terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Literatura verdejante


Há dentro de ti
um fluido hidráulico que corre como um rio
alimenta os teus braços
as tuas pernas
os teus ossos engomados
pela complexa geada da noite

tens luzes na tua boca silenciosa
que esconde madrugadas
flores amassadas
incêndios de esperma
janelas encerradas
que não te deixam ver o mar

há dentro de ti
um jardim de terra queimada
capim
mangueiras cobertas de sonhos
e de papagaios de papel
há em ti a literatura verdejante que as mãos do diabo despenharam contra os rochedos da lua

há um homem cego
dentro de ti que habita a paixão
capim
zinco que rodeia a cidade
há uma canção
à espera da tua voz poética e que a chuva miudinha mastiga

e sofre
e engole
manhãs de ti dentro do perfume da maré
caiem docemente as partículas do sono
sem fé
que os teus lábios consomem na lareira do ciúme inventado por um louco

e pouco
muito pouco posso escrever dentro de ti
a não ser
olhar-te como um rio
que corre
e caminha o teu fluido hidráulico que traz a insónia em pedacinhos de cereja...

(poema não revisto)

@Francisco Luís Fontinha
Alijó

Gaivotas de papel ou as vertigens sem destino

Anoitecia, e eu sem saber onde te escondias, dormias às vezes debaixo dos beirais, outras, embrulhado em jornais, às vezes procurava-te em cada cama melancólica que a cidade coloca à disposição dos homens, das mulheres, que como tu, vivem, sofrem, amam, desejam ser amados, e dormem num pedaço de chão, às vezes, tantas vezes, da claridade do sono, a fome, o tilintar de esqueletos nas ruas perfumadas pelos bonecos de palha, espantalhos, que guardam as searas dos malvados e infernais pássaros pretos, anoitecia

e sabias que me escondia em pouquíssimos milímetros quadrados de espuma que o mar trazia do outro lado da montanha, o céu era azul, as árvores verdejantes com olhos castanhos, e os cabelos, nos cabelos uma flor encarnada e eram loiros como quando acorda o dia, e depois, redopiam silenciosamente as horas, os minutos, redopiam silenciosamente os segundos, até que um qualquer homem sem destino, acorda, cruza as mãos, e anoitecia, e eu

sem saber escrever,

e eu

sem saber ler,

e eu

sem saber que existias e dormias como os pardais,

e sabias desenhar nas ardósias da infância a liberdade, e voavas, e eu

sem saber fazer contas,

de somar, subtrair, dividir, ou quase sempre de multiplicar, pegava em dois pedacinhos de sofrimento, ela, a professora, multiplicava-os por três medidas de dor, e meu deus, sofrias

até que as malditas lágrimas de sangue desciam do primeiro andar vagabundo e desaguavam junto à ponte que me levava até ao cemitério, a morte é um complicado mistério, efémero destino suspenso pela associação clandestina dos fósforos depois de darem vida a um cachimbo de madeira, o fumo que escorre das tuas veias, e sofrimento, destino, sofrias

em pequeno menino,

sem saber escrever,

e eu

sem saber ler,

e eu

mergulhado nas vertigens que as gaivotas de papel provocam nas manhãs de chocolate, procurava-te

sem saber escrever,


e quase nunca te encontrava, e quase nunca sabia de ti, dias, noites perdidas, em lágrimas de sangue, cimento, a argamassa que crescia no meu rosto de vento encharcado de poeira, sofrimento, e lá fora corrias, dormias em sítios desconcertantes, e eu

sem saber desenhar,

e eu

sem perceber que as tuas mãos tremiam, e dos teus lábios ouviam-se os pingos finíssimos da chuva, as noites, as noite intermináveis, de sono, construídas em folhas de aço e arrebites de insónia, e mesmo assim, eu

esperava por ti.

