quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

Barcos da minha meninice

 

São tantos os barcos

Os barcos da minha meninice

Barcos que navegam nos meus braços

São tantos os barcos

Como os abraços

Que não terei na minha velhice.

 

Meu Deus!

 

Tantos barcos que olhei

Enquanto o mar voava na alvorada

Tantos

Tantos barcos na minha morada

Tantos barcos…

Que de os contar me cansei.

 

E já não sei

Se estes barcos são de verdade

Ou um pequeno sonho de sonhar…

Tantos são os barcos

Meu Deus

Que até pensei

Que todos estes barcos eram nuvens a voar

Nos lábios da saudade.

 

São tantos os barcos

Barcos em papel

Barcos em cartão…

São tantos os barcos;

Uns são de mel

Outros

Outros escondem-se no meu coração.

 

 

 

Alijó, 14/12/2022

Francisco Luís Fontinha

Palavras semeadas

 

As palavras dos teus olhos

São as palavras dos meus lábios

São as palavras da minha mão…

 

Os meus olhos

São os desenhos dos teus olhos

São as palavras da tua mão

São palavras

São música no coração,

 

As palavras dos teus olhos

São as palavras semeadas

Nesta alegre e frágil folha de papel,

 

As palavras dos teus olhos…

São a janela de todas as madrugadas

São só palavras

Palavras,

 

Palavras e mais nada.

 

 

Alijó, 14/12/2022

Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 13 de dezembro de 2022

Olhos de mar

 Gosto dos teus olhos

Quando a chuva cai sobre a manhã despida,

Gostos dos teus olhos

Em pequeninos desenhos animados

Nos lábios da geada,

Gosto dos teus olhos,

Dos teus olhos em poema…

Que dormem na madrugada,

Gosto dos teus olhos,

Em três favos de mel,

Dos teus olhos em partida

Para a mão que acena…

Na mão em despedida,

 

Gosto dos teus olhos,

Pequena,

Pequena folha em papel,

 

Dos teus olhos,

Os meus olhos em luar,

Nos teus olhos…

Dos teus olhos de mar.

 

 

 

 

Alijó, 13/12/2022

Francisco Luís Fontinha

Silêncio luar

 

Dizem que sou louco

E há quem diga que não passo de um falhado,

Um perfeito falhado,

 

Mas meu amor,

Tanta coisa que dizem de nós

E dos outros

E dos outros… e de nós.

 

Mas sabes meu amor,

Também dizem que os dias a chover

São dias de tristeza,

E hoje, meu amor,

O dia está tão lindo,

O dia

Hoje

É beleza.

 

Dizem que a noite é escura,

É triste…

Mas a noite é tão bela,

Meu amor,

Que até tenho medo de escrever…

Escrever que a noite é bela.

 

Todas as noites são belas

E todas as manhãs são belas.

 

E dizem, meu amor

Dizem que aqueles que amamos,

Que sempre amamos,

Que já partiram…

São dor,

São tristeza;

Mas não, meu amor,

Os que partiram não são tristeza,

Aqueles que partiram são a saudade,

E a saudade,

A saudade não é tristeza,

A saudade é uma nova forma de amar,

 

Amar a vida,

Amar a Natureza…

Amar uma linda noite em silêncio luar.

 

 

 

Alijó, 13/12/2022

Francisco Luís Fontinha

Janela para o mar do teu olhar

 

Abro esta janela

Virada para o mar

Debruço-me nesta janela

Estendo a mão

Estendo a mão sem me preocupar

Se está a chover

Ou a nevar,

 

Depois de abrir a janela do teu olhar

Abro a porta do meu coração

E dentro dele

Guardo o mar

E todo o teu olhar,

 

Abro esta janela

Com o retracto do teu olhar,

 

E numa tela

Pincelo a noite e o luar

E o dia a brincar,

 

Abro a janela

Esta linda janela

Virada para o mar do teu olhar

Onde se abraça o meu rio amar.

 

 

Alijó, 13/12/2022

Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

O crucifixo da paixão enquanto respirava

 Senta-se à secretária

Semeia os cotovelos sobre a mesa

Puxa de um cigarro

Enquanto procura o isqueiro na algibeira

Pensa

Volta a pensar

Escreve algo rápido com o olhar

Na estante recheada de livros

E encontra “o medo de AL Berto”

E recorda os tempos em que começou a ler AL Berto

Finais de oitenta

Princípios de noventa

(há muito temo)

Mas ele está lá

(E todas as noites oiço-o)

Ele acende o cigarro

Desenha um círculo

E de uma ou duas baforadas

Percebe que valeu a pena.

 

Ele continua sentado

Cotovelos apoiados na invisível linha do Equador

E recorda-se de quando regressou de Angola

Num enorme paquete de sono

Ter as mãos apoiadas no gradeamento

E tenta com o olhar

Descobrir a linha imaginária do Equador;

Acreditou que era

Sorriu tanto

Mas hoje

Ele percebe que não era a linha imaginária do Equador…

Podia lá ser.

 

Às vezes

Muitas vezes

Também sinto o medo

E quando tenho medo

Abro-o

Abro o medo de AL Berto.

 

Ele

De olhar perdido na estante recheada

Recorda a vizinha do segundo esquerdo

Falecida na semana passada

Senhora de oitenta e quatro anos

Bibliotecária quando da sua vida activa

E o que dizer da dona Guilhermina

Tudo

Nada

Talvez pouco quando se nasce

E muita coisa quando se está de partida

Coitada da senhora

Boa piquena

Ainda virgem (apenas de signo)

Muito educada

Blá-blá-blá

E finou-se numa noite de Dezembro

Sem electricidade

Sem nada

Com tudo

Coitada da senhora

E quando perguntei ao sobrinho

Morreu de quê a dona Guilhermina

Ele

Triste

Respondeu-me que…

Olhe

Morreu de tristeza.

