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segunda-feira, 1 de maio de 2023

Ser mulher

 Ser mulher é…

Ser mulher é ser flor,

Poema em cada dia,

Ser mulher é poesia,

É alegria,

Ser mulher é…

Ser mulher é ser mãe,

É ser companheira,

Amante…

 

Ser mulher é…

Ser mulher é ser a tua escultora,

Ser mulher é ser vida,

Vida que labuta dentro dela,

Ser mulher é aquela que te carrega,

Que te carrega e leva pancada do marido do namorado do companheiro do amante… (da puta que os pariu)

Que de um pequeno nada,

Passas a ser…

Tudo, para ela,

 

Ser mulher é ser um pedacinho de silêncio,

Um olhar no interior de uma janela,

Ser mulher é a palavra,

O dia,

A noite,

A noite depois do dia,

Quando do dia…

Quando do dia,

Foge a noite,

E poisa na cabeça dela,

 

Ser mulher é…

Ser mulher é ser o jardim do paraíso,

Às vezes,

Às vezes ser mulher também é ser…

Uma complexa equação diferencial,

Ordinária,

Não, não a mulher…

Mas a equação,

 

Ser mulher é…

Ser mulher é literatura, é ser pintura… é ser mulher,

Ser mulher é a paixão,

Quando a paixão voa sobre o mar,

E se não fosse a mulher,

Que é a tua mãe…

Tu,

Tu nem sequer sabias desenhar…

O cheiro do mar,

Tu nem sequer sabias o que era o mar,

 

E tudo,

Tudo porque Deus,

Sim, Deus…

Teve a feliz ideia de desenhar a mulher…

No sorriso do mar.

 

 

 

Alijó, 01/05/2023

Francisco Luís Fontinha

domingo, 30 de abril de 2023

Longe de ti

 Antes de 9 de Maio de 1994

(ao meu grande amigo Dr. Luís Castelo Branco, aos meus pais, e a todos aqueles que não desistiram de mim)

 

 

Amava-te

Amava-te loucamente

Amava-te e desejava-te apaixonadamente,

Despia-te lentamente para que nenhum pedacinho do teu silêncio

Se perdesse no pavimento,

Deitava-te sobre o fino lençol de alumínio prata,

Depois…

Ai depois… meu amor…

Depois saboreava cada milímetro quadrado do teu corpo,

Às vezes,

Momentaneamente,

Adormecia…

Outras… outras parava de te manusear…

E olhava-te,

Desenhava o teu movimento pendular,

E pensava

(há quem diga que hoje não devia pensar tanto)

Pensava… pensava como deixar de te amar…

 

Outras vezes,

Algumas vezes,

Não adormecia momentaneamente…

Mas…, mas parava de te tocar,

Então…

Então deixava-te suspensa no lençol de alumínio prata, na minha mão esquerda,

Na minha mão direita,

O isqueiro…

E na boca o senhor Manuel Maria Barbosa du Bocage,

 forrado a alumínio prata,

E quanto mais eu pensava…

Mais eu te amava,

E depois olhava o teu cabelo ondulado em finas tranças de madrugada…

Em direcção à minha boca,

 

Amava-te

Amava-te loucamente

Amava-te e desejava-te apaixonadamente,

E tu… e tu dançavas minutos a fio

Sobre um lençol de alumínio prata,

Eu, quase sempre, indiferente ao ondulado teu corpo…

Via-te,

Via-te subir,

Via-te descer,

Tudo isso dentro de toda aquela luz nocturna,

E aos poucos,

Muito lentamente…

Começavas a desparecer,

Até que apenas um pedacinho de sémen em carvão ficava sobre o lençol de alumínio prata,

 

Deitava para o lixo o lençol,

Puxava de um cigarro…

Escrevia qualquer coisa num qualquer papel que estivesse sobre a secretária…

Ou na página de um qualquer livro…

E porra,

Já me apetecia novamente estar nos teus braços,

Beijar-te,

Saborear o teu cabelo ondulado…

Escrever nos teus lábios,

 

