Nesta cidade portuária
Perco-me abraçado aos
barcos
Sucata
Barata sucata
Amontoado de aço
Abraçadeiras de sombra
Parafusos de saudade
Desta cidade
Portuária apenas no nome
Que não come
Que tem fome
Que fode
Todos os nomes,
Alvorada.
O barco masturba-se nos
silicatos invisíveis do prazer
E uma árvore morre
É porque lhe roubaram o
tesão
A saudade
As palavras com que
escrevia
Não escreve
Agora voa
Agora,
O que seria
Se ele fosse aquilo que
sentia
Que muitas vezes
Às vezes
Sofria
Chorava pequenas lâminas
de aço
Aparas
Simples aparas
Esquecidas na plaina,
Nesta cidade portuária
Perco-me abraçado aos
barcos
Sucata
Barata sucata
Amontoado de aço
Abraçadeiras de sombra
Parafusos de saudade
Desta cidade,
Estes meus barcos
Sucata
Aço disfarçado de sono
E se o senhor te perguntar
quantos anos tens…
Tenho cinco,
Quantos anos tens,
menino?
Seis…
E com as duas mãos
Desenhava o número seis
num qualquer quintal da saudade,
Morriam, aos poucos, os
barcos,
De sucata em sucata
Via aqui o fígado do meu
barco (A)
Um pouco à frente
Junto a uma curva
Lá estava ele
O estômago do meu barco
(X)
E assim vou
E assim ando
Em contagem
Dos órgãos e ossos
De todos os meus barcos
perdidos,
Nesta cidade portuária
Perco-me abraçado aos
barcos
Sucata
Barata sucata
Amontoado de aço
Abraçadeiras de sombra
Parafusos de saudade
Desta cidade.
(e todos os dias, me
morrem barcos).
Alijó, 06/08/2023
Francisco Luís Fontinha