Fontinha - Outubro/2015
sexta-feira, 23 de outubro de 2015
A espada da paixão
Tínhamos
no peito a espada da paixão,
Este
corpo dilacerado nas cosmopolitas manhãs de incerteza,
O
medo de acreditar no amor, quando o amor morreu nos teus braços,
O
significado da palavra envenenada,
O
silêncio em viagem,
Sem
destino,
Correndo
para ao mar,
Peço
um desejo…
Amar-te
sem preconceito,
Não
o consigo, só, eu, absorvido na neblina da manhã,
Escrevendo
no capim as palavras proibidas,
Que
só o teu corpo sabe distinguir do sonho,
Tínhamos
no peito…
Os
gemidos dos Oceanos entre orgasmos e desenhos,
As
palavras de ninguém,
O
homem de vidro sobrevoando as mangueiras de um quintal imaginário,
E
hoje, e amanhã…
Somos
engolidos pelo desejado beijo.
Francisco
Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira,
23 de Outubro de 2015
quinta-feira, 22 de outubro de 2015
Sonhos de cordel
Se
o cubo de vidro se partir
Deixo
de ter Pátria (já não a tenho)
Identidade
Nome
Idade,
Se
o cubo de vidro se partir
Deixo
de ser eu
O
menino dos papagaios em papel
O
menino dos musseques
E
dos sonhos de cordel,
O
machimbombo apeado no meu peito
Sem
saber que o amor não pertence a este horário
Cidade
Sonho
Balneário
deserto recheado de corpos perfumados
E
plantas amarguradas,
Se
o cubo de vidro se partir
Deixo
de pertencer a ti
Montanha
enamorada
Planície
das sanzalas
Noite
sem madrugada…
Francisco
Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira,
22 de Outubro de 2015
quarta-feira, 21 de outubro de 2015
Sonhar
Perdido
neste sótão da saudade
Misturado
nos sonhos que fervilham nas palavras inventadas
Perdido
neste cubículo sonolento
Das
catacumbas madrugadas
Abraçado
ao vento
Sem
lamento
Quando
lá fora há um rio em lágrimas
Que
me procura
Com
ternura
E
esquecendo a vaidade
Perdido
neste inferno sem morada
Este
sótão… este sótão que se esconde na alvorada,
Este
sótão cansado
Como
um esqueleto de húmus invisível na tempestade
Perdido,
eu, nesse teu coração de migalhas
Sofrendo
porque vivendo sofrendo
Não
sei viver
Sofrendo
porque vivendo sofrendo
Não
sei amar
Escrever
Desenhar
Ser
o mar
Dançando
ao pôr-do-sol
Sem
perceber que estou a sonhar…
Francisco
Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira,
21 de Outubro de 2015
terça-feira, 20 de outubro de 2015
Sem cabeça
O
inferno estava próximo, do corredor entranhava-se no meu corpo o cheiro a
enxofre e a gajas nuas,
Menos
tabaco nesses cigarros…, gajas no inferno?
E
canteiros recheados de malmequeres, crisântemos e orquídeas selvagens,
imperfeito, o vidro estilhaçava-se, ficou sem cabeça, ficou sem coração, e
ficou com o medo misturado nos óbitos grãos de areia, ainda hoje acredito que
um objecto depois de crucificado… permaneça o mesmo objecto, mas com formas e
cheiros e desenhos…
Menos
tabaco, amigo, menos tabaco,
Diferentes,
tornam-se ausentes, tornam-se miúdos brincando no musseque, os charcos, o capim
descendo a rabina, o miúdo do bibe acreditava na liberdade, e é tão difícil ser-se
livre nesse País, tão difícil meu pai, tu sabes
Menos
tabaco, menos,
Tu
sabes que vivi encerrado entre quatro paredes invisíveis, tu sabes que vivi
entre três janelas sem vista para o mar, mas sentia-o no meu quarto,
Lembras-te,
filho? Os Domingos junto ao Porto e os barcos pareciam cancelas suspensas na
madrugada, lembras-te, filho? Os Coqueiros, as gaivotas comendo os Coqueiros, e
tudo apenas imagens a preto e branco do meu imaginário, porque, meu filho
Sim,
pai?
Lembras-te
do Mussulo?
