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sábado, 29 de abril de 2023

Amar

 Não mates

Não mates a criança que brincava dentro de ti

No bairro da Vila Alice

Ou no Madame Berman

Não mates a criança que brincava

Comigo

Quando nos perdíamos às escondidas

Debaixo do sombreado das mangueiras,

Lembras-te?

De quê, mãe?

Quando desenhavas no olhar

O perfume das mangas

E ficavas sentado… eternidades

Ainda o consegues desenhar?

Não, mãe…

Perdi o traço do perfume das mangas

Já não sei desenhar o perfume das mangas, mãe…

 

Não mates

Não mates meu querido filho

Não mates a criança que brincava dentro de ti

A criança que era apaixonada por barcos

Que amava as estrelas do tecto do quarto…

As estrelas que falavam, mãe?

Sim, claro, essa mesmo…

E chegavas lá

Sentavas-te na cama…

E adormecia, mãe

Adormecia enquanto elas me contavam estórias

E faziam comigo brincadeiras…

Tantas brincadeiras, mãe

 

 

Não mates

Não mates a criança que brincava dentro de ti junto ao Baleizão

Oferecíamos-te gelados

Não gostavas

Oferecíamos-te sumos

Não gostavas

Oferecíamos-te rebuçados

Não gostavas

Oferecíamos-te chocolates

Agora gosto, mãe

Agora como chocolates,

Eras um ranhosinho

É ranhosinha, mãe

Ranhosinha…

Não mates

Não mates o meu menino

Não mates a criança que brincava dentro de ti

E construía papagaios em papel

E coisas

E muitas coisas

Mas… mãe?

Sim?

És tolo

Eu sei, mãe

Eu sei

 

Não mates

Não mates a criança que brincava dentro de ti

Aqui

E ali

Não

Não meu querido filho

Não mates essa pobre criança

Das brincadeiras

Não a mates

Mas, mãe?

Sim…

Que criança é essa que brincava dentro de mim, mãe?

É a vida, meu filho

A vida…

A vida?

O que é viver, mãe?

Viver, meu filho…

Viver é amar

Amar.

 

 

 

Alijó, 29/04/2023

Francisco Luís Fontinha