sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

Noite de mim

 

Quando regressa a noite,

E a noite está bem-disposta,

Alegre,

Sorridente…

Escondo-me.

 

Não gosto do olhar da noite,

Detesto o sorriso da noite,

Odeio a alegria da noite; (odeio a alegria das pessoas)

Quando regressa a noite,

Escondo-me.

 

Quando regressa a noite,

Finjo-me de morto…

E assim,

Não tenho de olhar a noite;

A minha noite. Que odeio, que detesto, que não quero.

 

 

 

 

Alijó, 09/12/2022

Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

Trago-o no peito – o teu olhar

 Às sete e trinta horas da manhã

Num lindo e belo Domingo

De sol e calor

Em Janeiro

Acordaram-me;

Olho-a

Ela olha-me

Ela beija-me loucamente (era a primeira vez que me beijava)

Toca-me docemente

Depois

Pego-lhe no olhar (de quem acaba de dar à luz)

E guardo-o no peito.

 

Trago-o no peito.

 

Sou pastor de um lindo rebanho de palavras

Quase sempre

Ao final da tarde

Levo-as para o pasto

Uma fina e branca folha em papel

Depois

Tenho o final da tarde

E toda a noite

Depois

Regressamos

Ficamos exaustos

Cansados,

 

Dormimos; eu e o meu rebanho de palavras.

 

Às sete e trinta horas da manhã

Num lindo e belo Domingo

De sol e calor

Em Janeiro

Acordaram-me…

 

Acordaram-me para a vida.

 

Pastor de um belo rebanho de palavras

Desde as sete e trinta horas da manhã

Num lindo e belo Domingo,

 

E enquanto as palavras

O meu rebanho

Olham os rabiscos de uma tela minha

Pego na fotografia dela;

E percebo o quão ela me amava!

 

Pego-lhe no olhar (de quem acaba de dar à luz)

E guardo-o no peito,

 

E no peito construo uma escultura de saudade.

 

 

 

 

 

Alijó, 08/12/2022

Francisco Luís Fontinha

(à minha mãe)

As estrelas do teu olhar

 Encosto a cabeça

À sombra do teu corpo.

 

Faço um cigarro com as estrelas do teu olhar,

Enquanto abraço a nudez do teu corpo

Que cresce no espelho da noite,

Escrevo nos teus doces lábios de mel,

 

Tanta coisa que poderia escrever,

Tanta coisa, minha querida…

Que nada escrevo.

 

Pego num pequeno cordel do sono,

E com ele,

Trago o silêncio

E o mar que habita no teu peito,

Depois,

Pego na insónia,

E da insónia faço uma flor

Que poiso na tua boca; uma flor colorida de beijos.

 

Encosto a cabeça

À sombra do teu corpo,

E espero que o nosso mar…

Que todo o nosso mar…

Entre pela janela,

Como entram as estrelas do teu olhar,

Quando abro a janela da manhã.

 

 

 

 

 

Alijó, 08/12/2022

Francisco Luís Fontinha

A tatuagem do desejo

 Tatuar o teu corpo

Com a minha boca

Nas tuas costas

No canto superior direito

Tatuava o sol

 

Ao centro

Podia tatuar o mar

E os barcos da minha infância

 

Ao fundo

No canto inferior esquerdo

Junto à nádega

Tatuava a lua

E o luar

 

Nas tuas coxas

Tatuava a noite

E todas as estrelas que tem a noite (tantas estrelas tem a noite, meu amor)

 

Depois

Escrever no teu corpo

 

Nos teus lábios

Escrevo desejo

Beijo

Nos teus olhos

Quando estão poisados na maré

Escrevo paixão

No teu peito

Posso escreve o silêncio

Quando dorme nos braços do mais belo pôr-do-sol

Depois

Pego na tua mão

Cerro os olhos

E escrevo; amo-te.

 

 

 

 

 

Alijó, 08/12/2022

Francisco Luís Fontinha

Rabanadas

 Quanto às rabanadas do teu olhar,

Dispenso-as,

Não gosto muito de rabanadas,

E detesto o Natal,

Verdade que não se comem rabanadas apenas no Natal,

Mas não gosto muito de rabanadas,

Mas gosto muito do teu olhar.

 

 

 

 

Alijó, 08/12/2022

Francisco

Luar de sangue

 Onde está a paixão das estrelas;

As visíveis, as invisíveis e as imaginárias?

 

Onde habita a noite,

A mesma noite que numa triste noite,

Me prometeu o Luar de sangue

E a corda invisível que transporto ao pescoço…

 

Onde está o dia,

Onde estão as palavras,

Palavras que semeava durante o dia,

E que hoje,

Só as consigo olhar à noite,

 

Onde está a paixão das estrelas;

As visíveis, as invisíveis e as imaginárias?

 

E as desenhadas?

 

E a noite?

Onde está a noite que me abraçava…

Onde está a paixão das estrelas;

As estrelas enamoradas?

Apaga a luz,

Deita a cabeça no meu peito…

E vamos imaginar o mar,

Apaga a luz.

 

 

 

 

Alijó, 08/12/2022

Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

Suicídio de um copo de uísque

 Às vezes

Pergunto-me quantos pássaros estão poisados numa árvore

Depois

Pergunto-me quantas folhas tem a árvore

Depois

E se a árvore não tiver folhas

Mas com pássaros

E se a árvore não tiver pássaros

Mas com folhas

E se a árvore estiver deitada no chão

Enquanto dorme

Sem pássaros

Sem folhas

Com fome

Sem sono

 

E se a árvore beber

E fumar

E se a árvore tiver insónia

E passar a noite a olhar as estrelas

 

Estrarei feliz por esta árvore

Que eu olho

Que me olha

Ter pássaros

Ter folhas

Chorar de noite

Rir

E inventar o medo nas traseiras de um barco

 

E se o meu jardim não tiver árvores

Mas apenas sombras do tamanho do Universo

E se o meu jardim não tiver barcos

Beijos

Tristes beijos

Silêncios

E tristes silêncios

Sombras infinitas

Rectas

Retractos

Espuma

Círculos

Quadrados

Fios e pequenos silêncios de luz

Sémen

 

Às vezes

Pergunto-me quantos pássaros estão poisados numa árvore

Que eu olho

Que me olha

 

Depois

Penso em desistir de sonhar

De fumar

Penso em deixar de olhar as árvores

Os pássaros

As árvores e os pássaros

As folhas e as árvores

E as folhas das árvores

E as árvores dos pássaros

E o raio das folhas dos pássaros

Que ainda não sabem onde se escondem os pássaros das folhas

Acendo o último cigarro

Invento o sono nas frestas que a noite me vai trazer

Espero que morra a lareia

E que o meu copo de uísque se suicide no meu peito

 

E seria a primeira vez que um copo de uísque se suicidava sobre o meu peito

 

Às vezes

Pergunto-me quantos pássaros estão poisados numa árvore

Que eu olho

Que me olha

A quem escrevo

Que me escreve

E lançam sobre mim todas as sombras do tamanho do Universo

 

E estes pássaros são em papel

Muitas cores

Muitos tamanhos

Em cruz

Vertical

Longitudinal

Em círculo

Em pequeninos círculos

Nos lábios

Dos lábios

 

E as árvores

E os pássaros

E as folhas

E as árvores sem folhas

E as árvores sem pássaros

 

E os pássaros sós

 

E tudo isto antes de eu adormecer

Antes de eu morrer…

 

 

 

 

 

 

Alijó, 07/12/2022

Francisco Luís Fontinha