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domingo, 6 de agosto de 2023

Cidade portuária

 

Nesta cidade portuária

Perco-me abraçado aos barcos

Sucata

Barata sucata

Amontoado de aço

Abraçadeiras de sombra

Parafusos de saudade

Desta cidade

Portuária apenas no nome

Que não come

Que tem fome

Que fode

Todos os nomes,

 

Alvorada.

O barco masturba-se nos silicatos invisíveis do prazer

E uma árvore morre

É porque lhe roubaram o tesão

A saudade

As palavras com que escrevia

Não escreve

Agora voa

Agora,

 

O que seria

Se ele fosse aquilo que sentia

Que muitas vezes

Às vezes

Sofria

Chorava pequenas lâminas de aço

Aparas

Simples aparas

Esquecidas na plaina,

 

Nesta cidade portuária

Perco-me abraçado aos barcos

Sucata

Barata sucata

Amontoado de aço

Abraçadeiras de sombra

Parafusos de saudade

Desta cidade,

 

Estes meus barcos

Sucata

Aço disfarçado de sono

E se o senhor te perguntar quantos anos tens…

Tenho cinco,

Quantos anos tens, menino?

Seis…

E com as duas mãos

Desenhava o número seis num qualquer quintal da saudade,

 

Morriam, aos poucos, os barcos,

De sucata em sucata

Via aqui o fígado do meu barco (A)

Um pouco à frente

Junto a uma curva

Lá estava ele

O estômago do meu barco (X)

E assim vou

E assim ando

Em contagem

Dos órgãos e ossos

De todos os meus barcos perdidos,

 

Nesta cidade portuária

Perco-me abraçado aos barcos

Sucata

Barata sucata

Amontoado de aço

Abraçadeiras de sombra

Parafusos de saudade

Desta cidade.

 

(e todos os dias, me morrem barcos).

 

 

 

Alijó, 06/08/2023

Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 2 de agosto de 2023

Olhos de mar

 Abraça-me na clandestinidade do Oceano

Teus braços em poesia

Teus lábios em feitiço

Abraça-me enquanto o pôr-do-sol se esconde nos teus olhos de mar

E este Oceano que nos deseja

Voa até aos lábios do luar,

Abraça-me na clandestinidade

Quando o teu cabelo se solta e brinca neste mar de insónia

Que tem o teu nome;

E não consegue esquecer as minhas mãos…

Destas mãos que te escrevem

Quando a manhã acorda no teu silêncio.

 

 

02/08/2023

Alijó

terça-feira, 1 de agosto de 2023

Janela da liberdade ausentada

 Abraço-me ao sargaço da manhã

Na ânsia de encontrar no mar

Os peixes e os pássaros

E a melodia das árvores

Em silêncio

Que me olham

E se despedem de mim,

 

Abraço-me às pedras

Leves como penas

De cor inanimada

De cor desmaiada

Na sonolência do desejo

No desejo que a madrugada

 

Não regresse mais,

Abraço-me aos teus lábios

Onde brincam as palavras e os pequenos raios de sol

Abraço-me à tua mão

Enquanto um barco de sono

Poisa no teu olhar,

 

Do cansaço,

Que me abraço ao sargaço

Da manhã sem ninguém

Nesta casa desabitada

Desta casa amaldiçoada

E que não me pertence,

 

Abraço-me ao sargaço da manhã

Triste poema encalhado na sílaba dos teus lábios

Este pobre barco em delírio

Esquecido no rio

Abraço-me ao teu sorriso

Acreditando que a tua voz me procura

À janela da liberdade.

 

 

 

01/08/2023

Alijó

Francisco

segunda-feira, 31 de julho de 2023

Embondeiro

 Morreu abraçado a um embondeiro;

Quando lhe perguntaram de que tinha morrido,

Respondeu,

Morri de saudade.

 

Da minha janela oiço o mar

Da minha janela vejo as flores do meu jardim

A abraçarem

O mar,

 

Da minha janela pincelo o mar

Nos teus olhos,

Também eles,

Filhos do mar,

 

Da minha janela sinto o mar

Dos teus lábios

Nos meus lábios

Nas palavras que te escrevo

Das palavras que não recebo

Desta janela

O mar em despedida

Na despedida de te amar.

 

Deste mar,

Desta janela cinzenta

Deste amar

Do mar da minha janela,

No mar

Deste mar que em ti inventa

Que em ti abraça

Desta janela

Os teus braços

Que se vestem de mar

E me beijam em segredo.

