quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Geometria da paixão


Toco-te sem saber que não sentes o meu silêncio
toco-te sem perceber que há dia nos cortinados do teu olhar
sentamos-nos
e descubro que na tua mão de lágrima
vive uma abelha
triste
e cansada
toco-te fingindo que no teu corpo existe uma cidade por descobrir...
deserta, só
toco-te sem saber que não sentes o meu silêncio...
que a minha ausência vestida de negro
é apenas um pedaço de cansaço semeado no teu ventre...

O veneno
o veneno que há em ti
comestível nas tardes de solidão, à janela
desenhando o que é impossível de desenhar...
porque os círculos da paixão se evaporam nas pedras em combustão
e na geometria... o amor não tem significado
é absorto
é... é mais uma ruela sem saída
o veneno
o veneno que se alicerça aos teus seios
e...
e não te deixa adormecer,

Toco-te sem o saber
porque deixei de observar as tuas algas
e esqueci que nesse rio onde andavas...
ninguém hoje sabe que o teu corpo lhe pertenceu
foste abraçada
foste... foste amada
pensavas que havia rochedos de insígnias
quando apenas...
nada
quando apenas uma quadriculada palavra... invadiu as tuas coxas
absorveu-as... e hoje são um esqueleto de vento
em pequenos quadrados suspensos nos lábios de um marinheiro...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 30 de Outubro de 2014

Este Outubro


Este Outubro de desengano
como um rio sem cidade
os pássaros felizes
os pássaros... os pássaros sem vaidade
poisados nos teus ombros silenciados
este Outubro desgraçado
que vive nos meus cabelos
voando
voando...
voando sob o tecto da saudade
este Outubro sem palavras ou versos
este Outubro suspenso na cárcere invisível
que não sabe
e ignora
o outro Outubro cinzento
aquele que mora
no bairro banhado de lata
este Outubro que se entranha em mim
como um tentáculo de espuma...
este Outubro... foi assim...
comi flores de papel
pintei lágrimas no teu olhar
este Outubro que chora
e nunca viu o mar.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 30 de Outubro de 2014

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Seara da insónia...


Esqueci o meu nome enquanto dormia nesta seara de insónia,
levemente me batia,
o vento inanimado...
cansado de trabalhar,
esqueci o meu nome nos livros da paixão,
desenhei corações nas entranhas da solidão,
esqueci o meu nome nas ruas de uma cidade,
também ela,
também... também eu...
sem nome,
sem... sem idade,
na calçada da liberdade,

Caminhei sobre o amarfanhado mar,
como um vampiro em chocolate,
deitei-me no chão,
dormi na seara da insónia...
esqueci o meu nome nas estrelas de cartão,
não sei se estou vivo...
não sei... não sei se hoje há vertigens na minha mão,
enquanto embriagado me encosto ao xisto muro,
não seguro,
o perfume silêncio em volta dos teus seios de rochedo cinzento,
não me calo...
não... não me contento,

Esqueci o meu nome nas andorinhas de veludo,
voei como voaram os meus sonhos...
hoje... apenas pedaços de sombra,
e aço enferrujado,
não me calo, não... não tenho medo do amor impossível,
esqueci o meu nome,
esqueci...
nas arcadas do infinito,
não seguro,
não... não me contento...
e no entanto,
sou feliz sem nome... sou feliz sem estória...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 29 de Outubro de 2014

Espingarda de amar


Esta espingarda de amar
que vive sem matar
não há bala nem canhão
que se alicerce no teu coração,
o amor travestido de socalco
descendo a montanha do adeus
o rio... longe
o rio come
e alimenta
este corpo descalço
um desenho pintado no ar
um suspiro... um suspiro pronto a disparar...
esta espingarda de amar
que vive sem matar
esta paixão quadriculada
sempre pronta para voar,
voar... voar na madrugada.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 29 de Outubro de 2014

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Avenida da paixão


Os relógios enferrujados
encolhidos nas tristes alvenarias
as janelas escondidas...
no olhar da serpente

as estilhas adormecidas
nos pregos dentados
os relógios... os relógios encalhados
em rochedos rendilhados

o pólen de um olhar
semeado na escuridão
e os relógios sem fôlego
e os relógios... e os relógios sem pão

e a paixão?
matriculada nas putas avenidas
correndo
saltando... os muros embriagados dos ossos embalsamados

os relógios...
escrevendo na pele da solidão
horários enlouquecidos...
sem vontade de sonhar

sonhar a paixão?
há cadáveres perdidos
na eira da infância...
colchas de linho... suspensas nas árvores tombadas no chão.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 28 de Outubro de 2014

de trapos...