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha
Alijó

Cachimbo de Água em destaque no sapo Angola



(Quatro simples palavras)

blogue Cachimbo de Água em destaque no sapo Angola


segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Em sílabas teus seios de marfim


O quarto de mármore fugitivo que a noite deixa cair
sobre o lençol de linho
os sonhos
entre ossos de pedacinhos de ninho
que o coitadinho
passarinho
aliviou quando acordou a madrugada
e desceu sobre ela a morte,

a sala sem lareira
na fúria agonizante que as luzes de néon
desenham nas entranhas paredes da película fina tua pele
e não sei
e não sei se as minhas palavras amargas
são
então hoje dormiste sobre a geada fina da montanha
são as cansadas mágoas sofridas pelas húmidas tuas mãos de tecido,

tu
tu desesperadamente
com o medo da escuridão que os olhos me obrigam a caminhar
sobre ti
a areia amarela da calçada
à janela
tu desesperada mente a paixão Clementina
ciumenta os alicerces do clitóris poemas inventados,

nos poemas murmurados
que ao púbis paixão em versos clandestinos
tu
escreves-me quarta-feira
e a sorte desespera-se em mim
assim
o jardim inválido quando as asas poeirentas das abelhas
na rede cintilante dos pequenos orgasmos das flores em flor,

tudo no chão
o soalho
às cadeiras suspensas nas estantes da cave tua boca
as palavras
há palavras na garganta do pavimento térreo
livros alguns poucos poucas nenhumas em sílabas teus seios de marfim
tudo no chão
as palavras em trinta e um de Dezembro.

(poema não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó

Quatro simples palavras

Uma gaivota de luz sentenciou-me com quatro simples palavras retiradas de uma caixa espessa que vivia na minha casa, dentro de um espelho, em finais de Setembro, e orgulhosamente escreveu no meu corpo

- quero as tuas lágrimas,

a minha cansada casa ficava na periferia da cidade, havia árvores, muitas árvores até encontrar o meu quintal onde brincavam as flores da minha avó e as pombas da minha mãe, eu, eu tinha uma irmã, mais velha, crescida, e ela tinha um cavalo branco, vestia-se de branco e flutuava dentro do cacimbo como se fosse um espelho, nuvem, charco de areia finíssima que algumas vezes apareciam, outras, deixava de os ver, eu perguntava-lhe

- as minhas?

Explicava-lhe que nunca as tive, Nunca choraste? Respondia-lhe que não, Não me lembrava, nem sabia o que eram, Caixas Espessas?

- lágrimas

telhas de aço cobriam as cabeças infelizes dos rissóis e dos pasteis de nata, Belém, barcos, piolhos disfarçados de mariposas, olhos com pedaços de névoa esperavam o regresso da noite, eu perguntava-lhes

- as minhas?

lágrimas, nos carris do eléctrico padeciam as migalhas do silêncio, uma caixa espessa, húmida, e, explicava-lhe que não sabia o que eram lágrimas, ossos, carne apodrecida, não sabia, não sei, nunca vou saber porque caem as árvores no meu quintal, quinta-feira, espelho de morte na minha má grande sorte, nem a lotaria do natal, nem um simples postal, perdão, peço desculpa, em quatro simples palavras de alecrim

- quero as tuas lágrimas,

- também

eu

- as queria, quero-as, todas, aos molhos, as tripas das Marilús e afins estabelecimentos comerciais, vende-se casa dos anos setenta, calças à boca de sino, e elásticos

lágrimas,

- quero

- eu

- as minhas e as tuas

e elásticos à volta do pescoço fino e esguio até entrar dentro das nuvens que via láctea desenhava nos cornos da lua, tu desaparecias à porta da sala de estar, da cozinha chegava até nós o som da lareira prestes a partir para o outro lado da cidade, na periferia da cidade, havia árvores, muitas árvores até encontrar o meu quintal onde brincavam as flores da minha avó e as pombas da minha mãe, eu, eu tinha uma irmã, mais velha, crescida, e ela tinha um cavalo branco, e em tardes de final de texto via-a

- voava sobre os quintais zincados dos meus amigo pretos,

o cavalo ganhava asas, a minha irmã com um chapéu de flores que embrulhavam-lhe os loiros cabelos poéticos que o meu pai escrevia no tronco de uma mangueira, voava sobre os quintais zincados

- Belém, barcos, piolhos disfarçados de mariposas, olhos com pedaços de névoa

esfregava os olhos,

- eu,

ela voava,

eu e os meus amigos pretos,

- cansados de olhar o céu,

às vezes,

- poucas

ela adormecia e o cavalo ia até ao mar, depois uma gaivota de luz sentenciava-me com quatro simples palavras

