terça-feira, 10 de janeiro de 2023

As janelas da vagina

 

Das vaginas em luar

Nas estrelas embalsamadas que a noite lamenta

Nas vaginas em palavras silenciadas

Quando o rio deixa de correr para o mar,

 

E há sempre uma vagina

À janela da madrugada

Uma vagina cansada

Do cansaço que não é nada,

Uma vagina que incendeia a floresta

Dos poemas semeados na tua mão…

 

Das vaginas em luar

Uma canção que brinca na alvorada,

Uma vagina,

Nas estrelas do púbis amordaçado,

Uma vagina… uma vagina à janela

Da janela inventada.

 

 

Alijó, 10/01/2023

Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

Um poema de merda

 (Os teus poemas são uma merda, meu caro Francisco. São uma merda os teus poemas, são uma merda os teus textos, os teus desenhos; tu és uma merda)

 

Todas as manhãs um barco de insónia descia a Calçada da Ajuda, no porão, carregado de ossos e outras bugigangas, um pequenote saltitava de feliz e contente; às vezes, as crianças são felizes e sorridentes, mesmo calçando e vestindo o espelho da pobreza.

E ser pobre não é defeito. Este pequenote, carregando uns calções e nada mais de que isso, brincava em cima dos três caixotes que sobejaram de uma longa viagem, viagem essa que ainda hoje não chegou ao seu destino.

(os teus poemas são uma merda, meu caro Francisco)

No exterior do barco, um jovem soldado, de pistola na mão e apontando-a à cabeça, dispara: contra as paredes amarelas do muro da vergonha, um amontoado de miolos deu cor e brilho, obra de arte que durante semanas, mesmo depois da dita parede ser raspada e pintada, tornava-se assim atracção mundial.

(a arte de uma cabeça estoirada e lançada contra uma tela invisível)

À noite, o pequenote saía do porão, saltava do barco e em corrida descia toda a Calçada como se fosse à procura de um qualquer Cacilheiro que tinha ficado da tarde que já se tinha finado, e andasse por ali… ou por aí.

(Os teus poemas são uma merda, meu caro Francisco. São uma merda os teus poemas, são uma merda os teus textos, os teus desenhos; tu és uma merda)

Chegando ao rio, sentava-se junto à água e ficava horas a contar sombras e luzes que chegavam da outra margem, olhava o Cristo Rei e a Ponte que foi Prof. Dr. Oliveira Salazar e depois baptizada de vinte e cinco de Abril e acreditava que um dia, um dia todo aquele rio e todos aqueles barcos seriam só dele.

Horas depois e já o pequenote estando farto da Ponte, do Cristo Rei e de tantos barcos, zarpava e estacionava os calções em Cais do Sodré onde adormecia num qualquer quarto com janela para o inferno e sem casa de banho privativa.

(Os teus poemas são uma merda, meu caro Francisco)

E numa tarde de neblina o pequenote desapareceu sem deixar uma carta ou um poema…

Talvez um poema de merda, meu caro Francisco.

Um poema de merda.

 

 

 

 

 

Alijó, 09/01/2023

Francisco Luís Fontinha

Flores do meu jardim

 Enquanto a manhã está em despedida

E o meu esqueleto envidraçado

(já em poeira)

Oiço o som da saudade

Aquele que ouvi durante a partida

E poisa docemente no meu passado,

 

E da manhã se vai o sono

O sono das tristes flores do meu jardim

Onde me sento

Onde me deito,

 

E esta manhã enervada

Abraça-se ao meu pescoço

Sufoca-me,

 

E depois de a manhã partir

Fico a olhar os pássaros

E as árvores,

 

E depois…

Depois vem a noite.

 

 

Alijó, 09/01/2023

Francisco Luís Fontinha

domingo, 8 de janeiro de 2023

O revolver da solidão

 Um dia

Um dia morres e ninguém se vai recordar de ti

Um dia

Um dia acordas

E sobre a mesinha-de-cabeceira

Tens poisado o revolver da solidão,

 

E uma fotografia de quando era menino

Um dia quando fores à janela

O rio que olhavas

O rio que abraçavas

Deixou de estar lá

Partiu para o mar,

 

Um dia deixas de ter casa

De ser homem

De ser criança

Um dia morrerás…

E nem o coveiro que te enterrou se lembrará de ti,

 

E quando a tua última palavra escrita morrer

Um dia

Quando chegar esse dia…

 

Não querias que chegue esse dia!

 

 

 

 

Alijó, 08/01/2023

Francisco Luís Fontinha

Alijó e as artes

 É pena que o Município de Alijó não tenha ideias para apoiar os artistas locais.

Um Município desprovido de ideias, sem projectos para o apoio aos artistas locais que são muitos.

Ontem, um grupo de amigos (o colectivo da cigarra) organizou um pequeno mercado de Reis, que foi o começo de muitas coisas; lamento que esta iniciativa não tenha sido organizada pelo Município de Alijó e porque não fazer esta iniciativa uma ou duas vezes por mês?

Porque Alijó não é só vinhos e caça.

Alijó é muito mais de que isso.

 

Francisco Luís Fontinha

Bom dia

 Bom dia,

Quando o homem morre

Enquanto o homem morre debaixo de um seixo,

 

E eu poderia ter sido tudo

E escolhi não ser nada,

 

À parte disso

Uma estúpida chuva de sono

Desce pelo meu corpo

E sinto em mim as nuvens de sangue da madrugada,

 

Bom dia,

Bom dia para esta manhã lindíssima

Das pedras e dos silêncios

Da morte

E de todos aqueles que morrem

E que descobrem a felicidade,

 

Bom dia,

Bom dia aos esqueletos de insónia

E aos grandes filhos da puta desta triste vida,

 

Bom dia,

Bom dia à chuva

Bom dia à poesia e à literatura

Bom dia aos poemas de merda que escrevo

E que vou continuar a escrever,

 

Bom dia,

Bom dia ao Universo…

 

Um bem-haja a todas as coisas mortas!

 

 

 

 

 

Alijó, 8/01/2023

Francisco Luís Fontinha

Francisco Luís Fontinha – Mercadelho de Reis

 


Ontem estive presente no Mercadelho de Reis, em Alijó, no Mercado Municipal de Alijó.