Voa…
Liberta-te das palavras
Enquanto dorme o luar.
Voa…
Desenha a tua sombra
Nas lágrimas do mar.
Voa…
Do rio à montanha,
Enquanto a montanha não
sabe chorar.
E se queres voar,
Voa…
Voa… sem medo de amar.
Alijó, 05/02/2022
Francisco Luís Fontinha
Voa…
Liberta-te das palavras
Enquanto dorme o luar.
Voa…
Desenha a tua sombra
Nas lágrimas do mar.
Voa…
Do rio à montanha,
Enquanto a montanha não
sabe chorar.
E se queres voar,
Voa…
Voa… sem medo de amar.
Alijó, 05/02/2022
Francisco Luís Fontinha
Dentro de ti, a
silenciada espada do amanhecer, os solstícios do desejo, quando acorda o luar
e, sem o perceberes, lança-te às estonteantes palavras que semeio na alvorada.
Uma das portas de entrada, aquela em que é visível a madrugada, voa sobre o
infinito céu um pedacinho de nada, do outro lado do quintal, nas traseiras
junto ao muro, habita o poço desprovido de luz, apenas mais um buraco, como
tantos outros; negro.
O poço negro acorda.
Ergue-se e, depois da sua higiene diária, toma o pequeno-almoço nas sombras da
tela pintada na noite anterior. Do pincelado negro, observa-se na tela um
pedacinho de saudade, não muita, mas percebe-se que está lá; assim seja, como
todos os poemas excluídos do grande livro, como todas as abelhas, extintas na
neblina.
Dentro de ti, as
paisagens imaginadas numa noite sem sono, dentro de ti, todas as alvoradas que
estão para nascer, que vão nascer, como se fossem mais um filho, como se fossem
mais uma desculpa para adormecer.
E, no silêncio desejo,
acorda o abraço. O ingreme corpo, que te pertence, saltitando entre a pilha de
livros, junto à janela, e a árvore feiticeira, aquela onde brincam, durante a
noite, os teus gemidos.
Desce sobre nós o
infinito e, de régua e esquadro, o homem de bata branca traça pequenos
triângulos, rectângulos e círculos de luz.
Um dia, um dia percebi
que tinha sobre mim um círculo com olhos verdes; porquê verdes? Porque sim,
apenas.
Era um calmeirão de um
círculo, trazia na algibeira uma pequena caixa de fósforos e um cinzeiro,
depois, muito mais tarde, percebi que ele era eu; hoje.
Vivíamos junto ao
aeroporto. Logo que abri os olhos, depois de estar em casa, habituei-me a olhar
os pássaros que logo em seguida poisavam numa pista inventada pelo sono: porque
choras!
Dentro de ti, as pequenas
parcelas sombreadas de um velho espantalho, sentado no meio do trigo e, quando
vinham os pássaros, estes mesmos homens de trapos, vacilavam; não percebiam se
deveriam disparar a espingarda do sono, ou correr em direcção a eles. Quase sempre,
ou sempre, desistiam de viver.
Como desistem os gemidos
que habitam na árvore feiticeira.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 04/02/2022
Uma sílaba de silêncio
desce a calçada, do outro lado da rua, em frente ao mar, dorme a saudade
abraçada aos peixes inventados por um miúdo, apenas retractei os descosidos
calções, porque quanto à restante vestimenta, nada mais a acrescentar, talvez uns
sapatos rotos ou uma camisa descolorida, que para quem como eu, não sabe as
cores, é indiferente.
Quando eu tinha a idade
deste miúdo, construí um pássaro em cartão prensado. Passei três dias e três
noites debaixo de uma mangueira, árduo trabalho para uma criança da minha idade
e, depois de pronto, libertei-o; ao contrário de Ícaro, a minha obra de arte
nem sequer conseguiu atravessar o musseque, despenhando-se junto a um pequeno
charco de saudade. Mais tarde, percebi que precisava de aulas de Física, Matemática
e Aerodinâmica.
Hoje, passo os dias a
desenhar pássaros num pequeno caderno adquirido em Paris, no Louvre. Os pássaros
são poemas envenenados pela tempestade, são pequenos silêncios na madrugada,
mesmo assim, sabendo que após os ter desenhado eles levantam-se e vão para
muito longe, é um dos meus prazeres; dar vida a rabiscos.
Deitava-me sobre a terra
húmida. Olhava as estrelas e não percebia que o Universo é infinito, ou talvez
não o seja, ou talvez quase finito, mas sabia que os pássaros que hoje desenho
e as estrelas que olhava em menino, dormiam juntos.
Da terra, aos poucos,
começaram a emergir pequenas bolas de fogo. Os meus pássaros, os primeiros que desenhei,
começaram a voar em direcção ao mar. Fui ao galinheiro e libertei todas as
pombas e galinhas, acabando por salvá-los da fogueira enviada por Deus: os
pássaros, esses, arderam um pouco mais tarde. Cinzas que ainda hoje brincam nas
ruas de uma cidade morta, desejosa por que acorde a madrugada.
Um dia acordará a
madrugada e os meus pássaros serão livres como as flores que a minha mãe tinha
no jardim. Como todos nós, deveríamos ser livres.
Ao pássaro que acabei de
desenhar, vou apelidá-lo de “menino dos calções”.
Alijó, 03/02/2022
Francisco Luís Fontinha
São cinzas,
São lágrimas,
São tristeza,
São os olhos do mar.
São palavra,
São a revolta,
São beleza,
São os poemas de amar.
São distância,
São cidade,
São a saudade,
São as canções de
embalar.
São equação,
São o que são,
São,
São sorrisos luar.
São cinzas,
São lágrimas,
São tristeza,
São as telas de pintar.
São a música,
São a letra,
São a tempestade,
São as palavras a
caminhar.
São a falsidade.
São promessas da
montanha,
São vento,
São lâmina de barbear.
São azeitonas,
Uvas insignificantes,
São laranjas,
São sombras de chorar.
Alijó, 03/02/2022
Francisco Luís Fontinha
Das palavras desertas
Às palavras cansadas,
Das palavras infinitas,
Ou comestíveis,
Das palavras abertas,
Às palavras famintas;
Ou todas as palavras
invisíveis.
Das palavras envenenadas,
O oiro moiro da saudade.
Nas palavras amadas,
Às palavras sem vaidade,
Nas palavras mimadas,
Um pouco de verdade.
Das palavras deste livro
em combustão
Às palavras sem nome,
Das palavras do coração,
Alheio à fome.
Das palavras em ti,
Em ti sentir o verbo
amar,
Nas palavras que vi,
Que vi junto ao mar.
Das palavras
testamentais,
Dos poemas em jornais,
Das palavras aos pardais,
Nas palavras que andais.
As palavras – que tombam
ao som de uma espingarda.
Nas palavras amadas,
Às palavras sem guarda,
Estas minhas palavras,
Palavras cansadas.
Alijó, 1/02/2022
Francisco Luís Fontinha
Abraça-me,
Como se eu fosse uma
pedra
Fundeada no mar.
Abraça-me,
Como se eu fosse uma
ponte
Suspensa no ar.
Abraça-me,
Como se eu fosse uma
janela
Para observares o luar.
Abraça-me,
Como se eu fosse um poema
Nos sonhos de sonhar.
Abraça-me,
Como se eu fosse uma flor
Nos teus lábios ao
deitar.
Abraça-me,
Como se eu fosse uma pedra,
Ou uma pequena alma
penada;
Porque deste corpo em
guerra,
No final, não sobrará
nada.
E de abraço em abraço,
De cidade em cidade,
Esqueço o cansaço,
Mas nunca, nunca esqueço
a saudade.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 30/01/2022
Voávamos dentro de uma
colmeia de vidro
Acorrentada ao silêncio;
Chovia torrencialmente e,
todas as abelhas
Com medo da morte,
Liam poemas floridos.