 

 

31/07/2023

domingo, 30 de julho de 2023

O teu cabelo em flor

 Flor em teu cabelo

Do vento servidão

Do teu cabelo em minha mão

No teu cabelo o perfume da manhã

 

No teu cabelo em lágrimas

No triste silêncio do luar

No teu cabelo em flor amar

Do mar do teu olhar

 

Flor em teu cabelo

Em palavras poesia

Que sorri a cada dia

A cada dia do teu cabelo

 

Em flor do teu cabelo em flor

No teu abraço

Em flor teu corpo cansaço

Teu corpo em flor

 

Do teu cabelo em flor

O meu beijo nos teus lábios de mel

Que escondo neste papel

Em flor do teu cabelo em flor

 

 

 

Alijó, 30/07/2023

sábado, 29 de julho de 2023

Mussulo

 

Branca areia mar

Do amar marinheiro

Do triste companheiro

Em luta

Pela fome

Que labuta

Na procura de um nome

Em busca de um esconderijo com lábios de mel

E olhos de mar

 

Sentado sobre as ondas

Distante da branca areia mar

Do Mussulo em despedida

Sentida

A triste madrugada

No teu corpo em palavra

Na palavra sem mais nada

 

Maré cinzenta

Que pensa

Que alimenta

A branca areia mar

Do amar desgovernado

Às vezes perdido

Às vezes

Sentado

 

Na branca areia mar

Onde poiso o meu esqueleto

Onde escondo as minhas sombras

E mergulho no teu púbis

Como uma montanha incendiada

Como uma montanha amargurada

Da branca areia mar

Do amar cinzento

Que lamento

Que invento

Nos teus olhos

A branca areia mar

Do Mussulo

 

 

 

29/07/2023

O mar de saciar

 

Sacio a tua voz de flor sem nome

Com as amoradas que a noite esconde

Sacio-me com a tua voz depois de a saciar

Com as sílabas do mar

Sacio-te com o sol que desenhei

No cansaço do luar

Alegre

Ou triste

Sacio o teu sonho que também eu sonhei

Que também eu construí

E desenhei

Na tua boca em fome

 

Sacio-te no beijo

No abraço após o desânimo do beijo

Sacio os teus lábios de mel

Como os teus olhos de mar

Sem saber

Que saciar

Eu te sacio quando me esperas na gruta

 

Sacio as tuas mãos com as minhas mãos de enxada

Também ela

Saciada

De ti

Por mim

Toda a noite até que acorde a madrugada

Nem triste

Nem cansada

Mas também ela

Saciada

 

Sacio a tua voz de flor sem nome

Com as amoradas que a noite esconde

Sacio-me com a tua voz depois de a saciar

Com as sílabas do mar

E com os beijos de beijar

 

 

 

29/07/2023

Filme sem saber que o era

 

Talvez ontem tenha acontecido o que vai acontecer hoje.

 

À janela

 

Não sabíamos quem éramos, apenas tínhamos a perfeita noção que cada um de nós, escondia no peito a janela que nos dava acesso aos cheiros e aos sabores do mar; um pequeno barco, ensonado ainda, galgava os socalcos dos sonhos e a Primavera tinha acabado de regressar.

Não sabíamos e somos ainda, veleiros perdidos neste mar de enganos, de cidades adormecidas pelas primeiras chuvas do Inverno, e da janela que trazíamos ao peito, às vezes, ouvíamos o silêncio do desejo galgando a montanha do prazer.

Não sabíamos, não sabíamos quem éramos,

 

Da casa sem janela

 

Éramos nós.

Éramos nós os jardineiros da poesia que a cada dia, em cada pedaço da manhã, deixávamos sobre o perfume das roseiras as últimas palavras da noite.

Ouviam-se então as lamentações do desejo da carne. Rezavam, imitavam os rochedos com os lábios pincelados de além-mar sem ninguém, o furor da madrugada, esquecida numa qualquer mesa de um bar, acordava.

A casa, a casa não tinha janelas, tão pouco os gemidos teus poderiam algum dia, conhecer,

A luz do dia.

E éramos só nós, e em cada um de nós, uma casa, uma casa sem janelas.

 

O corpo – em gemidos I

 

Não sabíamos se éramos. Na minha mão escondias-te, semeava sobre a tua pele pequenos círculos de luz, pequenas lágrimas cinzentas que dos meus lábios acordavam, como quando acorda sobre o teu olhar a primeira estrela da manhã.

Se éramos, depois o soubemos.

Pequenas avenidas habitam o teu corpo, avenidas de silêncio quando sabíamos que todo aquele silêncio,

Era apenas um poema desenhado no teu seio esquerdo; maré de engano, cidade perdida neste longínquo destino,

Sem saber,

Desconhecendo se éramos e não o sabíamos, ou se apenas não sabíamos que éramos.

 

O corpo – gemidos II

 

O clítoris do engano. E se o fomos, em teu corpo o seremos, eternamente o desejo.

Alimentava o teu cio com os livros que li, com os livros que um dia escreverei, e percebia, e percebia que aos poucos, muito lentamente, uma nuvem de veneno se desprendia dos teus lábios, eu bebia-o,

O morria sobre ti.

E ressuscitava anos mais tarde,

Abraçado ao teu cabelo.

 

O quadro sem nome

 

O estranho homem, que não sabíamos quem era, e muitos anos depois, acordou no quarto ao lado, sem perceber que já tinha sido, o que vai ser hoje.

