sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Escondei-vos de mim louco homem do poço da morte

Um sofá de nádegas amachucadas, espera-me, absorve-me talvez, quando eu regressar e dentro de casa o silêncio de luz amovível de tecto em tecto, sem cortinados, elas, as janelas, todas as madrugadas, elas, agachadas e sobrevoando o capim da solidão, deixo fugir o sono, desce sobre nós a insónia disfarçada de homem com lâmpadas de iodo na cabeça poeirenta, nobre a cancela do jardim de estrelas, de madeira, pregos enlatados dos primeiros versos que o mar desfez contra os rochedos das algas moribundas, que nem o coração engole, friamente, as línguas ásperas do desejo que elas, embrulhadas nas manhãs de doces madrugadas, a falsidade, o ódio das palavras inscritas nos pedaços de cartão, onde me deito, Cuidado Frágil, e sinto os meus ossos na ferrugem embalsamada dos lábios das gaivotas, elas, as janelas, embalsamada e embrulhadas no cetim alumínio que me ofuscam os olhos de fome, sinto-as em gemidos absortos, mortas de fome, sinto-as aos gritos, em gritos, todas, malditas escotilhas a que chamam de janelas infinitas, velhas, mortas, vidros, buracos, o amor dentro delas, do ranger de um sofá de nádegas amachucadas, uma delas questiona-me

- amas-me?

talvez um dias as escotilhas sejam de papel e as árvores

- que têm as árvores?

velhas, cansadas, elas, janelas com fotografias para os telhados do poço da morte, um doido em círculos apertadíssimos

- doem-me os pés, doem-me os joelhos e todos os parafusos do divã,

- desculpa meu amor,

as árvores

- que têm as árvores?

apertadíssimos todos, quando lá fora as árvores de papel tombam sobrevoando o capim, a tua saia de cetim alumínio solta-se, embate nas rochas, e as tuas magras coxas saltitando na tela pendurada no corredor, sinto o acrílico teu púbis em tons de azul, parece, aparece o mar vestido de mulher, vocês amachucadas, amam-se, desejam-se, como a chuva quando cai nas poeiras cinzentas a lareira assassinada pelo vento de incenso,

- talvez um dias as escotilhas sejam de papel e as árvores com coração de xisto, farto-me, desisto, talvez um dia as escotilhas do sonho sejam simples marés de fim-de-semana, a casa junto à praia, a luz desligada desde que partiste para as longínquas léguas de areia, um poço, da morte, um louco homem fingindo círculos de luz nos carris amassados que os comboios engolem antes de caminharem rumo ao Douro, socalcos, pedras, tonturas de amêndoa com chocolate em overdose, doce, doce as nuvens que transportas nos seios de amendoim, e matas os poemas

matas os poemas enquanto olhas para as sílabas de amoreira que a tarde deixou cair quando regressava dos teus abraços, meu amor

- amachucadas, elas, na cama, amachucadas amam-se, amas-me?

um dia, em outro dia novo com novo texto,

- matas os poemas, olhas para as sílabas de amoreira, um novo texto nasce no teu peito de noite sem sono, tomas as drageias, escotilhas, todas mortas, escondei-vos nas coxas dormentes das asas sem destino, amachucadas

as árvores e os rochedos e os cadáveres das folhas insignificantes onde escrevias as madeixas loiras dos dias quando eras amante das garrafas de vodka, caias sobre as sombras inventadas pelo louco homem do poço da morte, sobrevoando docemente o capim, amachucadas

- as nádegas de um velho sofá.

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

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