cínicas palavras de aventura
estas
que se suicidam nas árvores da madrugada
mendigas folhas em papel colorido esvoaçando sobre a cidade
estas
de ternura
encurraladas na negra sanzala
corpo crescente em rochedos húmidos
quando do cansaço acorda a gente
e na gente...
um punhado
de trapos...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 28 de Outubro de 2014

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Em círculos


Sem pressa de caminhar sobre as nefastas palavras de chorar
o fogo das tuas mãos que iluminam esta cabana de chita
o teu sorriso... impregnado no meu silêncio...
enquanto me recordo em frente ao espelho da solidão
sou um vadio navegante
deixei de saber como era
quem era
apenas recordo algumas das imagens
muito sombreadas
como uma nuvem de carvão
voando em direcção ao mar
sem rumo... sem... sem luar,
esta esplanada de incenso
que durante anos arde no meu peito
o odor da tua pele nas paredes em lágrimas
a janela amortalhada
quase a esquecer-se da minha existência...
permaneço neste barco
em círculos
em quadrados imperfeitos
gaguejando
às vezes
às vezes sem perceber porque o meu corpo se evapora ao anoitecer
sem rumo... sem... sem luar,
sem palavras para escrever...
sem pressa de caminhar
vivo e habito nos teus lábios prateados
vivo e habito nos teus seios... como desejos parvos
sem cigarros no tecto da insónia
vivo e habito
em círculos
em quadrados imperfeitos
em parábolas moribundas
e cansadas...
como eu
sem rumo... sem... sem luar!



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 27 de Outubro de 2014

domingo, 26 de outubro de 2014

O sonâmbulo diplomado


Habito este túnel íngreme dos ossos argamassados
pareço um sonâmbulo diplomado
sem braços
sem pernas...
sem... sem sonhos
habito esse teu corpo desgraçado
sobrevoando a minha sanzala
sombreando o pecado,
habito este túnel desgovernado
galgando as montanhas da solidão
gritando
gritando... “o amor é uma roda dentada com dentes enferrujados”,
ai estes sons que se entranham nas minhas asas de plátano envelhecido
este túnel sem luz
ou... saída para o infinito
habito
em ti
como se fosses uma gaivota poisado junto ao Tejo
me olhando
me dizendo... “o amor é uma roda dentada com dentes enferrujados”.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 26 de Outubro de 2014

As cordas da paixão


Esta seara de trigo
que ele deixou nos braços do vento
do cansaço construiu o sofrimento
e hoje vive no planalto da inocência
como uma sombra sem infância
dos palhaços voadores
viveu
e cresceu
na laminada sonolência que os fantasmas trazem ao peito
era um desajeitado poeta sem palavras
mendigo nas horas vagas...
esta seara de trigo onde habitam as húmidas mulheres de gesso,
perdeu-se numa calçada
a última vez que foi encontrado...
brincava
sonhava
dentro de um crocodilo de prata...
poeta desassossegado
poeta despedido das avenidas incendiadas
corpos em chamas
sexos murchos...
embriagados poemas...
e fotografou o amor no Tejo longínquo
como uma gafanha apaixonada,
esta seara onde te escondes
e desenhas
o meu sorriso envergonhado
olho a fotografia do Tejo longínquo...
não te reconheço
não sei quem és...
e o odor do teu corpo foi ancorado aos cais da despedida
um adeus ácido alicerçou-se nos meus cabelos...
veio a noite
e toda a aldeia sob uma podridão de gotículas inanimadas...
porque esta seara
não pertence às cordas da paixão.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 26 de Outubro de 2014

sábado, 25 de outubro de 2014

Vaguear na geometria de amar


Vagueias entre os lábios das andorinhas de papel
és uma planície desgovernada
que espera ser semeada...
com palavras
e beijos de pólen
vagueias nos disfarces da madrugada
ténue luz
janela encerrada,

Vagueias... com arte
vagueias na geometria complexa do meu olhar
esperamos o regressar da vertigem
há em ti o silêncio e a viagem
de vaguear sem destino
vagueias na metamorfose dos ossos de cristal
entre os barcos cansados de caminhar...
… e os homens embebidos nos poemas de chorar,

Vagueias no sexo inventado dos amores risíveis
trazes no peito a claridade da insónia
misturamos os dedos nas mãos que vagueiam as montanhas de sémen...
vagueias por vaguear
e sonhas com círculos suspensos no Céu
… e os homens embebidos nos poemas de chorar
que o poeta deixou na clareira amortalhada
que o poeta cessou depois da tua partida,

Vagueias miúda no cigarro incandescente
corres, corres... corres sem perceber que há no amanhecer fotografias tuas
calendários moribundos...
e relógios com mecanismos envenenados
vagueias nos alicerces da solidão
deitas a cabeça no meu peito
e em tristes suspiros...
finges que me amas... quando é impossível amarem este poeta de luz...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 25 de Outubro de 2014