quarta-feira, 22 de abril de 2015

Barcos de espuma


Estou cansado da esperança

Deixei de acreditar no sorriso fictício da madrugada

Sinto o teu sofrer

No meu sofrimento

De te perder

De não conseguir achar-te

Nas ruas desertas da minha cidade

Estou triste

Meu querido

Sofreres

E eu

Impávido

Escrevendo palavras

Inventando amores

Para esquecer a tua dor

Desenhando flores…

Flores… meu querido

Que vão alimentar a tua lápide

Não tenho coragem de desiludir-te

Invento estórias

Para adormeceres

E acreditares que existe madrugada

E que amanhã estarás vivo

Mas percebo o quanto é difícil

Mentir-te

Escrevo-te

Meu querido

Sabendo que amanhã é outro dia

Sem endereço no calendário

O oculto desejo de caminhares sobre os rochedos da insónia

Sabes que não aguento mais este sofrimento inválido

Nos cigarros fumados num jardim com odor a morte

Nunca tive sorte

Nem vontade de lutar

Sou fraco

Meu querido

Choro em silêncio

E pareço uma estátua em granito

Finjo

E minto-te

Mas não acredito

Deixei de acreditar

Quando vejo a tua vida

Escoar-se numa conduta sem saída

Às vezes

Sinto as tuas mãos nas minhas mãos

Víamos os barcos no porto de Luanda

E hoje

Não Luanda

E hoje

Não barcos

Estou cansado da esperança

E das esquinas sombrias da melancolia

Estou cansado do meu corpo envolto de abelhas

E do pólen envenenado pelas madrugadas de sofrer

Não me ouves

Meu querido

O dia deixou de pertencer aos Luares nocturnos dos visitantes sem nome

Nunca me esqueço

Dos sonhos alicerçados nos teus cabelos

Caducos

Inexistentes

E hoje

Percebi a tua agonia

Nas vagas de espuma do silêncio

Que o mar engole em cada amanhecer…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Quarta-feira, 22 de Abril de 2015

terça-feira, 21 de abril de 2015

Conversas


Nossas palavras

Voando nas linhas curvilíneas do abismo

Sabes meu amor?

Sinto-me sem esperança

Vontade de acreditar

Não

Meu amor

Deixei de acreditar

Sinto-me um afluente

Em busca do silêncio

Sinto-me a montanha

Acorrentada ao amanhecer

Sou uma árvore caduca

Sem saber o verdadeiro preço da paixão

Não

A paixão não se vende

Transacciona

Ou colecciona

Não é facturada

Com IVA

Sem IVA

A paixão se sente

Quando acorda o dia

Visto as calças do avesso

Troco a camisa pelo pijama

E durmo

Sabendo que nos teus lábios

Habitam narcisos

Orquídeas

E sombras

A paixão é como a tempestade

Liberta-se do corpo

Voa

Voa nos finíssimos fios da saudade

Não penso

Nas tuas palavras indigestas

Traiçoeiras

Circunferências de tristeza

Que apenas o teu corpo conhece

Ama

E sente

Todas as noites

Tinham inventado as cartas de amor

Desenhavas tão mal

Meu amor

Os corações pareciam rochas embriagadas

E as setinhas…

Uma serpente venenosa

Enrolada

Nos Sábados sem nada fazer

Sabes

Meu amor

Não existe amor nenhum

Invento-te para esquecer a solidão

E as noites em frente ao espelho

A… a pedir perdão

Perdão porque errei

Sempre erro

Sempre

É o meu destino

Amar

As folhas de papel pinceladas pelos teus cabelos

Escrever no teu perfume

“Esqueci-te”

Nem os teus ossos

Existem dentro dos nossos livros

Folheio-os em buca da tua sombra

Uma personagem minha

“A Silvina”

Que por acaso era a minha avó…

Meu filho

Um dia

“Esqueci-te”

Nem os teus ossos

Nem os teus carinhos

Nada

Meu amor

Nada voando nas campestres avenidas do sexo

Hoje

Hoje sinto-me “o maior filho da puta do mundo”

