sábado, 27 de maio de 2023

Primavera

 

Se o vento soubesse

Não te levava

Se o vento gostasse de mim

Não te deixava

Se o vento soubesse

Não dizia à chuva

Que a Primavera vai regressar

 

Para que eu quero a Primavera

Se as andorinhas morrem de silêncio

E as flores

À minha passagem

Desmaiam

Ficam negras

Sem voz

 

Se o vento soubesse

Não me dizia que a Primavera vai regressar

E com ela

As árvores ficam tão tristes

Com flor

Com fruto

Se o vento soubesse

Não me dizia que a Primavera vai regressar

 

Se o vento soubesse

Não me dava palavras para escrever…

Nem a Primavera

E as flores ficam lindas

E os pássaros apaixonados

Mas eu detesto as flores

E detesto os pássaros

 

Se o vento soubesse

Desenhava na tua lápide a Primavera

Com flores prateadas

Com sorrisos de doce madrugada

Se o vento soubesse

Abraçava-me

E me levava

E me dizia

Que o vento

Nada sabe

Sem saber…

 

Se o vento soubesse…

Não me trazia a Primavera

Nem as flores

Nem os pássaros

Porque já avisei o vento

Que não quero nada

Mas o vento é teimoso

E traz-me a Primavera

E a madrugada

E se o vento soubesse

E se o vento quisesse

Nada

Como eu…

 

 

 

Francisco

27/05/2023

sexta-feira, 26 de maio de 2023

Matéria

 

Às vezes, o tudo, o tudo é o nada…

E muitas vezes, o nada…

O nada é tudo.

 

Às vezes, às vezes escrevo,

E muitas das outras vezes,

Nada,

Nem escrevo,

Nem escrevo

Nem escrevo…

 

Muitas das outras vezes que escrevo,

Escrevo.

Escrevo e sento-me.

Olho o teu retracto,

Lá estarás tua a pensar…

Coitado dele, coitado…

 

Coitado do coitado,

Que muitas das vezes, sendo ele um coitadinho…

Tem o tudo do nada do coitado,

 

Às vezes, às vezes desenho o mar,

O meu mar.

Muitas das outras vezes,

Aquelas vezes em que o coitado do coitadinho…

Nada.

Senta-se, senta-se e observa toda a matéria em lágrimas,

 

Outras vezes,

Poucas das vezes,

Sento-me e olho o teu retracto,

Tantas vezes,

Das poucas vezes que parti…

E das vezes que fui e não voltei,

Tenho alguma das vezes,

O tudo,

Quando do nada…

O tudo é nada.

 

 

 

Luís

26/05/2023

Do sono

 

Invento o sono,

Invento a ausência do sono,

E semeio-os nesta pequena folha em papel,

Invento o sono,

Invento o silêncio do sono,

Quando a insónia pertence ao nada…

 

Dos círculos mortos,

Faço uma jangada,

Passeio-me pelas ruas…

Acreditando que sim,

Ou que não,

E não quero saber…

 

Invento o sono,

Desenho-o nos meus lábios,

Escrevo-lhes pequenos pedaços de solidão…

Depois,

Depois a cancela da noite,

Abre-se,

E todos os animais são livres,

 

Do sono,

Dentro do sono.

Invento o sono,

Talvez apenas algum do sono,

Escrevo-lhes,

Atiro-lhes com pedras…

E desenho-os na face da paixão.

 

 

 

Francisco

26/05/2023

quinta-feira, 25 de maio de 2023


 Francisco Luís Fontinha – Alijó.

O poeta de Deus

 

(feliz dia de África)

 

 

Não sei,

Não sei como será o Inverno

No Inferno,

Não o sei…

Mas… quem o saberá?

Farto-me de escrever poemas a Deus…

E Deus está literalmente a cagar-se para mim,

Não me importo,

Quero lá eu saber de Deus,

Tal como ele,

Quer lá Deus saber de um tal de Fontinha…

 

Não o sei,

Quem o saberá…

Vocês sabem como será o Inverno no Inferno?

E de um tal de Inferno disfarçado de Inverno?

Não, não me interessa…

Em criança, até um determinado período da minha vida…

E que vida,

Meu Deus,

Que rica vida eu tive…

Não sabia o significado de Inverno.

 

E era muito feliz!