Deitava-me,

Deitava-me sabendo que o sono não regressaria…

Coitado do sono,

Coitado dele e de mim,

 

Começava a sentir um gélido lençol de geada sobre o meu corpo,

Às vezes, às vezes adormecia com o casaco vestido,

Imagina, meu amor, quando fosse Inverno,

Um verdadeiro inferno de dor,

Regressavam os vómitos,

Os calafrios…

E até diarreia…

Às vezes, febre…

Os meus ossos pareciam os ramos dos arbustos quando está vento…

E mesmo assim, ainda te amava… amava-te tanto…

E pensava como esquecer-te,

E pensava em mil e uma maneiras de te odiar…

Mas como podia eu na altura te odiar…

Como poderia eu odiar quem amava tanto…

E… ou continuava a amar-te loucamente e morrer nos teus braços,

Ou simplesmente te esquecer…

Fugir de ti,

Para sempre,

Para sempre e para longe;

E hoje, estou aqui… aqui para muito longe.

Longe de ti.

 

 

 

 

Alijó, 30/04/2023

Francisco Luís Fontinha

sábado, 29 de abril de 2023

Amar

 Não mates

Não mates a criança que brincava dentro de ti

No bairro da Vila Alice

Ou no Madame Berman

Não mates a criança que brincava

Comigo

Quando nos perdíamos às escondidas

Debaixo do sombreado das mangueiras,

Lembras-te?

De quê, mãe?

Quando desenhavas no olhar

O perfume das mangas

E ficavas sentado… eternidades

Ainda o consegues desenhar?

Não, mãe…

Perdi o traço do perfume das mangas

Já não sei desenhar o perfume das mangas, mãe…

 

Não mates

Não mates meu querido filho

Não mates a criança que brincava dentro de ti

A criança que era apaixonada por barcos

Que amava as estrelas do tecto do quarto…

As estrelas que falavam, mãe?

Sim, claro, essa mesmo…

E chegavas lá

Sentavas-te na cama…

E adormecia, mãe

Adormecia enquanto elas me contavam estórias

E faziam comigo brincadeiras…

Tantas brincadeiras, mãe

 

 

Não mates

Não mates a criança que brincava dentro de ti junto ao Baleizão

Oferecíamos-te gelados

Não gostavas

Oferecíamos-te sumos

Não gostavas

Oferecíamos-te rebuçados

Não gostavas

Oferecíamos-te chocolates

Agora gosto, mãe

Agora como chocolates,

Eras um ranhosinho

É ranhosinha, mãe

Ranhosinha…

Não mates

Não mates o meu menino

Não mates a criança que brincava dentro de ti

E construía papagaios em papel

E coisas

E muitas coisas

Mas… mãe?

Sim?

És tolo

Eu sei, mãe

Eu sei

 

Não mates

Não mates a criança que brincava dentro de ti

Aqui

E ali

Não

Não meu querido filho

Não mates essa pobre criança

Das brincadeiras

Não a mates

Mas, mãe?

Sim…

Que criança é essa que brincava dentro de mim, mãe?

É a vida, meu filho

A vida…

A vida?

O que é viver, mãe?

Viver, meu filho…

Viver é amar

Amar.

 

 

 

Alijó, 29/04/2023

Francisco Luís Fontinha

Junto ao mar

 Junto ao mar

 

 

 

Toda a vida

Sem vida,

Toda a vida desta maldita vida,

De viver… sem vida,

Toda a vida,

Uma vida,

Uma vida de viver,

De viver,

Sem vida.

 

E da vida que nunca tive,

Uma vida,

Vivida,

Viver cada dia,

Em cada dia

Desta vida,

Do dia sem poesia.

 

Uma vida recheada,

Recheada de não vida,

Viver a cada dia,

Um dia,

De dia,

Sem dia…

O dia de viver…

Viver?

