terça-feira, 1 de abril de 2014

neblina de medo


há uma neblina cinzenta poisada no cansaço dos dias
emagrecem as horas e os minutos e os segundos
há uma imagem prateada com sabor a calendário submerso na solidão
os dias não são dias
e das noites
ouvem-se as tempestades indesejáveis do silêncio

há uma parede mergulhada nas tuas veias de cigarros envenenados
e oiço as tuas palavras ensanguentadas de dor
flores são pedaços de poema com asas de papel
gaivotas mórbidas que invadem as sílabas do sofrimento
há uma neblina de medo
e ele e ele é a tua âncora de xisto em fatias de néon que a cidade absorve


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 1 de Abril de 2014

Gaivota clandestina


Percebo a insónia tua quando abres a janela do desejo, e voas, e evaporas-te como uma gaivota clandestina, sem nome, apenas... só,
percebo nos teus olhos a tristeza das tuas lágrimas, livres como a Primavera, e voas, e só...
sinto em ti o cansaço do corpo que espera o clarear da madrugada,
oiço a tua voz de cristal... e sei, e sei que habitas na minha mão,
escrevo no teu rosto as palavras não escritas, as palavras invisíveis... e só, só...
percebo que na tua voz existe melancolia, amargura, livros, livros em pedaços de lume,
percebo que há pétalas coloridas, e que há outras tão negras, negras... tão negras como a noite,
tão negras como os teus cabelos em silêncio... e só, e só, que tudo percebo.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 1 de Abril de 2014

segunda-feira, 31 de março de 2014

Papeis de estanho


Tenho medo de ti, quando me espreitas da janela da solidão,
percebo que estás frágil, inconformado, ausente das minhas mãos de chocolate,
fumo-te sabendo que habitas nos meus olhos de cascalho...
sou triste quando os teus lábios dormem nos meus lábios,
e invento papeis de estanho para esconder as minhas lágrimas.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 31 de Março de 2014

domingo, 30 de março de 2014

Bocas famintas

foto de: A&M ART and Photos

Sou absorvido pelos tentáculos da insónia,
dou-me conta da noite triste,
confusa, e só...
pertenço às paredes límpidas da solidão fantasma, às vezes, ela, veste-se de livro,
e dorme na minha mão disfarçada de rocha ensanguentada com dentes de leão,
outras, ela parece o cortinado inanimado da minha janela sem fotografia para o mar,

Sou absorvido por barcos longínquos das tardes de cacimbo,
sou o portão de entrada do quintal imaginário rodeado de mangueiras e sombras,
oiço o sorriso do embondeiro a sobrevoar o meu olhar, e sei que estou vivo porque alguém pega na minha mão de menino e diz-me que sou filho do Oceano,
sou absorvido por tudo e por nada,
pelas palavras, e pelas montanhas, e pelas ardósias envergonhadas do desejo,
sou... pelos tentáculos da insónia,

E.. e dos beijos,
sou um cadáver sem nome,
e enquanto era absorvido... sei lá por quem eu era absorvido!
mãos, pernas, braços, caricias, loucas caricias de mãos desconhecidas,
e no entanto, ainda pertenço aos indefinidos corações de incenso com borboletas cinzentas...
e bocas, absorvido por bocas famintas.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 30 de Março de 2014

Esconderijo da solidão

foto de: A&M ART and Photos

Sacias-te na minha sede mergulhada em perfumados cachimbos de prata,
encontras em mim a doce corrente do aço clandestino da saudade,
sei que existo porque escrevo-te palavras, vãs palavras que o tempo come, e alimentam as tempestades da dor,
sacias-te em mim como se eu fosse um marinheiro escondido na escuridão da cidade,
procurando engate, procurando o prazer sem o prazer... no inanimado mundo da morte,
procurando mãos silenciosas para argamassarem o meu corpo aos cais do desgosto,
e sinto-me uma ténue folha de papel esquecida no teu ventre,
sacias-te nos meus olhos, e cerro-os para me ausentar de ti,
palavra, palavra do engano que sente o sofrimento,
e... dizes-me que todas elas são inconstantes equações trigonométricas,
cansadas,
tão cansadas como as tuas mãos poisadas no meu rosto de lata...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 30 de Março de 2014