- quero as tuas lágrimas,

lágrimas,

- quero

- eu

as minhas e as tuas,

- pergunto-te

o que são lágrimas em quatro palavras com muitas árvores até encontrarem o meu quintal onde brincavam as flores da minha avó e as pombas da minha mãe, eu

chorava, quando o cavalo branco com asas brancas, quando a minha irmã vestida de branco sobre o cavalo branco..., desapareciam em direcção ao mar.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

domingo, 16 de dezembro de 2012

não sabe ou não quer responder

estão tão distantes, as tuas mãos, de água, lá fora insípidas carruagens de espuma desaguam dentro do silêncio ma mortalidade horária que o jantar provoca em ti, ficas triste, ausente, mente, sem saberes o que fazer depois das larvas clandestinas do sorriso acordarem no teu rosto, estão, tão, tão distantes, as tuas

- as minhas mãos, de água, docemente, mente, lá fora chove, lá fora oiço o rosnar de uma nuvem com cabeça de vidro e braços e pernas, oiço-as, as tuas pequenas frases do caderno de prata, a cigarrilha atulhada de fantasmas cigarros em cadáver desperdiçados na madrugada, oiço-as, lá fora,

verdade, as tuas mandíbulas de aço no pilares circulares da estrutura óssea, abraço-a, abraço-as, todas as palavras tristes, cansadas, docemente camufladas nas árvores cobertas pelo cetim adormecido da neblina que cobre a cidade das andorinhas não sindicalizadas, coitadas, em delírio, apoiadas pelos arames enferrujados das ruas

- como me chamo?

não tens nome, não foste baptizado, não tens religião, partido politico ou pátria, és um falhado, um falhado embrulhado em palavras,

- o chicharro assado na brasa,

embrulhado no jornal de ontem, um barco com nome regressa de longe, sereias e marmelos, (o chicharro assado na brasa), ele suspenso nas minhas mãos

- como me chamo?

- não mãos,

os algerozes indignos da aldeia, o chicharro indigesto, o chicharro assado na brasa e poeirento como um livro de poemas esquecido sobre o peito dela, nas mãos, elas, nós engraçados à espera de uma mesa na esplanada dos sentidos, sentido, ouvia-o, nas caravelas de chocolate servidas num bandeja de madeira, não mãos, ele suspenso nas minhas mãos

- a canja de galinha muito boa, havia música nocturna na cave da Marilú, havia gajas com pedaços de uma sande de torresmos e coiratos, Ai filho vai uma voltinha? O carrossel em tosse e convulsão, a haste limiar do coração da galinha tonta, como me chamo?

não sabe ou não quer responder, escreveu a vítima na parede de silicone que o velho Armindo escondeu nos bolsos das manhãs de inverno, nas minhas mãos, como te chamas? Embrulhado no jornal de ontem, um barco com nome regressa de longe, sereias e marmelos, (o chicharro assado na brasa), ele suspenso nas minhas mãos, coitado do jornal de parede, coitado do chicharro, coitada de mim, só, triste, abandonada, coitada de mim, coitada

- não mãos,

às vezes os poemas emperravam nas engrenagens do carrossel, a haste metálica sumia-se e ninguém, ninguém para me beijar, ela

- um beijo, um simples e único beijo.


(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

sábado, 15 de dezembro de 2012

Cidade de aço

Abro-o sabendo que do seu interior um pequeno riacho em rodopios transversais brincam no silêncio de um cubo de gelo, a caixa dos sonhos em aspirais complexas, deferido, a ex-mulher de mim descendo a rua financeira do ciúme que as laranjas de S. Mamede de Ribatua sobejam nas clarabóias dos lábios infernais, em flor de sorrisos nocturnos, a amante dela

chupava-te os dedinhos dos pés,

até já meu amor delírio das noites de sábado, abro-o, silencio-me em tua boca o chilrear dos meninos vestidos de pássaros poisados nas árvores das tuas pálpebras adocicadas, até já, volto já, fui, perguntava-lhe onde estavam os pedaços de beijos que de manhã deixei em cima da mesa-de-cabeceira, e a parvalhona

comi-os porquê?