Quando nunca tive vida,

E da vida que me obrigam a viver…

Há a saudade daquela vida…

Que nunca tive,

Que nunca quis ter…

Esta vida de viver…

E esperar,

Um dia,

Um dia livremente morrer,

Morrer junto ao mar.

 

 

 

Alijó, 29/04/2023

Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 12 de abril de 2023

O livro da maldição

 Este livro

Que leio

E folheio

Que manuseio

Como se fosse mais um livro

Este livro

Onde escrevo

Onde durmo

Onde habito

Este livro

Deste livro

Do livro do meu viver.

 

Deste livro onde nasci

Neste livro onde cresci

E vivi

E brinquei…

Deste livro onde amei

E chorei

E gritei.

 

Deste livro a que chamam de vida

De viver

Deste livro de sofrer

Este livro

Entre muitos outros livros

Neste livro

Onde me sento

E escrevo

E olho o rio

E do rio vejo o mar

Deste livro de viver

Neste livro de amar.

 

Deste livro

Nos jardins junto à Torre

Dos barcos deste livro

Neste grande livro de partir

De correr

Deste livro de montanhas

De amores

De crianças sem asas

E de asas sem pássaros

Neste livro

Que seja deste livro

Que as minhas cinzas

Que das minhas asas

Se faça a vida

E se construa este livro.

 

 

 

Alijó, 12/04/2023

Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 30 de março de 2023

O último cigarro de prata

 Peço ao meu último cigarro

(banhado a prata e com as insígnias: L&F)

Peço ao meu último cigarro,

Travestido de bala,

Que antes de perfurar o meu esqueleto de sono,

Faça com que a madrugada se pincele de noite,

Escura,

Fria,

Cinzenta,

E muito fria

E muito cinzenta e muito escura...

E muito fria.

 

Peço ao meu último cigarro

(após Deus ter desertado da Armada)

Que me traga os fósforos,

As palavras das cinzas dos livros entre névoas de medo

E outras tantas palavras,

Palavras de merda,

Palavras de Deus,

Homem integro,

Homem da farra…

Palavras

Na palavra.

 

Se nascer menino…

Será trapezista,

Se nascer menina…

Será Deusa das palavras & Afins da madrugada, Limitada…

Com sede na Rua do Alegrim,

Trezentos e quatro…

Mil e quinhentos – trezentos e dois…

Lisboa.

 

 

 

 

Alijó, 30/03/2023

Francisco

sexta-feira, 24 de março de 2023

As faúlhas da madrugada

 Caem sobre mim as faúlhas da madrugada

Canfora manhã adormecida

Caem sobre mim as espadas afiadas da solidão…

Enquanto a dor se veste de alegria

 

Esqueleto desventrado

Bebo o cálice do veneno

Bebo as lágrimas da existência

E estar vivo… parece uma cansada tarde junto ao rio

 

Oiço-te entre pedaços de néon

E avenidas sem nome

Avenidas da minha infância

Que apenas dormiam na minha mão

 

Caem sobre mim as metáforas do texto não escrito

Nas imagens de um negro quadro

Pincelado de tristeza

E oiço os gritos da morte

 

E oiço os gritos de alegria da morte

Tão feliz… que ela é

Veste-se de cinzento

E faz-se passear de limousine encarnada

 

Veado selvagem

Pedacinho de mar

Das esplanadas em luar

E volto a ouvir a voz do silêncio

 

E volto a ouvir a voz rouca da escuridão

A noite traz os petroleiros da insónia

A noite traz nas mãos os incêndios nocturnos de uma alma embriagada…

E depois

 

E depois poisa em mim a nuvem doente

Das metástases que apenas um corpo invisível compreende

E felizes aqueles que transportam em si

As metástases do sofrimento

 

Quando esperam no corredor

O regresso da esperança de voarem

Na esperança de uma leveza indefinida

Indiferente à vida

 

Indiferente à dor

Caem sobre mim as faúlhas da madrugada

Canfora manhã adormecida

Quando dos lábios da alvorada

 

