sábado, 5 de fevereiro de 2022

Lágrimas do mar

 

Voa…

Liberta-te das palavras

Enquanto dorme o luar.

Voa…

Desenha a tua sombra

Nas lágrimas do mar.

Voa…

Do rio à montanha,

Enquanto a montanha não sabe chorar.

E se queres voar,

Voa…

Voa… sem medo de amar.

 

 

Alijó, 05/02/2022

Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

Árvore feiticeira

 

Dentro de ti, a silenciada espada do amanhecer, os solstícios do desejo, quando acorda o luar e, sem o perceberes, lança-te às estonteantes palavras que semeio na alvorada. Uma das portas de entrada, aquela em que é visível a madrugada, voa sobre o infinito céu um pedacinho de nada, do outro lado do quintal, nas traseiras junto ao muro, habita o poço desprovido de luz, apenas mais um buraco, como tantos outros; negro.

O poço negro acorda. Ergue-se e, depois da sua higiene diária, toma o pequeno-almoço nas sombras da tela pintada na noite anterior. Do pincelado negro, observa-se na tela um pedacinho de saudade, não muita, mas percebe-se que está lá; assim seja, como todos os poemas excluídos do grande livro, como todas as abelhas, extintas na neblina.

Dentro de ti, as paisagens imaginadas numa noite sem sono, dentro de ti, todas as alvoradas que estão para nascer, que vão nascer, como se fossem mais um filho, como se fossem mais uma desculpa para adormecer.

E, no silêncio desejo, acorda o abraço. O ingreme corpo, que te pertence, saltitando entre a pilha de livros, junto à janela, e a árvore feiticeira, aquela onde brincam, durante a noite, os teus gemidos.

Desce sobre nós o infinito e, de régua e esquadro, o homem de bata branca traça pequenos triângulos, rectângulos e círculos de luz.

Um dia, um dia percebi que tinha sobre mim um círculo com olhos verdes; porquê verdes? Porque sim, apenas.

Era um calmeirão de um círculo, trazia na algibeira uma pequena caixa de fósforos e um cinzeiro, depois, muito mais tarde, percebi que ele era eu; hoje.

Vivíamos junto ao aeroporto. Logo que abri os olhos, depois de estar em casa, habituei-me a olhar os pássaros que logo em seguida poisavam numa pista inventada pelo sono: porque choras!

Dentro de ti, as pequenas parcelas sombreadas de um velho espantalho, sentado no meio do trigo e, quando vinham os pássaros, estes mesmos homens de trapos, vacilavam; não percebiam se deveriam disparar a espingarda do sono, ou correr em direcção a eles. Quase sempre, ou sempre, desistiam de viver.

Como desistem os gemidos que habitam na árvore feiticeira.

 

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 04/02/2022

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

O menino dos calções

 

Uma sílaba de silêncio desce a calçada, do outro lado da rua, em frente ao mar, dorme a saudade abraçada aos peixes inventados por um miúdo, apenas retractei os descosidos calções, porque quanto à restante vestimenta, nada mais a acrescentar, talvez uns sapatos rotos ou uma camisa descolorida, que para quem como eu, não sabe as cores, é indiferente.

Quando eu tinha a idade deste miúdo, construí um pássaro em cartão prensado. Passei três dias e três noites debaixo de uma mangueira, árduo trabalho para uma criança da minha idade e, depois de pronto, libertei-o; ao contrário de Ícaro, a minha obra de arte nem sequer conseguiu atravessar o musseque, despenhando-se junto a um pequeno charco de saudade. Mais tarde, percebi que precisava de aulas de Física, Matemática e Aerodinâmica.

Hoje, passo os dias a desenhar pássaros num pequeno caderno adquirido em Paris, no Louvre. Os pássaros são poemas envenenados pela tempestade, são pequenos silêncios na madrugada, mesmo assim, sabendo que após os ter desenhado eles levantam-se e vão para muito longe, é um dos meus prazeres; dar vida a rabiscos.

