quarta-feira, 27 de setembro de 2023

Solstício

 Meu pequeno solstício do desejo

Meu poema

Minha oração cansada

Quando deitada

Nesta cama

 

Sem perceber

Se um dia ao acordar

Também acordará a poesia

A mentira fictícia da ausência

Entre o sonho e o mar

Entre o mar

E o dia

 

E o dia em clemência

Pedindo

Ordenando que acorde também a noite

Quando um pedaço de tudo

Se ri de mim

E rindo

Também me rio também me amar

Do mar eu

Ao teu nosso mar

 

Meu pequeno solstício do desejo

Meu poema

Minha oração cansada

Quando deitada

Nesta cama

 

Dos livros nossos livros

Das nossas flores

Flores nossas mãos entrelaçadas

Ao lençol de neblina

Que cobre a tua pele

Do linho amargo ao silêncio-pastel

Deitado na tela

Deitado no teu ventre.

 

 

27/09/2023

Sonho desejar-te no sonho

 Sonho-te em constante amar-te desejo

Sonho-te inventando noites sem dormir

Sonho-te desejando-te desejar-te

Nos meus braços

Ao lado do meu livro de poemas,

 

Sonho-te em constante amor-beijo

Que brinca nos caniçais

Que brinca na tua sombra

De sonhar-te amar e amar desejando

Que também tu me sonhes,

 

Que também tu me desejes desejando

Que me sonhas

Que me desejas nos teus secretos sonhos

Sonho-te na vergonha do poema

Quando ele acredita que te sonha,

 

Que também ele te deseja tanto ou mais do que eu…

Sonhando-te

Desejando-te

Neste sonho em papel

Deste sonho mergulhado na ausência,

 

Sonho-te enquanto te sonho

Que te beijo

E desenho na tua boca

O silêncio nocturno dos pássaros sem nome…

Que te sonho tanto… que te sonho tanto e fico com fome.

 

 

27/09/2023

Purpurinas

 Escondes no olhar

As purpurinas palavras de escrever

Do silêncio da manhã sem poesia

Escondes na mão o mar

Que não se cansa de viver

Viver a cada dia,

 

Escondes no olhar

A alegria que acorda no amanhecer

Enquanto no teu cabelo de vento

Um pedaço de luar

Está desesperado e com medo de morrer…

Quando a morte é apenas um verbo sem tempo

 

E sem tempo de acontecer,

Escondes no olhar

A tristeza que avassala a sanzala com lábios de amar

Escondes no olhar o medo de viver

Junto ao rio que pincela o luar

Junto ao rio de amar…

Com o medo de tudo perder.

 

 

27/09/2023

terça-feira, 26 de setembro de 2023

Grito

 Eu aqui

Sentado

Preocupado com a vidinha

… e milhões de crianças

MORREM

Eu aqui sentado

Fumando

Bebendo

Bebendo o que fumo

E fumando o que bebo

O que não bebo

E o que já bebi

Escrevendo merdas

Lendo merdas de engenharia

E chateado

Quase em combustão

Eu aqui

Sentado

… e milhões de crianças

MORREM

Como se fossem um apagão

 

Uma fogueira em desordem

Um Deus que olha milhões de crianças que…

MORREM

E ele

Feliz

Como eu

Fumando

Bebendo

Bebendo o que fuma

E fumando o que bebe

O que não bebe

E o que já bebeu

Coitado de Deus

Coitado

Está velho

Como eu

 

Eu aqui

Sentado

Escrevendo de perna cruzada

Fumando

Bebendo

Olhando pela janela

E nada

Ninguém

Um tremor de terra

Ou uma explosão

Puro silêncio

Virgem

Como a lã

 

Aqui eu

Cá estou eu

Sentado

Escrevendo

Bebendo

Fumando…

… e milhões de crianças

MORREM

Desaparecem como mortalhas em dias de neblina

 

Sentado

Eu aqui

Por aí

Porque sim

Escrevendo

Lendo

Bebendo

E fumando

As palavras

Depois as letras

E finalmente

Enrolo toda a pontuação

E vou-me

Vou-me para S. Martinho do porto

Com a minha amada

 

Eu aqui

Sentado

Preocupado com a vidinha

… e milhões de crianças

MORREM

Eu aqui sentado

Fumando

Bebendo

Bebendo o que fumo

E fumando o que bebo

O que não bebo

E o que já bebi

E de todas as coisas visíveis e invisíveis

Ele acorda

Abre os olhos

Olha-me…

- Foda-se

Escrevendo

Pintando

Fumando

Desenhando o que pinto

Às vezes

Pintando o que bebo

E bebo

Tudo aquilo que escrevi…

(É com cada moca)

Coitado

Coitado dele

Está velho

A ficar doido

Sem cabelo

Coitado de Deus

Coitado

 

Preocupados com a vidinha

… e milhões de crianças

MORREM

 

 

26/09/2023

Flor de lótus

 Ofereço-te esta flor de lótus

Que acordou do poema

Ofereço-te um beijo

Que mergulhou no poema

E viaja em direcção ao mar

Ofereço-te a minha mão

Que pega no teu cabelo

Onde escondes a flor de lótus

Que eu te ofereci

 

Ofereço-te poesia

Ofereço-te palavras

E as tristezas do dia

E as tristes madrugadas

 

Ofereço-te esta flor de lótus

Como palavra ou confissão ou oração

Enquanto procuro nos teus lábios

Os segredos do luar

E as sombras da noite

Que te atormentam

E te ofereço

Esta flor de lótus

 

Ofereço-te esta flor de lótus

Que acordou do poema

Ofereço-te um beijo

Que mergulhou no poema

E viaja em direcção ao mar

Como se fosse uma lágrima

Não de uma lágrima de chorar…

Como se fosse uma lágrima de amar

Este porto transatlântico sem nome

E que transporto nos ombros.

Por tudo. Ofereço-te esta flor de lótus. E um punhado de fome.

 

 

26/09/2023

Cinzento silêncio

 Abraço-te com os meus braços de cinzento silêncio

Beijo-te com os meus lábios de mar encarnado

Pego na tua mão

E dançamos sobre a espuma do desejo

Abraço-te e beijo-te

Enquanto um pedaço de dia

Se perde na tua mão

Abraço-te com os meus braços de invisível paixão

Enquanto respiras ofegante

Dos cigarros que fumamos

Dos cigarros e lançamos sobre a espuma dos dias

Beijo-te e beijo o teu ombro

Onde brinca uma sanzala de prata

Com perfume de infância

Abraço-te com os meus braços de cinzento silêncio

Pássaro nocturno

Estrela Polar dos meus olhos…

E beijo-te e beijo os teus seios…

Antes que regresse o primeiro vagão da manhã

E com ele

A tristeza

 

 

 

26/09/2023

Despedida

 Despeço-me dos teus olhos

Sem saber se os voltarei a desenhar

Nos lábios da manhã,

Despeço-me dos teus lábios

Sem saber se os meus lábios,

Um dia.

Sem saber se os meus lábios um dia vão escrever nos teus lábios…

Amo-te.

 

 

26/09/2023