 

E um poeta como eu

Que de nada percebe de certidões de óbito

Ou de metástases

Ou de toda essa merda…

Não sabia que se morria de tristeza.

 

Andando que se faz tarde.

 

Ele foi tomar o duche do fim de tarde

Vestiu a farda

Calçou as pesadíssimas botas militares

E zumba

Portão fora

Patrão dentro

E vai ele rumo à cidade,

 

Desce a calçada

Apressadamente

Ao fundo da calçada

Vira à direita

Marcha

E enquanto marchava

Ouvia os piropos dos gajos que procuravam sexo

Diziam que bem pago

E com medo

Não o medo de AL Berto

Mas com o medo de ser enrabado

A sangue-frio

E no final receber cinco mil escudos

(diziam que o broche era mais caro)

Desatava a correr

E só parava numa esplanada

E já dentro dela

A menina

A menina escondia-o na despensa;

Quase com o coração a saltar-lhe pelas goelas

Suspirava baixinho

Foda-se. Foda-se.

 

(onde vim eu estacionar)

 

E eu

E eu habituei-me a estacionar em muitos locais da cidade

Gostava do perigo

E claro

Conversar com o medo.

 

Engoliu o penúltimo silêncio de fumo

E pensou

E talvez não tenha pensando em nada

Porque enquanto contava os silêncios de fumo que lhe restavam

Perdeu-se nos pensamentos

Perdeu-se na cidade

Abre um pequeno livro com o olhar

Começa a ouvir A Tabacaria

A tabacaria do Senhor Álvaro de Campos

Na voz do grande Mário Viegas

Parou

Mexeu os cotovelos

Colocou o que restava do cigarro

No cinzeiro de madeira

Porque o cinzeiro de prata já o tinha vendido

Algures na feira da Ladra

Onde tudo se compra

Onde tudo se vende

(e um dia quase que me vendi a uma velhinha)

E depois de fazer o funeral ao que restava do cigarro

Pensou então

Pensou que o medo está para o poeta

Tal como a chuva está para o magala;

É tudo uma questão de psicologia.

 

(a chuva o frio o medo o caralho que te foda e é tudo uma questão de psicologia)

 

A roupa que o diga (quando chove) (grandes filhos da puta)

 

Levanta-se da secretária

Vai até à janela

Abre-a cuidadosamente

Com medo

Com o medo

Com medo que o mar lhe entrasse pela janela

(este parvalhão não percebe que o mar nunca chegará ao terceiro andar)

E percebe que já é noite

Que alguém roubou todas as estrelas da noite

Que no Tejo um petroleiro apeado

Esperava que regressasse a madrugada para se abraçar a terra.

 

E lá está ela

Suspensa na parede

Pregada a uma cruz de luz

Cinzenta

Verde

Laranja

STOP

E morreu de quê a menina Guilhermina

Entre a voz do Mário Viegas a declamar a Tabacaria

E o silêncio do segundo esquerdo

É perfeitamente audível

Morreu de tristeza

Queria que ela morresse de quê

Sou parvalhão

Calmeirão,

 

(TRISTEZA)

 

O senhor oficial

Bem fardado

Diga-se

Com uma mão no volante

A outra

E com a outra entre a manete de velocidades

E o pénis do rapaz que seguia a seu lado

Tentava engatá-lo com promessas de falso oiro

E meia-dúzia de camelos

Ele cerrou as pernas

E enquanto a cidade se perdia em direcção Santa Apolónia

O carro parou

O gajo saiu apressadamente

Deixou cair a mochila no pavimento

E só parou dentro da estação.

 

(há coisas do caralho

Pensou)

 

E continuando com a

E lá está ela

Suspensa na parede

Pregada a uma cruz de luz

Cinzenta

Verde

Laranja

Encarnada

Encarnada sim senhor que eu bem vi com estes que a terra há-de comer

Pensou novamente no medo

Agora no medo de AL Berto

E não sabia se o pior medo da sua vida era que o mar lhe entrasse pela janela

Ou

Ou a doce donzela suspensa na parede do escritório

(Pregada a uma cruz de luz

Cinzenta

Verde

Laranja

Encarnada)

Tanto faz…

 

Tanto faz quando a noite é uma merda

Com estrelas

Sem estrelas

Com palavras

Sem palavras

Com lua

Sem lua

Com sol

Com sol

Quando o rabo está em direcção a Norte…

E um lindo crucifixo nos olha;

 

(E lá está ela

Suspensa na parede

Pregada a uma cruz de luz

Cinzenta

Verde

Laranja

Encarnada).

 

Encarnada de mini-saia e de cigarro ao canto da boca.

 

 

 

 

 

 

Alijó, 12/11/2022

Francisco Luís Fontinha

O teu olhar

 

Desenho um pedacinho do teu olhar

Na tela triste da manhã

Porque todas as manhãs…

Todas as manhãs são tristes

Sem um pedacinho do teu olhar.

 

E se apenas um pedacinho do teu olhar

Alegra a manhã

Imagina se desenhasse todo o teu olhar…

 

Imagina se eu tivesse a manhã

Só minha

A manhã e o teu olhar!

 

 

Alijó, 12/12/2022

Francisco Luís Fontinha