Sim,
pai, sim… a areia recheada de lençóis brancos, a poeira do cansaço vomitando
languidas lâminas de azoto, e depois, e depois regressava a noite, dormias,
sonhavas, gritavas… e eu, eu sem dormir, comer,
Ao
longe, meu amigo, ao longe o inferno, as gajas, as nuas gajas junto à porta do
inferno,
Louco,
menos tabaco nesses cigarros, menos,
Ao
longe a agonia do fim de tarde agachado em cima de um telhado em zinco abraçado
a um livro, não sabia ler ainda, mas lia-o, absorvia-o, como hoje o faço, e não
sabia ler ainda,
E
tu, pai, e tu emprestavas-me os teus livros, e eu, eu dilacerava-me com o
cheiro do papel, com as letras, com as imagens, com as tuas palavras “estes livros
não são para a tua idade” como se houvesse idade para se manusear e cheirar e “foder”
um livro… vigava-me, riscava-os, tal como as paredes do corredor, riscos,
riscos, um livro entre gemidos, um livro em pleno orgasmo…
Aiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii…
Desaparecem
todas as palavras, o inferno estava próximo, do corredor entranhava-se no meu
corpo o cheiro a enxofre e a gajas nuas, pensei (estou em cais do Sodré) não,
não estava, nunca lá estive e nego-o, absolutamente,
Menos
tabacos nesses cigarros, menos
Aproximava-me,
lentamente a minha verticalidade diminuía, sentia-me um miúdo de bibe gritando,
berrando, “fodendo” livros com uma caneta de tinta permanente, e nada, até
hoje, nada, morreu ele, morri eu, morremos todos.
(ficção)
Francisco
Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira,
20 de Outubro de 2015
Palavras rasgadas
Quem
éramos que hoje não somos o que éramos!
Quem
somos, hoje, aqui, quando ontem éramos apenas alguns pedacinhos de vidro, sós,
tristes, emagrecidos, algures numa cidade, perdidos, esquecidos…
Quem
éramos que hoje não somos,
O
que éramos, o que fomos,
Nada,
Pó,
Poeira
enlatada,
Porcaria,
Caldeirada,
Palavras
rasgadas,
Éramos,
Não
o somos mais…
O
que éramos,
O
que fomos,
Talvez
um dia seremos…
Restos
de jornais,
Amantes,
Não
amantes,
Jamais…
Porque
nunca seremos o que éramos,
Porque
somos aquilo que nunca fomos
E
nem quisemos ser,
A
dor,
O
prazer,
A
cama,
O
teu corpo,
Era,
E
hoje recordamos o que éramos…
Francisco
Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira,
20 de Outubro de 2015
segunda-feira, 19 de outubro de 2015
A ténue solidão
(Liberdade
para Luaty Beirão e seus companheiros)
O
amor encastrado nos teus lábios,
Os
olhos vomitando lágrimas nos rochedos cansados,
O
triste olhar das madrugadas,
Que
só as gaivotas conseguem perceber,
As
tuas minhas palavras,
Sem
vontade de as escrever,
Sentido,
Sonhando,
Não
saber
Sabendo
Que
o teu corpo mergulha na cânfora manha acorrentada,
Uma
lápide,
Sem
nome
Sem
nada…
Não
quero a textura do aço
Quando
sou chamado à noite sem razão,
Grito,
Sofro,
E
abraço
A
ténue solidão…
Francisco
Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira,
19 de Outubro de 2015
domingo, 18 de outubro de 2015
O medo da paixão
Fontinha
– Outubro/2015
Ontem
tinha medo do escuro,
Meu
amor,
Hoje
tenho medo da paixão,
Dos
pássaros mais tristes que habitam o meu jardim,
Ontem,
ontem não,
Meu
amor,
Hoje
tenho medo das pedras, porque não falam,
Porque,
também elas, tal como eu,
Não
amam,
Nem
choram,
Ontem
sentia na minha mão o cansaço da vida,
A
não alegria de viver,
Fingia
a partida,
Fingia
amar sem saber que fingia…
Fingir
que não sofria,
Hoje,
meu amor,
Hoje
tenho medo da paixão…
Sofrida,
Vencida,
Porque
ontem tinha medo,
Medo
do medo,
Mas
hoje, meu amor,
Hoje
aprisionei o medo num cubo de vidro,
Vejo-o,
toco-lhe nas faces…
Mas
ele deixou de pertencer aos vivos…
E
é apenas uma palavra sem significado.
Francisco
Luís Fontinha – Algures fora de Alijó
Sábado,
17 de Outubro de 2015
sexta-feira, 16 de outubro de 2015
Os livros e as palavras
Tínhamos
no corpo o sorriso do desejo,
Tínhamos
no peito as espadas do prazer cravadas,
Sentíamos
a dor dos beijos na escuridão,
Sentíamos
as lágrimas das madrugadas,
Acordados…
e em vão,
Tínhamos
os livros e as palavras,
As
gotículas de suor quando o sol poisava sobre nós,
Ao
final da tarde,
Gemíamos
a cada verso declamado,
Sentíamos
o peso das pálpebras quando abríamos a janela…
E
o rio abraçava-nos como se fossemos duas crianças inventadas,
Brincando
junto ao mar…
Francisco
Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira,
16 de Outubro de 2015
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