dentro dos cubos de gelo, mergulhava-me e desistia, procuras-me, sobejas-me, laranjas ao pequeno-almoço, perguntava-te porquê

comi-os,

chupava-te os dedinhos dos pés, e não sabia que no cortinado habitavam cerejas, pequeno-almoço recheado de pão com marmelada, recheado de pão com manteiga, doce de abóbora, comia-os, porquê, ontem acreditavas nos sonhos construídos por pequeníssimas palavras, ontem acreditavas no desejo, na garganta do destino, e tu

ensonados nas asas brancas da morte
os pássaros tristemente apaixonados
em busca da sorte nas frestas invisíveis do granito esmigalhado
ensonados
todos os silêncios que habitam nos quartos escuros sem janelas para o mar
quando barcos malvados
de corda ao pescoço
ensonados
enforcados
no profundo poço,

sem nome
com fome
o menino da batina encarnada e calções às mesquinhas
rabugento
o infeliz momento
do tristemente apaixonado
vento lácteo em perfis de cimento
tracejando sombras nos lábios dos travestidos barcos de esferovite
espera impaciente a viagem
que a ponte de aço o leva até à morte,

a boca alaranjada do pirilampo ensanguentado
em palavras de miséria
murmuradas
das mãos tuas jangadas esperadas
matas-te como se o vento fosse uma simples frase de amor
um jardim em flor
sem nome
com fome
o homem
nas cordas ensonados das asas brancas da morte,

e tu desejavas a loucura quando me abraçavas sem me perguntares pelos beijos, deixavas-os obre a mesa-de-cabeceira, deixava-os e eu olhava-os, tocava-lhes ao de leve, sentia-os dentro do meu peito

os cubos de gelo?

dentro do meu peito os olhos da cidade de aço à minha procura, procuras-me, escondo-me de ti, escondo-me das árvores, dos pássaros, dos barcos

um jardim em flor,
sem nome
com fome

os homem das cordas de vidro,

sabia-o e abria-o, sabia-o e abria-o mas quis o destino que o amor da minha vida fosse de plástico, e vivesse sobre uma mesa-de-cabeceira, longe, algures entre um vão de escada e a porta de acesso ao teu corpo emagrecido pela lentidão dos gemidos das cobras

nas cordas,

hoje imagino-te, não sei, como, a ex-mulher dela amante do meu ex-patrão, cunhado do meu irmão, e tio da minha filha, hoje imagino-te nos alicerces da desgraça, um pedaço de pão, um punhado de trigo, hoje procuras-me, fujo, escondo-me, de ti, dela, de vós, ontem eu percebia-me, tinhas nos olhos um ramos de crisântemos, mas hoje

hoje, os homens das cordas de vidro, sós, entre paredes e degraus, no telhado as infindáveis curvas de linho, lençóis e pimenta, hoje, os homens

comi-os porquê?

os homens do eléctrico galgado paralelepípedos acanhados, gajas desejando devorar livros e papeis de parede, janelas sem olhos sobre a desgraçada cidade de aço, flores moribundas, amenas, anãs algumas, comi-os porquê? Por nada meu amor, a amante dela

dentro do meu peito os olhos da cidade de aço à minha procura, procuras-me, escondo-me de ti, escondo-me das árvores, dos pássaros, dos barcos, as azuis cuecas de iodo que o mar transpirou enquanto as tuas mãos caminhavam no interior de mim, quase natal, quase, e procuras-me em todos os cubos de gelo, em todas as quatro paredes da insónia,

os homens, sem olhos sobre a desgraçada cidade de aço com vultos amarelos, sujos, imundos, longínquos, Porquê?

ontem apeteciam-me, os teus dedos,

e tu, às vezes, muitas poucas, por nada, os homens, de mão dada, há em ti uma boca desejada, há em ti lábios de pérola adormecida, sem madrugada, sem comida, há em ti, em ti há caramelos Espanhóis e cigarros ciganos, tracejando o pechisbeque amor na feira da ladra, um velho procura-me, um velho deseja-me, e eu

e eu, eu uma mulher apetecível solitariamente a ver os barcos, imagino-te, procura-me, desgraçada cidade de aço, sem braços, com beijos desperdiçados, esquecidos sobre a mesa-de-cabeceira, olá menina Catarina, Olá menina Adosinda, Olá querida amada Cidália,

comi-os, todos,

e procuras-me.