Na parede escondia-se, na parede se tinham esquecido dele.

Lá fora, lá fora apenas a última geada da noite nos esperava, e ele, sem nome, dizia-nos que ser homem estranho, vestido de quadro, finalmente, era um orgulho.

Orgulho.

O estranho, que um dia será, quando depois percebeu que já o tinha sido,

Levantou-se,

Despiu o quadro,

Sentou-se,

E hoje,

E hoje dorme sobre uma lápide de sono.

Mesmo assim, o clítoris do engano. E se o fomos, em teu corpo o seremos, eternamente o desejo.

 

Uma fenda de luz no teu olhar

 

Inventa-se em ti, quando ainda o éramos, inventa-se em ti a melodia da ribeira a contornar a ponte, e que vai galgando cada pedaço do teu corpo, para…

Anos mais tarde,

Chegar finalmente ao mar.

 

O beijo

 

Que foi. Que foi dos lamentos do que ainda somos, por engano, almas esfomeadas, almas desventradas pela sombra, almas mortas, em corpo vivos, em corpos que buscam o prazer nos segredos do mar.

O beijo que era, ou será se foi, enquanto não o era até que soubemos que junto ao rio, até que soubemos que junto ao rio,

O beijo,

Que foi, deixou de o ser.

Hoje é um vadio ambulante, hipotecou todas as palavras numa livraria qualquer, e de beijo que foi,

Hoje,

É o beijo que será quando cair a noite sobre o que éramos; e ardeu neste pedaço de papel.

 

 

 

29/07/2023

Francisco

sexta-feira, 28 de julho de 2023

Boca-aberta

 

Um beijo que se liberta

Da maré madrugada

Um beijo em alerta

Sem saber que o nada

 

Dorme nos penedos junto ao mar

Um beijo de beijar

Um beijo que se liberta

Do poema amar

No poema com parte incerta

 

Um beijo de beijar

No beijo em desejo desejar

Um beijo que se liberta

Do beijo em descoberta

De beijar

Este boca-aberta

 

 

 

28/07/2023

segunda-feira, 24 de julho de 2023

Poema do desejo

 Às vezes

Às vezes penso em ti

E tantas vezes

Desejava abraçar-te novamente

Às vezes

Às vezes recordo-te quando dançavas sobre uma fina lâmina de alumínio

E ficava a olhar-te

E perdia-me nos teus braços

E perdia-me nos teus olhos

 

Às vezes

Às vezes eu desmaiava

Outras vezes

Em tantas vezes

Sonhava

Vomitava

 

Às vezes

Amava-te

E quando acordava a manhã em mim

Odiava-te

Às vezes

Às vezes esquecia-me de viver

De amar

Se ser

 

Às vezes

Às vezes apetecia-me beijar-te novamente

Pegar em ti

E dançar sobre o vento

Às vezes

Às vezes apetecia-me querer-te

Tanto

Mas depois

Começo a odiar-te

 

Às vezes

Às vezes penso

Penso

Se não seria melhor voltar a abraçar-te

Voltar a olhar os teus olhos

Beijar os teus lábios

E depois

Depois deitar-me junto ao mar

E esperar que o vento escreva em mim

O mais belo poema sobre o desejo.

 

 

 

24/07/2023

Do ausentado

 Neste resto de cidade

Onde as árvores brincam com o luar

E durante o dia

São palavras do mar

São palavras em poesia

 

Deste ausentado

Com quase nada na mão

Deste pobre poeta

E coitado

Em contramão

Que não sente

 

A vida

Pela sombra da tristeza

Desta cidade abandonada

Na dor e na paixão

E na beleza

 

Neste resto de cidade

Onde se perdeu o teu olhar

Não é a minha cidade

E nunca será o meu mar

 

E o tolo

Porque é tolo

Habita neste resto de cidade

Onde as árvores brincam com o luar

E o poeta ausentado

Suicida-se no mar.

 

 

 

24/07/2023

sábado, 22 de julho de 2023

Todas as flores

 

Sei lá o que eu faria se ficasse sozinho no mundo…

Talvez logo pela manhã me vestisse de Primavera,

De azul-Primavera,

Depois,

À tarde,

Vendesse uns livros à solidão,

Alguns desenhos ao pôr-do-sol…

Escrevia,

Escrevia versos a todas as flores, homens, mulheres e crianças,

Tomava banho,

Desfazia a barba,

E voava sobre o último silêncio que restou,

 

Sei lá o que eu faria se ficasse sozinho no mundo…

Talvez me disfarçasse de só,

De abelha,

De motor a quatro tempos…

Ou mesmo,

Ou mesmo de Cinderela,

 

Sei lá, eu,

O que faria,

Sei lá eu o que faria se ficasse sozinho no mundo…

Talvez me pintasse de mar,

E me deitasse,

E me deitasse junto a todas as flores,

 

A vivas,

E as mortas.

Todas as flores,

Todas.

 

 

22/07/2023