pavimento de cimento
parecem pássaros de heroína
na algibeira do vento
sem hora de regressar...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha