Dentro de ti, a
silenciada espada do amanhecer, os solstícios do desejo, quando acorda o luar
e, sem o perceberes, lança-te às estonteantes palavras que semeio na alvorada.
Uma das portas de entrada, aquela em que é visível a madrugada, voa sobre o
infinito céu um pedacinho de nada, do outro lado do quintal, nas traseiras
junto ao muro, habita o poço desprovido de luz, apenas mais um buraco, como
tantos outros; negro.
O poço negro acorda.
Ergue-se e, depois da sua higiene diária, toma o pequeno-almoço nas sombras da
tela pintada na noite anterior. Do pincelado negro, observa-se na tela um
pedacinho de saudade, não muita, mas percebe-se que está lá; assim seja, como
todos os poemas excluídos do grande livro, como todas as abelhas, extintas na
neblina.
Dentro de ti, as
paisagens imaginadas numa noite sem sono, dentro de ti, todas as alvoradas que
estão para nascer, que vão nascer, como se fossem mais um filho, como se fossem
mais uma desculpa para adormecer.
E, no silêncio desejo,
acorda o abraço. O ingreme corpo, que te pertence, saltitando entre a pilha de
livros, junto à janela, e a árvore feiticeira, aquela onde brincam, durante a
noite, os teus gemidos.
Desce sobre nós o
infinito e, de régua e esquadro, o homem de bata branca traça pequenos
triângulos, rectângulos e círculos de luz.
Um dia, um dia percebi
que tinha sobre mim um círculo com olhos verdes; porquê verdes? Porque sim,
apenas.
Era um calmeirão de um
círculo, trazia na algibeira uma pequena caixa de fósforos e um cinzeiro,
depois, muito mais tarde, percebi que ele era eu; hoje.
Vivíamos junto ao
aeroporto. Logo que abri os olhos, depois de estar em casa, habituei-me a olhar
os pássaros que logo em seguida poisavam numa pista inventada pelo sono: porque
choras!
Dentro de ti, as pequenas
parcelas sombreadas de um velho espantalho, sentado no meio do trigo e, quando
vinham os pássaros, estes mesmos homens de trapos, vacilavam; não percebiam se
deveriam disparar a espingarda do sono, ou correr em direcção a eles. Quase sempre,
ou sempre, desistiam de viver.
Como desistem os gemidos
que habitam na árvore feiticeira.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 04/02/2022
Sem comentários:
Enviar um comentário