Não mates
Não mates a criança que
brincava dentro de ti
No bairro da Vila Alice
Ou no Madame Berman
Não mates a criança que
brincava
Comigo
Quando nos perdíamos às
escondidas
Debaixo do sombreado das
mangueiras,
Lembras-te?
De quê, mãe?
Quando desenhavas no
olhar
O perfume das mangas
E ficavas sentado…
eternidades
Ainda o consegues
desenhar?
Não, mãe…
Perdi o traço do perfume
das mangas
Já não sei desenhar o
perfume das mangas, mãe…
Não mates
Não mates meu querido
filho
Não mates a criança que
brincava dentro de ti
A criança que era apaixonada
por barcos
Que amava as estrelas do
tecto do quarto…
As estrelas que falavam, mãe?
Sim, claro, essa mesmo…
E chegavas lá
Sentavas-te na cama…
E adormecia, mãe
Adormecia enquanto elas
me contavam estórias
E faziam comigo
brincadeiras…
Tantas brincadeiras, mãe
Não mates
Não mates a criança que
brincava dentro de ti junto ao Baleizão
Oferecíamos-te gelados
Não gostavas
Oferecíamos-te sumos
Não gostavas
Oferecíamos-te rebuçados
Não gostavas
Oferecíamos-te chocolates
Agora gosto, mãe
Agora como chocolates,
Eras um ranhosinho
É ranhosinha, mãe
Ranhosinha…
Não mates
Não mates o meu menino
Não mates a criança que
brincava dentro de ti
E construía papagaios em
papel
E coisas
E muitas coisas
Mas… mãe?
Sim?
És tolo
Eu sei, mãe
Eu sei
Não mates
Não mates a criança que
brincava dentro de ti
Aqui
E ali
Não
Não meu querido filho
Não mates essa pobre
criança
Das brincadeiras
Não a mates
Mas, mãe?
Sim…
Que criança é essa que
brincava dentro de mim, mãe?
É a vida, meu filho
A vida…
A vida?
O que é viver, mãe?
Viver, meu filho…
Viver é amar
Amar.
Alijó, 29/04/2023
Francisco Luís Fontinha
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