Muito mesmo…

Tão feliz que…

No meu Inverno,

Trazia os meus calções e as minhas sandálias de couro…

Que couro, meu Deus,

Que calções…

E quer lá saber Deus dos calções e das sandálias…

Deus,

Deus passa todo o seu tempo a escrever poesia…

Entre calções,

Tão feliz que fui…

Muito feliz,

E do meu Inverno,

Que Inverno,

Aquele meu Inferno,

De aprender o significado de Inverno…

Quando eu…

 

Tudo esqueci,

As sandálias, os malditos dos calções, o Mussulo, tudo,

Tudo mesmo.

Durante muitos anos,

Muitos mesmos,

Queria perguntar ao meu pai porque choravam as acácias da minha infância…

E tudo,

Já não me lembrava de nada…

Apenas…

Machimbombo…

Que coisa, esta, do Inverno ser Inferno…

E Deus, o poeta, ser tudo…

Tudo o que não fui,

Tudo o que não quero ser,

Ser o quê…

Mais um, por aí…?

 

E chorei.

E chorei sem perceber que chorava…

Que apenas me recordava,

De ter chorado,

Não porque me apetecesse chorar…

Mas chorava,

Tinha medo de me perder,

E um dia, perdi-me, por aí…

Um dia, meu Deus…

Um dia…

Chorava porque tinha frio,

Chorava porque tinha medo,

Chorava porque me sentia só…

Qualquer coisa que nasceu comigo, não me pertencia…

Tinha morrido,

E até hoje,

Hoje… nada,

Até hoje não sei a coisa que morreu,

E que até hoje,

Não consigo dizer que coisa é essa…

E se não há coisa,

Não haverá cadáver,

Nem haverá crime…

 

(peço desculpa pela ausência, mas assuntos do foro privado chamavam-me)

 

A minha mãe,

Coitada da minha mãe…

Tal como eu,

Também ela chorou muito…

Muito…

Éramos assim…

Como deslocados,

Ausentes de corpo e alma,

Não,

Nunca acreditei na existência da alma…

Nunca.

A minha mãe,

Coitada da minha mãe…

Eu chorava,

E eu sabia que a minha mãe chorava porque eu chorava…

Éramos ausentados,

Deslocados da terra e do primeiro pigmento de cor…

Abraçava-me a ela,

E ela mentindo-me, dizia-me… um dia, um dia meu filho…

Um dia tudo vai melhorar…

 

Um dia,

Um dia cairá chuva na minha mão,

Um dia,

Um dia…

Não sei,

Não sei como será o Inverno

No Inferno,

Não o sei…

Mas… quem o saberá?

Farto-me de escrever poemas a Deus…

E Deus está literalmente a cagar-se para mim,

Não me importo,

Quero lá eu saber de Deus,

Tal como ele,

Quer lá Deus saber de um tal de Fontinha…

Ou do Inverno no Inferno,

Do Inferno a infernar o Inverno…

Quer lá ele saber…

A não ser…

Que Deus seja accionista do Inverno e credor do Inferno…

Ó pá,

Deus é comunista…!

Deus não é nem nunca será capitalista…

 

Veremos, um dia…

Um dia, um dia veremos.

 

 

 

Francisco

25/05/2023

O inferno em dia

 

Queimarei, um dia, os meus poemas,

Queimarei, um dia, todos os meus desenhos

E todas as minhas fotografias.

Queimarei, um dia, este corpo que me transporta…

Deste corpo onde habitam as flores em papel

E números de porta,

Números de polícia,

Queimarei, um dia, todos estes livros…

E todos estes livros

E todos estes livros…

Estes livros,

As palavras que escrevo,

Os desenhos que faço…

O céu…

Se a minha vida foi um inferno,

 

Queimarei, um dia, o meu dia,

Acenderei, um dia, a minha noite,

Noite em dia,

Do dia sem noite…

Quando a noite

Rouba ao dia…

O dia da despedida.

 

Queimarei, um dia, as asas que me deram,

O fato espacial com que visto a noite,

Antes de acordar…

E foder o dia,

De dia…

Até um dia…

Até que um dia,

Terei …

O mar.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

25/05/2023

O silêncio

 

Não sei se um dia terei medo do escuro,

Do escuro, escuro…

Não do escuro da noite,

Sempre amarei a noite,

As estrelas,

O silêncio do escuro…

E o escuro da solidão.

 

 

Luís

25/05/2023