Dançavam as palavras
Nas mãos da noite quase a
acordar,
Como se fossem almas penadas,
Como se fossem almas de amar.
Voávamos do olhar menino,
Triste e, sem sorte.
Algum dia tinham que ler “os
poemas perdidos”
Como quem lê a oração de
mais um dia,
Ao deitar.
Tínhamos nos braços, a
solidão,
Tínhamos o pão em
migalhas,
Como um cadáver sem nome,
Que grita,
Que chora,
Que tem fome.
Tínhamos uma Nação,
Tínhamos um cão,
Um pássaro em combustão,
E tínhamos na mão,
Uma velha colmeia de
vidro.
Voávamos e tínhamos…
As pedras de matar,
E tínhamos as árvores de
morrer,
Ou de brincar.
Tínhamos vontade de
avançar,
Correr, correr atá ao
mar.
(Voávamos dentro de uma
colmeia de vidro
Acorrentada ao silêncio;
Chovia torrencialmente e,
todas as abelhas
Com medo da morte,
Liam poemas floridos.)
Poemas de matar,
Espingardas de escrever,
Poemas de amar,
Palavras de morrer.
Tínhamos na algibeira
As telhas de luz Luar,
Quando dançavam dentro de
uma bandeira,
Tínhamos fome, tínhamos
bombas e muitas palavras para disparar.
Morávamos numa velha
aldeia,
Poemas cansados,
Poemas em suicídio,
Poemas de nada,
Poemas viciados,
Ou poemas de uma Nação,
Que grita.
Que tem fome.
Que não tem pão.
Dentro de uma colmeia de
vidro,
Dois braços,
Dois corpos mutilados
pela inflação…
E escrevíamos
Cartas à Nação.
Dentro desta colmeia de
vidro,
Temos um corpo envenenado
Pelas canseiras da
madrugada,
Tínhamos vinho,
Tínhamos uma enxada;
Tínhamos tudo e, não tínhamos
nada.
Dentro desta colmeia de
vidro,
O Natal é em Julho
destino,
A Páscoa? A Páscoa
celebra-se em Setembro,
Quando as flores dormem,
Quando as flores vivem,
Dentro desta colmeia de
vidro…
Acreditando que amanhã,
Pela manhã,
Do teu corpo nasçam
palavras a sério,
Palavras com lábios de
abelha,
Palavras maradas,
Palavras desgovernadas
sem perceberem,
Sem entenderem,
Que dentro de uma colmeia
de vidro,
O silêncio é tudo;
E o poema é de borla;
como todas as flores do teu jardim.
Alijó, 29/01/2022
Francisco Luís Fontinha
Deste dia terminado
Das palavras sem memória,
Deste poema cansado
E deitado em mim,
Esquecendo a estória,
A estória sem fim.
Deste dia terminado
Nos poemas de adormecer,
Deste dia o mar salgado
Correndo sem correr,
Neste dia terminado
Nos braços do amanhecer.
Alijó, 28/01/2022
Francisco Luís Fontinha
Abandonados braços
Que ninguém consegue
apanhar,
São flores, são rosas,
são cansaços,
Cansaços do além mar.
São Primaveras de um
simples olhar,
Quando a manhã se ergue
na alvorada
São palavras de encantar,
São palavras de nada.
Abandonados braços
Que ninguém consegue
desenhar,
São gritos, são tumultos,
são estilhaços,
Estilhaços de amar.
Alijó, 26/01/2022
Francisco Luís Fontinha
Não chores
Enquanto sopra o vento,
Porque nas tuas lágrimas
choradas,
Dentro do poema sofrido,
Habitam almas cansadas,
Cansadas por terem
morrido.
Não chores
Enquanto sopra o vento,
Porque nesta triste
cidade,
Vive um pobre mendigo,
Mendigo de verdade:
Triste, só e arrependido…
Alijó, 25/01/2022
Francisco Luís Fontinha