Um dia

Sem ti

Meu amor

E repentinamente

Escrevo meu amor

E no computador aparece…

Mar…

Coisa estranha

Meu amor

Já devia estar embrulhado em mim

E não

Eu aqui a escrever parvoíces

O amor

Como se eu fosse Doutorado em “O Amor”

Nada

Doutorado não sou

Licenciado sou quase

Mas tu

Meu amor

És a poesia vibrante das tendas de circo

O sexo na ardósia do sexo

Dois homens beijam-se

Meu amor

Como o Tejo se beija

A cada regresso

Olhei-te

Corrias de livro na mão

E eu

Eu tive a sorte de encontrar uma das personagens

Não

Não era a minha avó

Era a “Deusa das Crenças Perdidas”

Ouvir-te sem sentido

Nenhum

Esta triste noite

Sinto-me triste

Meu amor

Esta semana

Parece um túnel sem fim

Nada

Não aconteceu nada

Mas…

Mas adivinho qualquer coisa

Ou o regresso de um grande amor…

… Ou a partida de um grande amado…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Terça-feira, 21 de Abril de 2015

segunda-feira, 20 de abril de 2015

A prisioneira paixão


Sentíamos os alicerces da noite

Nos tormentosos desejos de luz

Que ao acordar

Nos abraçavam

O teu corpo

Era um ponto equidistante

No espaço silencioso

Sentia-te dentro de mim

Como se fosses um intruso vulto

Para me apunhalar

Não morri

Sabes disso

Ouvíamos as marés de granito

Contra os beijos de xisto

Beijar-te… o impossível marinheiro enforcado nos teus seios

Eras uma estátua de vidro

Que dançava em Cais do Sodré


Tu eu e ele

O triângulo da vaidade

Sobre a clarabóia dos desnudos corpos

Nossos

O eléctrico avançava

Éramos prisioneiros

Eu de ti

Tu de mim

E ele

Ele dele

À janela

As quatro paredes da infância

Fotografadas pelas nossas línguas

Entrelaçávamos os dedos de arame fino

E nunca soubeste o meu nome

Repartias a tua cama

Com o meu cadáver de veludo

Enferrujado

Sentias o peso da areia nos teus ombros

E descias o poço da saudade

A nossa cidade

Um perfume envenenado

Pela paixão das palavras

E nem tive tempo de perguntar-te

Se…

Se me amavas

Ou se a noite nos pertencia

Ou... ou nós é que pertencíamos à noite

Devagar

Beijava-te enquanto dormiam os nossos relógios

Que alimentava a nossa pele

Uma parede de insónia

Separava os nossos corpos

Luanda entrava na tua vagina

E tínhamos a Baía só para nós

As palmeiras

E os tristes rostos de alumínio

Esperando o regresso da tarde

Tinha medo de ti

Meu amor

Tinha medo do caderno onde escrevo

E via o meu corpo franzino

Soluçar nos teus braços

E hoje

Vejo o meu corpo de cinza

Soluçar nas tuas lágrimas de prata…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Segunda-feira, 20 de Abril de 2015

domingo, 19 de abril de 2015

Sentido proibido


A vida do sentido proibido

O escoamento do líquido adormecido

Nas mãos do sem-abrigo

Esquecido

Faz da cidade

O amor em quadriculadas paixões de medo

Dorme acreditando que não acordará mais

Sonha com triângulos de luz

Saltitando no tecto do desejo

A vida

Esta vida

Embrulhada no invisível beijo

 

Não o vejo

Meu amor

Deixei de o ver desde o dia do Adeus

Quando os Cacilheiros da nossa cama

Se afundaram no poço do prazer

Tínhamos os livros exilados

Das tempestades do sofrimento

E mesmo assim

A vida do sentido proibido

Não brinca dentro de nós

O cigarro nos teus dedos

E nunca fumaste

 

Imaginava-te em frente do espelho da solidão

Procurando rugas

E aranhas zangadas com o silêncio

Dos teus peixes

Meu amor

As espinhas

E o pó dos Oceanos enferrujados

Os barcos de água

Galgando as coxas da inocência

Como um bolo

De chocolate

Na boca de uma criança

 