Vêm a mim as árvores acorrentadas

Os pássaros voam sem perceberem que lá fora

Uma menina

Come os chocolates da inocência

 

E eu

Aprisionado nuns calções

Procuro as primeiras lágrimas da manhã

Que habitam junto ao capim

 

Abro a janela

Vou à janela

Puxo de um cigarro…

E lanço-me em busca do espelho onde me escondi em criança

 

E estatelo-me no chão frio da infância

Um triciclo com assento em madeira… entre lágrimas e suspiros

E eu acreditando que um dia

Um dia…

 

Qualquer dia

No outro dia

Hoje

Amanhã… o sofrimento se transformará em silêncio.

 

 

 

Alijó, 24/03/2023

Francisco

quinta-feira, 16 de março de 2023

O silêncio dos peixes

 Às vezes

Era a chuva que nos abraçava,

Outras vezes,

Muitas vezes,

Era o desejo que nos silenciava.

 

Às vezes

Tínhamos o perfume de amêndoa

Que a manhã nos dava,

E tantas vezes,

Muitas vezes,

Não tínhamos nada.

 

Às vezes,

Poucas vezes,

Rezávamos,

Outras vezes,

Muitas vezes,

Embriagávamo-nos com o silêncio dos peixes…

Mas nunca nos disseram,

Que das outras vezes,

Umas poucas,

Outras tantas…

Havia uma estrela que nos olhava.

 

Às vezes,

Eu escondia-me na tua mão,

Outras vezes,

Tantas vezes,

Eu tombava no chão…

 

E de todas as vezes

Que me perdi nas outras vezes,

Guardo dentro de mim…

As vezes que sofri.

 

 

 

Alijó, 16/03/2023

Francisco Luís Fontinha

sábado, 18 de fevereiro de 2023

Estrelas

 Não me procures dentro deste buraco frio e escuro,

Onde habitam todas as estrelas em papel…

Estrelas que a minha mãe fazia,

Estrelas…

Que me oferecia,

 

Estrelas que arderam,

Labaredas de sono

No olhar de todos os Planetas,

 

Estrelas azuis,

Amarelas,

Estrelas encarnadas…

Da cor

Da dor,

Estrelas que deixaram de ser estrelas,

Nas mãos de uma flor,

 

Não me procures dentro deste buraco,

Frio,

Escuro,

Onde habitam estrelas;

As estrelas que odeio.

 

 

 

Alijó, 18/02/2023

Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

Sonho amar

 Se eu pudesse,

Desenhava o sol no teu olhar

Quando a manhã fria e submersa na minha mão

Corre calçada abaixo em direcção ao mar,

Se eu pudesse,

Poisava o luar nos teus seios prateados

Que durante a noite procuram os meus lábios…

Meus lábios… amordaçados,

 

Se eu pudesse,

Escrevia no teu corpo invisível das nocturnas noites em desejo,

Quando da janela do teu olhar

Regressam a mim as Primaveras em flor,

E num silêncio beijo

Erguia do chão as lágrimas de chorar,

E todas as palavras semeadas no teu púbis amanhecer,

 

Se eu pudesse,

Cantar, escrever, sonhar… ou voar na tua boca,

O sol que te vou dar,

O luar que em ti vou poisar,

Se eu pudesse adormecer,

Apenas…

Enquanto as sílabas estonteantes

Brincam nesta pequena folha em papel amarrotado…

 

Ai se eu pudesse…

Colher todas as flores deste jardim

E libertar todos os pássaros aprisionados,

Abraçar-te,

E por fim,

Pincelar o teu corpo com os poemas da madrugada,

 

Se eu pudesse, enfim…

Tudo o que desejo,

Tudo…

Sem mais nada,

 

Do sonho, acordava…

E tudo o que eu queria,

Que eu sonhava…

Já o faço,

Faço-o a cada dia.

 

 

 

Alijó, 02/02/2023

Francisco