sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

Vinil

 

Um vinil nas mãos de uma criança

Que gira

Que dança,

Um vinil revoltado

Triste

Muito triste

E cansado.

 

Um vinil que gira

Que dá voltas á Terra,

Um vinil sem sorte

Na pouca sorte de girar,

Um vinil que grita

As canções de embalar.

 

Um vinil que traz a morte

A infância

E a espingarda desassossegada,

 

Um vinil vestido de poema

Que foge

Que se esconde na tua cama

E nunca viu a madrugada,

 

Um vinil refractário

Desobediente,

Um vinil que habita no armário

E está sempre doente.

 

 

Alijó, 13/01/2023

Francisco Luís Fontinha

Lágrimas

 

Abraço-me às tuas lágrimas de sono

Que incendeiam as estelas do teu olhar

Enquanto o sono

E o teu olhar

Desistem de acordar pela manhã,

 

Abraço-me às flores do teu sorriso

(e que lindo sorriso)

Das pétalas em luar

Nas frias madrugadas,

 

Abraço-me às tuas lágrimas

Gotinhas de água que semeias no mar,

Das minhas palavras

Nas palavras de amar,

 

Abraço-me às tuas lágrimas em flor de esperança

Nas lágrimas que morrem

Das lágrimas no rosto de uma criança.

 

 

 

Alijó, 13/01/2023

Francisco Luís Fontinha

O sopro do vento

 

Não peças ao vento

Que o vento te traga o vento,

Quando o vento

É o alimento,

No alimento do vento.

 

Não peças ao vento

Que o vento beije o outro vento…

Porque o outro vento,

Neste momento,

É o vento do vento.

 

E se o vento

A quem pedes o vento,

Não for o teu vento,

E o vento do outro vento…

For o veneno do teu vento.

 

 

Alijó, 13/01/2023

Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

 

Ter fé (acreditar muito) que algo estranho, invisível e externo me vai ajudar na luta para me curar de uma doença muito grave, é igual a ter um automóvel (sem bateria) e eu tentar pô-lo a trabalhar.

É claro que é impossível pôr um automóvel a trabalhar sem bateria (estando este por exemplo dentro da garagem num plano horizontal e imobilizado).

Por muita fé que eu tenha, o automóvel nunca irá trabalhar.

 

 

Francisco

11/01/2023

O assassino de telas

 

Conheci o Alfredo numa noite de copos e charros, conversávamos de literatura e poesia, e logo que o olhei percebi que além de estar todo vestido de negro com uma estrela branca no peito, era tímido.

No final da noite levei-o para casa, acomodei-o e dei-lhe comida, e quando o questionava sobre este ou aquele assunto, o Alfredo apenas me respondia que sim ou que não, e confesso que me é muito difícil conversar com alguém que quando questionado apenas responde, sim ou não.

Às vezes, acordava maldisposto, muito triste, mas sempre pensei que se devia ao facto de ele estar ausente da família e daqueles que amava.

Nunca percebi a tristeza do Alfredo.

Hoje, enquanto assassino telas em branco com os riscos de merda que lá coloco, o Alfredo olha-me como se me estivesse a dizer…

Oh meu rapaz, deixa-te de pincelares e assassinares telas porque não tens jeito nenhum para isso,

E quando olho as telas assassinadas por mim, percebo que o Alfredo tem toda a razão.

O Alfredo é um gatinho, é invisível e todas as noites me visita enquanto eu assassino telas e folhas de desenho.

Coitado do Alfredo; ter que conviver e coabitar com um assassino de telas e de folhas de desenho.

 

 

Alijó, 12/01/2023

Francisco Luís Fontinha

(ficção)

Sombra do mar

 

Enquanto a noite dorme

(porque a noite também dorme)

Oiço o silêncio das lágrimas que se desprendem do teu rosto

Que se transformam em lâminas afiadas

E cortam em pedacinhos

A sombra do mar,

 

E se a noite dorme

E demora a acordar

Quando desespera nos braços do mar

Os teus olhos de estrela Polar,

Também elas, a sombra do mar.

 

 

 

Alijó, 12/01/2023

Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

Muros de insónia

 Converso com as palavras deste pobre rio

Onde se afunda o barco da minha vida,

E todas as noites

Uma nuvem de sono foge de mim pela janela,

Aquele barco sem braços

Sem mãos para acariciar o meu rosto desassossegado,

Uma vida entre muros de insónia

E inocentes sorrisos de amanhecer,

 

Quando acordo,

Trago comigo a noite

Onde me visitas

E me repreendes,

 

Depois vêm a mim as roupas negras

Que transportas sobre os ombros

Mas sei que és apenas poeira

E pequenas sombras de embriaguez,

 

Como eu queria estar nos teus braços

Como quando em menino

Me levavas a ver as estrelas…

 

E se estou vivo…

Se estou vivo

Devo-o a ti,

E junto às palavras deste pobre rio com quem converso

Troco a noite por pequenas bugigangas

Coisas poucas

Coisas de quase nada,

Enquanto viajas pelo Universo.

 

 

 

 

Alijó, 11/01/2023

Francisco Luís Fontinha