domingo, 11 de junho de 2023

Silêncio tarde

 Desenho-te na sombra deste lápis

Desenho-te na tarde em silêncio

Do silêncio em tarde…

Até que regressa a noite

E na noite

Desenho-te na sombra deste lápis.

 

Desenho-te no silêncio em tarde

Desta tarde que se despede

Do desenho

E de ti…

E de mim, finalmente em tarde.

 

Desenho-te na sombra deste lápis

Que no silêncio lápis

Entre sombras gradeadas…

Desenho-te apressadamente

Antes que esta tarde acabe…

E que de tarde em tarde

Nasça uma outra tarde…

Enquanto eu…

Enquanto e te desenho na sombra deste lápis em silêncio tarde,

 

 

 

Francisco Luis Fontinha

11/06/2023


 

Lágrima de esperança

 Pincelo os teus seios de cor silêncio

E escrevo nos teus seios

Com os meus lábios

Amo-te,

 

Pincelo os teus seios com um pedacinho de pigmento

Em desejo

Enquanto o vento

Depois do beijo…

Me abraça na espuma deste mar revolto,

 

Pincelo os teus seios de cor amêndoa

E semeio neles as primeiras palavras da manhã

E percebo que nos teus seios

Há uma criança

E percebo que nos teus seios…

Há uma lágrima de esperança.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

11/06/2023


 Um dia, qualquer dia, tanto faz…

Não tenho pressa de partir,

Um dia, qualquer dia, tanto faz…

Um dia as acácias da minha infância deixarão de chorar,

E nesse dia de qualquer dia,

Eu,

Eu possa vestir-me de mar…

 

FL

11/06/2023

Janela

 

Da minha janela,

Da minha janela deixei de ver o mar;

Não me importo…

Aos poucos comecei a odiar o mar…

E odeio a minha janela.

 

Da minha janela,

Da minha janela ouvia os pássaros,

Hoje,

Hoje nem sequer tenho uma janela…

Hoje nem sequer sei o que são pássaros.

 

E hoje,

Hoje nem sequer me tenho a mim.

Da minha janela recebia o dia,

Umas vezes vestido de poesia…

Outras vezes,

Muitas vezes…

Abraçado à madrugada,

Hoje,

Hoje nem recebo o dia,

E tão pouco… sei o que é a madrugada,

E a minha poesia é uma merda,

Tal como a minha janela…

São pedacinhos de nada,

São pedacinhos de tudo nas mãos de uma caravela.

 

Da minha janela,

Coitada da minha janela…

Tal como eu, um tolo perdido na alvorada…

E tenho pena dela,

Da minha janela,

E tenho pena de mim,

De mim…

Sem janela com vista para o mar.

 

 

Francisco Luís Fontinha

11/06/2023

sábado, 10 de junho de 2023

As estrelas das minhas mãos

 

Vou por aí, andando e pensando, quando me dizem que não devia pensar, porque um tolo não pensa, porque quem pensa, é um tolo pensante…

Vou, vou andando e por aí… ao som de Black Magic Women,

Vou por aí, andando e pensando, pensando e voando… e enquanto voo, eu penso, penso que se não existisse a gravidade, que se diga, não era grave, no entanto, eu penso,

Que não precisava de asas para voar, não, nada disso, penso que…

Em tanta coisa que penso,

Mas penso.

E que sim, que avencem as tropas de Santarém em direcção ao Terreiro do Paço,

Sentava-me e pensava, e contava todos os cacilheiros que invadiam os meus olhos, meu Deus, eram tantos e tantas…

Para a frente,

E para trás,

Uns eram cegos, outros eram lindos… e outras,

Outras pareciam uma pequena bolha numa mísera folha de alumio, no entanto, muito depois, o AL, perceba-se, símbolo químico do alumínio, em criança…

Sabíamos na ponta da língua qual era o símbolo químico da navalha,

K2ou3,

As tropas de Santarém estão a fazer a aproximação ao Terreiro do paço, e eu, e eu aqui sentado em frente ao Terreiro do Paço, como se fosse uma criança com cabelos compridos e loiros…

Nada de bom tenho, pensava, do pouco que me sobeja, não me sinto… digamos, discriminado,

Tenho mais sonhos sonhados do que a maioria de todos estes cacilheiros, e mesmo assim, querem que eu seja…

Deus.

Raio.

E se Deus quiser, um dia, qualquer dia, tanto me faz… o dia, desde que seja de noite, com luar, sem luar…

As tropas começam a desenhar sorrisos nos lábios da noite, eu tinha ficado por aquelas bandas, talvez tivesse adormecido num qualquer banco de jardim, não seria a primeira vez,

E a bolha, como os cacilheiros, dançava nas mãos de uma criança, que não gostava que as acácias chorassem,

Mas elas, teimosamente,

Choravam.