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

vento lácteo em perfis de cimento


ensonados nas asas brancas da morte
os pássaros tristemente apaixonados
em busca da sorte nas frestas invisíveis do granito esmigalhado
ensonados
todos os silêncios que habitam nos quartos escuros sem janelas para o mar
quando barcos malvados
de corda ao pescoço
ensonados
enforcados
no profundo poço,

sem nome
com fome
o menino da batina encarnada e calções às mesquinhas
rabugento
o infeliz momento
do tristemente apaixonado
vento lácteo em perfis de cimento
tracejando sombras nos lábios dos travestidos barcos de esferovite
espera impaciente a viagem
que a ponte de aço o leva até à morte,

a boca alaranjada do pirilampo ensanguentado
em palavras de miséria
murmuradas
das mãos tuas jangadas esperadas
matas-te como se o vento fosse uma simples frase de amor
um jardim em flor
sem nome
com fome
o homem
nas cordas ensonados das asas brancas da morte.

(poema não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Escondei-vos de mim louco homem do poço da morte

Um sofá de nádegas amachucadas, espera-me, absorve-me talvez, quando eu regressar e dentro de casa o silêncio de luz amovível de tecto em tecto, sem cortinados, elas, as janelas, todas as madrugadas, elas, agachadas e sobrevoando o capim da solidão, deixo fugir o sono, desce sobre nós a insónia disfarçada de homem com lâmpadas de iodo na cabeça poeirenta, nobre a cancela do jardim de estrelas, de madeira, pregos enlatados dos primeiros versos que o mar desfez contra os rochedos das algas moribundas, que nem o coração engole, friamente, as línguas ásperas do desejo que elas, embrulhadas nas manhãs de doces madrugadas, a falsidade, o ódio das palavras inscritas nos pedaços de cartão, onde me deito, Cuidado Frágil, e sinto os meus ossos na ferrugem embalsamada dos lábios das gaivotas, elas, as janelas, embalsamada e embrulhadas no cetim alumínio que me ofuscam os olhos de fome, sinto-as em gemidos absortos, mortas de fome, sinto-as aos gritos, em gritos, todas, malditas escotilhas a que chamam de janelas infinitas, velhas, mortas, vidros, buracos, o amor dentro delas, do ranger de um sofá de nádegas amachucadas, uma delas questiona-me

- amas-me?

talvez um dias as escotilhas sejam de papel e as árvores

- que têm as árvores?

velhas, cansadas, elas, janelas com fotografias para os telhados do poço da morte, um doido em círculos apertadíssimos

- doem-me os pés, doem-me os joelhos e todos os parafusos do divã,

- desculpa meu amor,

as árvores

- que têm as árvores?

apertadíssimos todos, quando lá fora as árvores de papel tombam sobrevoando o capim, a tua saia de cetim alumínio solta-se, embate nas rochas, e as tuas magras coxas saltitando na tela pendurada no corredor, sinto o acrílico teu púbis em tons de azul, parece, aparece o mar vestido de mulher, vocês amachucadas, amam-se, desejam-se, como a chuva quando cai nas poeiras cinzentas a lareira assassinada pelo vento de incenso,

- talvez um dias as escotilhas sejam de papel e as árvores com coração de xisto, farto-me, desisto, talvez um dia as escotilhas do sonho sejam simples marés de fim-de-semana, a casa junto à praia, a luz desligada desde que partiste para as longínquas léguas de areia, um poço, da morte, um louco homem fingindo círculos de luz nos carris amassados que os comboios engolem antes de caminharem rumo ao Douro, socalcos, pedras, tonturas de amêndoa com chocolate em overdose, doce, doce as nuvens que transportas nos seios de amendoim, e matas os poemas

matas os poemas enquanto olhas para as sílabas de amoreira que a tarde deixou cair quando regressava dos teus abraços, meu amor

- amachucadas, elas, na cama, amachucadas amam-se, amas-me?

um dia, em outro dia novo com novo texto,

- matas os poemas, olhas para as sílabas de amoreira, um novo texto nasce no teu peito de noite sem sono, tomas as drageias, escotilhas, todas mortas, escondei-vos nas coxas dormentes das asas sem destino, amachucadas

as árvores e os rochedos e os cadáveres das folhas insignificantes onde escrevias as madeixas loiras dos dias quando eras amante das garrafas de vodka, caias sobre as sombras inventadas pelo louco homem do poço da morte, sobrevoando docemente o capim, amachucadas

- as nádegas de um velho sofá.

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

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(Medo do Medo)