Dormíamos com o Tejo pintado no teu corpo

Regressavam os petroleiros

E sentíamos os apitos das gaivotas de aço

Poisando

Em pequenas plataformas de espuma

Até… até adormecerem no teu colo

Olhava-as

Fazia-lhes festas como se fossem os nossos filhos

Que nunca viram a madrugada

Nem a manhã

Dançando nos teus lábios

Tínhamos o mundo dos vulcões de areia

 

E as pinceladas conchas do primeiro abraço

Tínhamos os socalcos do Douro

Encurvados nas lâminas da insónia

E o vento folheava o teu cabelo

Entre espadas e balas de amêndoa

Canso-me

Meu amor

Da escrita e das palavras

Dos livros

E das coisas parvas

Canso-me das fotografias que me tiraram na infância

Sempre o mesmo ranhoso

 

Sempre…

Sempre a mesma sombra sobre os ombros

Frágeis

Magoadas conversas

Nós

Perdidos num jardim de província

Sem barcos

Sem Calçadas

Sem gajas

Nem gajos

À pedrada

À pancada

 

Como os Monstros do Tejo

Quando dormíamos

E entravam nos nossos corpos de néon

Faziam-nos o que não queríamos fazer

E nós

Impávidos

Perdidos num jardim de província

A declamarmos poesia roubada na Feira da Ladra…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Domingo, 19 de Abril de 2015

Sorriso de granito


A casa amarela

Dos segredos invisíveis

A impossibilidade de amar

Quando o vulcão da esperança

Em línguas de fogo

A aventura de cessar

Todos os prazeres da vida

Deixar de viver

Meu amor

Estando vivo

Deixarei de pertencer aos sábados melancólicos

Se me abraçares no espelho da paixão

 

Deixei de perceber o amor

E perdi-me no tempo

Não sei o que é amar

Quando amado fui

E amado não serei mais

As mãos

As tuas mãos pinceladas no meu corpo

 A atmosfera embriagada das cancelas do amanhecer

O amor imperfeito

Ingénuo

Ambíguo…

Amanhã

 

Meu amor

Domingo

Sem sentido

Perdido

Eu

Nas tuas sombras de incenso

Pego nas tuas asas de papel

Escrevo uma mensagem

E voas

Como corpos em cinza

Levados pelo vento

Das tristes insígnias

 

Tenho medo

Meu amor

De amar-te

Quando percebi

Que não sei amar

Sou um imbecil

Um… um vulto de nada

À janela

Olhando a tua alegre beleza

Na escondida esplanada

Sentados

Brincamos às escondidas

 

Eu escondo-me

Tu escondes-te

… e ele

Eu

Escondido no teu peito

A masturbada cintilação

Das palavras em flor

Os livros comprados

Meu amor

As palavras penhoradas

Por ti

Quando a minha vida

 

Valia quase nada

Não tenho preço

Nem idade

Nem fotografia

Sou um triângulo apaixonado

Pelas janelas das equações diferenciais

O caderno

Em quadrados

O teu corpo

O meu corpo

Em pedaços de rectas

Sem destino

 

Tu

Ao acordar

A carta de despedida

Envidada

Do cansaço

Atravessava a eira

Sentava-me

Meu amor

Ouvia o sino de Carvalhais

Meu amor

Oito horas da noite

Vejo-a

 

Sinto-a

Quando a janela em liberdade

Me trazia o som das cigarras

Pensava em ti

Pensava na Teoria da Relatividade

Ai…

Meu amor

A saudade

Caminhava sobre o teu corpo de gesso

A iluminação da alegria

Hoje

Não

 

Meu amor

Hoje eu não te mereço…

Tenho em mim a tua morte

Sílaba apaixonada

Das pedreiras abandonadas

Vou

Não regresso

Meu amor

Aos teus braços

Sei que a noite me mantém vivo

Porque cerro os olhos

Pego numa tela vazia

 

E desenho o teu sorriso de granito…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Domingo, 19 de Abril de 2015