Deitava-me sobre a terra húmida. Olhava as estrelas e não percebia que o Universo é infinito, ou talvez não o seja, ou talvez quase finito, mas sabia que os pássaros que hoje desenho e as estrelas que olhava em menino, dormiam juntos.

Da terra, aos poucos, começaram a emergir pequenas bolas de fogo. Os meus pássaros, os primeiros que desenhei, começaram a voar em direcção ao mar. Fui ao galinheiro e libertei todas as pombas e galinhas, acabando por salvá-los da fogueira enviada por Deus: os pássaros, esses, arderam um pouco mais tarde. Cinzas que ainda hoje brincam nas ruas de uma cidade morta, desejosa por que acorde a madrugada.

Um dia acordará a madrugada e os meus pássaros serão livres como as flores que a minha mãe tinha no jardim. Como todos nós, deveríamos ser livres.

Ao pássaro que acabei de desenhar, vou apelidá-lo de “menino dos calções”.

 

 

 

Alijó, 03/02/2022

Francisco Luís Fontinha

Sombras de chorar

 

São cinzas,

São lágrimas,

São tristeza,

São os olhos do mar.

São palavra,

São a revolta,

São beleza,

São os poemas de amar.

 

São distância,

São cidade,

São a saudade,

São as canções de embalar.

São equação,

São o que são,

São,

São sorrisos luar.

 

São cinzas,

São lágrimas,

São tristeza,

São as telas de pintar.

São a música,

São a letra,

São a tempestade,

São as palavras a caminhar.

 

São a falsidade.

São promessas da montanha,

São vento,

São lâmina de barbear.

São azeitonas,

Uvas insignificantes,

São laranjas,

São sombras de chorar.

 

 

 

Alijó, 03/02/2022

Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

As palavras

 

Das palavras desertas

Às palavras cansadas,

Das palavras infinitas,

Ou comestíveis,

Das palavras abertas,

Às palavras famintas;

Ou todas as palavras invisíveis.

Das palavras envenenadas,

 

O oiro moiro da saudade.

Nas palavras amadas,

Às palavras sem vaidade,

Nas palavras mimadas,

Um pouco de verdade.

 

Das palavras deste livro em combustão

Às palavras sem nome,

Das palavras do coração,

Alheio à fome.

 

Das palavras em ti,

Em ti sentir o verbo amar,

Nas palavras que vi,

Que vi junto ao mar.

 

Das palavras testamentais,

Dos poemas em jornais,

Das palavras aos pardais,

Nas palavras que andais.

 

As palavras – que tombam ao som de uma espingarda.

Nas palavras amadas,

Às palavras sem guarda,

Estas minhas palavras,

Palavras cansadas.

 

 

Alijó, 1/02/2022

Francisco Luís Fontinha

domingo, 30 de janeiro de 2022

Abraço

 

Abraça-me,

Como se eu fosse uma pedra

Fundeada no mar.

Abraça-me,

Como se eu fosse uma ponte

Suspensa no ar.

Abraça-me,

Como se eu fosse uma janela

Para observares o luar.

Abraça-me,

Como se eu fosse um poema

Nos sonhos de sonhar.

Abraça-me,

Como se eu fosse uma flor

Nos teus lábios ao deitar.

 

Abraça-me,

Como se eu fosse uma pedra,

Ou uma pequena alma penada;

Porque deste corpo em guerra,

No final, não sobrará nada.

 

E de abraço em abraço,

De cidade em cidade,

Esqueço o cansaço,

Mas nunca, nunca esqueço a saudade.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 30/01/2022

sábado, 29 de janeiro de 2022

Uma velha e triste colmeia de vidro

 

Voávamos dentro de uma colmeia de vidro

Acorrentada ao silêncio;

Chovia torrencialmente e, todas as abelhas

Com medo da morte,

Liam poemas floridos.