Vou por aí, andando e pensando, quando me dizem que não devia pensar, porque um tolo não pensa, porque quem pensa, é um tolo pensante…

E tanto as tropas como eu, estávamos a cagarmo-nos para o tolo, se pensava ou não pensava, se fodia ou não fodia, e a maior parte das vezes, era fodido,

Escrevia cartas durante a noite, para a noite. Eles e elas e os cacilheiros…

Indiferentes que eu tivesse dormido num banco de jardim.

Erguia-me, olhava-me no espelho da manhã, desenhava com um lápis de cor um pequeno sorriso na mão, e voava…

Quando nos teus braços, já as tropas de Santarém colocavam as algemas nos teus lábios,

Um baixote, muito baixo e muito gordo, que agora é proibido de dizer e de escrever,

Mas claro, eles querem que eu me foda, e claro também, eu, eu quero que eles se fodam,

Nomeadamente quando esse mesmo baixinho e gordo das tropas de Santarém informa a madrugada,

Alô, comando territorial do sono,

Lisboa é nossa.

Bravo, bravo…

Que sim. Que felizes eles estavam…

E eu, dormia num banco de um qualquer jardim da cidade dos sonhos.

Abraçava o Tejo, o Tejo abraçava-me, e sabíamos que numa qualquer manhã daquela Primavera… morreria a insónia.

Por aqui, cacilheiro número três mil e oitocentos, calça quarenta e quatro,

E na boca,

Na boca esconde um pedaço de sargaço.

Somos muitos, ouvia-os, e mesmo assim, não aconteceu nada…

Vou por aí, outras vezes por aqui, e de tolo em tolo, tínhamos tomado a cidade dos sonhos e toda a cidade era apenas nossa,

Não acreditava em janelas, não acredito em Deus,

E às vezes, converso com Deus…

E que não devia pensar, e que sou um tolo pensante, penso,

Penso como apareceu toda a matéria do Universo, toda ela concentrada num pequeno espaço como o da cabeça de um alfinete, e claro, eu acredito…

Eu acredito.

No entanto, o tolo que pensa, pensa

Quem colocou toda a matéria do Universo dentro daquele pequenino espaço do tamanho do da cabeça de um alfinete?

Claro que não foi Deus, porque naquela altura, certamente

Andaria muito ocupado.

Mas penso.

E admitindo que numa qualquer tarde, enquanto Deus se deliciava com o seu cigarro, ele, ele resolvesse colocar nesse mesmo pequenino espaço do tamanho do da cabeça de um alfinete,

Toda a matéria,

Será?

E toda a matéria, de onde veio?

Das mãos das tropas de Santarém que agora mesmo tomaram Lisboa aos cacilheiros,

Que porra.

O alfinete de tanto esperar, dizem que Deus é tão perfeito e ao mesmo tempo,

Muito vagaroso,

Diferente

De preguiçoso,

O desgraçado do alfinete, espirrou… um grande espirro…

E voilà,

E definitivamente

É criado o Universo,

Há bebidas grátis, há porco no espeto…

Claro que as coisas menores,

Aos poucos,

Foram crescendo no arvoredo da tarde.

Por aqui, por aí,

Os tolos que pensam, são os mesmos tolos que Deus enviou para Marte.

E até hoje,

Ainda não regressaram, nem regressarão mais.

Para concluir, senhor professor, diria que toda a matéria que existe no Universo veio do nada,

Portanto,

Do nada,

Um pouco de anda,

Poderá nascer tudo,

Acredita nisso, Francisco?

Acredito, professor, acredito…

E há quem duvida de toda a beleza criada por Deus…

E há quem duvide da existência de Deus.

 

 

 

 

Francisco Luís

Terreiro Paço, 10/06/1013

(ficção)

Lápide de sono

 

Entre os parêntesis da manhã

Peço a Deus que me abrace

E desenhe no meu simplório olhar

Uma pequena lápide de sono

Uma lápide quase invisível

Com letras negras

Negras e muito pequeninas

Bem negras e bem pequeninas…

Nasceu a…

Faleceu a…

 

Depois

Depois peço a Deus que escreva nos meus lábios

O silêncio da noite envenenada…

Peço a Deus que não me traga a madrugada

Não

Hoje não me apetece ter a madrugada,

 

Entre os parêntesis da manhã

Peço a Deus que me abrace

Nem que seja um fictício abraço

Quase invisível

Quase… quase nada,

 

Depois de pedir a Deus tanta coisa

Das poucas coisas que tenho

E de ele saber que eu não acredito em Deus…

Ele ri-se…

Ri-se da minha ignorância

Do gajo nada

Pedir tudo

Quando o tudo não existe

E é apenas uma equação

Na espuma dos dias

Quando os dias… são o nada

E o nada…

São estes pequenos dias.

 

 

 

Francisco

10/06/2023