Dançavam as palavras

Nas mãos da noite quase a acordar,

Como se fossem almas penadas,

Como se fossem almas de amar.

Voávamos do olhar menino,

Triste e, sem sorte.

Algum dia tinham que ler “os poemas perdidos”

Como quem lê a oração de mais um dia,

Ao deitar.

Tínhamos nos braços, a solidão,

Tínhamos o pão em migalhas,

 

Como um cadáver sem nome,

Que grita,

Que chora,

Que tem fome.

 

Tínhamos uma Nação,

Tínhamos um cão,

Um pássaro em combustão,

E tínhamos na mão,

 

Uma velha colmeia de vidro.

Voávamos e tínhamos…

As pedras de matar,

E tínhamos as árvores de morrer,

Ou de brincar.

Tínhamos vontade de avançar,

 

Correr, correr atá ao mar.

 

(Voávamos dentro de uma colmeia de vidro

Acorrentada ao silêncio;

Chovia torrencialmente e, todas as abelhas

Com medo da morte,

Liam poemas floridos.)

 

Poemas de matar,

Espingardas de escrever,

Poemas de amar,

Palavras de morrer.

 

Tínhamos na algibeira

As telhas de luz Luar,

Quando dançavam dentro de uma bandeira,

Tínhamos fome, tínhamos bombas e muitas palavras para disparar.

 

Morávamos numa velha aldeia,

Poemas cansados,

Poemas em suicídio,

Poemas de nada,

Poemas viciados,

Ou poemas de uma Nação,

 

Que grita.

Que tem fome.

Que não tem pão.

Dentro de uma colmeia de vidro,

Dois braços,

Dois corpos mutilados pela inflação…

 

E escrevíamos

Cartas à Nação.

 

Dentro desta colmeia de vidro,

Temos um corpo envenenado

Pelas canseiras da madrugada,

Tínhamos vinho,

Tínhamos uma enxada;

Tínhamos tudo e, não tínhamos nada.

 

Dentro desta colmeia de vidro,

O Natal é em Julho destino,

A Páscoa? A Páscoa celebra-se em Setembro,

Quando as flores dormem,

 

Quando as flores vivem,

Dentro desta colmeia de vidro…

 

Acreditando que amanhã,

Pela manhã,

Do teu corpo nasçam palavras a sério,

Palavras com lábios de abelha,

 

Palavras maradas,

Palavras desgovernadas sem perceberem,

Sem entenderem,

Que dentro de uma colmeia de vidro,

O silêncio é tudo;

E o poema é de borla; como todas as flores do teu jardim.

 

 

 

Alijó, 29/01/2022

Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

Poemas de adormecer

 

Deste dia terminado

Das palavras sem memória,

Deste poema cansado

E deitado em mim,

Esquecendo a estória,

A estória sem fim.

 

Deste dia terminado

Nos poemas de adormecer,

Deste dia o mar salgado

Correndo sem correr,

Neste dia terminado

Nos braços do amanhecer.

 

 

Alijó, 28/01/2022

Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

Silêncios ou quase nada

 

Abandonados braços

Que ninguém consegue apanhar,

São flores, são rosas, são cansaços,

Cansaços do além mar.

 

São Primaveras de um simples olhar,

Quando a manhã se ergue na alvorada

São palavras de encantar,

São palavras de nada.

 

Abandonados braços

Que ninguém consegue desenhar,

São gritos, são tumultos, são estilhaços,

Estilhaços de amar.

 

 

Alijó, 26/01/2022

Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 25 de janeiro de 2022

Poema sofrido

 

Não chores

Enquanto sopra o vento,

Porque nas tuas lágrimas choradas,

Dentro do poema sofrido,

Habitam almas cansadas,

Cansadas por terem morrido.

 

Não chores

Enquanto sopra o vento,

Porque nesta triste cidade,

Vive um pobre mendigo,

Mendigo de verdade:

Triste, só e arrependido…

 

 

 

Alijó, 25/01/2022

Francisco Luís Fontinha