quarta-feira, 9 de novembro de 2022

Olhos de amar

 Há um pequeno sorriso

Nos teus olhos de amar

Há uma manhã que se despede

Dos eternos jardins em poesia

Há uma lua sem luar

 

Em cada novo dia

Há uma árvore

Que se deita na tua mão

Uma árvore sem pássaros

E um pássaro sem pão

 

Há um pequeno sorriso

Nos teus olhos de amar

Uma casa inabitada

Perto de uma ponte com fome

Há um rio sem nome

 

Que se abraça aos socalcos da madrugada

Um rio que nunca se cansa

Das minhas tristes palavras

Um rio que inventa

As lágrimas dos teus lábios

 

E as lágrimas da tua boca

Há um beijo no teu corpo

Um beijo desenhado por um sem-abrigo

Um beijo desejado

Um beijo em perigo

 

 

 

Alijó, 09/11/2022

Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 8 de novembro de 2022

Os barcos da minha infância

 Nesta lareira onde ardem os meus sonhos, oiço as lágrimas do silêncio, da labareda da noite, quase todas as noites, acordam

Ou dormem?

Acordam as cordas de nylon que aprisionam os barcos da minha infância; alguns em esferovite, outros em madeira fina e outros ainda construídos com os pequenos pedacinhos sobejantes das estrelas em papel que a menina das lágrimas deixava cair quando chorava.

Não tínhamos nada, apenas tínhamos alguns farrapos, algumas bugigangas e muito amor. Hoje percebo que ninguém sobrevive sem comida, mesmo que tenha muito amor, mas se não houver comida e existir muito amor, não se morre, sobrevive-se e caso seja necessário engana-se o estômago a olhar uma pilha de livros que o meu pai teimava em não vender. Confesso que também não vendia a pilha dos livros.

Queimá-los nesta lareira onde ardem os meus sonhos, talvez, mas vender, não, vender não,

E talvez já tenham acordado, que dizes?

Ainda dormem, e mesmo que já estejam acordados, não te preocupes, não passam de barcos à espera de entrarem na tua mão,

E claro, vender, não.

Tinha vergonha da minha janela, acreditava que num metro quadrado de um caixote em madeira cabiam todos os meus sonhos, fizemo-nos ao mar, e logo percebi que nem a saudade cabia, quanto mais todos os meus sonhos. E de menino dos calções passei rapidamente a rapazote das botas pesadas, das ceroulas, das meias grossas e das luvas que nunca me protegeram as mãos de nada, a não ser, de quando te vi pela primeira vez e

Ou será que dormem?

Porque não passam de barcos à espera de entrarem na tua mão, e como barcos que são, também eles amam, também eles choram, também eles acreditam que os sonhos são pedacinhos de estrelas nas mãos da alvorada.

E o mar todas as noites entrava-nos pela janela, e o miúdo dos calções, depois rapazote das botas pesadas, das ceroulas, das meias grossas e das luvas que nunca me protegeram

as mãos de nada, a não ser, a não ser dos pregos que um carpinteiro preguiçoso tinha semeado no metro quadrado de madeira e num dos lados tinha inscrito

Ou dormem?

PORTUGAL.

Acredito que não dormiam, pois, anos mais tarde, descobri que todos os barcos, mesmo durante a noite, inventam estórias sobre a lua e toda a santa noite cantam como cantam os pássaros,

Ela subia às árvores e brincava com os pássaros,

E os barcos conversavam com as estrelas em papel que a menina deixava cair quando chorava,

Não, não dormem.

Não tínhamos nada, a roupa escasseava, o frio gélido da Trás-os-Montes entranhava-se-nos no corpo até que acabávamos por adormecer e ao outro dia acordávamos tesos como uma barra de ferro, e só depois de abrirmos a janela, e com o passar das horas, descongelávamos até ao final da tarde, que depois de cair a noite, voltávamos novamente a congelar.

Ou dormem?

PORTUGAL.

Queimá-los nesta lareira onde ardem os meus sonhos, talvez, mas vender, não, vender não,

E talvez já tenham acordado, que dizes?

Não. Não vendia a minha pilha dos livros.

 

 

 

 

Alijó, 08/11/2022

Francisco Luís Fontinha

Menina do além-mar

 

Menina do além-mar

Que habitas no castelo desejo

Transformas as lágrimas de chorar

Em estrelas de papel colorido

E nos lábios lanças um beijo

E nas mãos tens os barcos de brincar

Menina do além-mar

Que semeias no vento

Palavras de encantar

E desenhas no luar

As marés infinitas das noites de insónia

Menina do além-mar

Que transformas as lágrimas de chorar

Em estrelas de papel colorido

E trazes no olhar

Os sonhos de sonhar

Menina do além-mar

Não tenhas vergonha de chorar

Porque as tuas lágrimas

São estelas que sabem voar

 

 

Alijó, 08/11/2022

Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 7 de novembro de 2022

As lágrimas flores do Inverno

 Quando anoitecem em ti as lágrimas flores do Inverno

E um vulcão de espuma brinca no rio da saudade

Uma ponte de sono em fuga

Procura nos olhos da insónia

As janelas para a madrugada

 

E percebe que este jardim

Infestado de barcos e de tristes palavras

É o porto de abrigo dos teus braços

Quando acorda a manhã

Na boca do inferno

 

Subo sonambulamente estes velhos degraus

Como se o meu corpo fosse uma pedra

Perigosamente e preguiçosamente livre

Destas tempestades que trazem os cadáveres poema

E o meu cadáver veste-se de poema

 

E o meu cadáver é também filho do poema

Depois

Um raio de sol poisa nos teus doces lábios

Em flor adormecida

Sem paciência para escreveres na minha mão

 

Os segredos da paixão

A paixão aprisiona-se na raiz profunda desta árvore

E esta árvore cresce

Cresce

E nunca vai morrer como morrem os pássaros

 

 

 

 

Alijó, 07/11/2022

Francisco Luís Fontinha

Flor deste Doiro rio

 

Há uma flor aprisionada

Dentro do castelo luar

Há uma flor que dança

E não se cansa

Dos lábios do mar

 

Há uma flor amada

Junto ao Doiro rio de encanto

Uma flor em papel colorido

Que dizem ter vencido

A força do vento

 

 

Alijó, 07/11/2022

Francisco Luís Fontinha

domingo, 6 de novembro de 2022

Este mar com janela

 Desse mel que escondes nos lábios

Nesse mar que aprisionas na tua mão

Desse pedacinho de silêncio

Que são os teus olhos

Desse mel minha prometida abelha

 

Nesse mar de janela embriagada

Este poema

Esta jangada

Neste mar que me alimenta

O regresso da noite desejada

 

 

 

Alijó, 06/11/2022

Francisco Luís Fontinha

Menina doce mel

 Inventa-me

E adormece-me dentro de ti.

Inventa-me

Como inventas o sono,

Quando da janela virada para o mar

 

Um barco de sémen poisa no teu peito.

Inventa-me quando me desenhas

Nas paredes finas e frias do teu silêncio,

Ou quando escreves no meu sorriso

As palavras de amar.

 

Inventa-me enquanto a insónia

Dorme sobre esta pedra de saudade,

Inventa-me neste jardim esgrouviado

Onde as minhas flores

São pequenas lâminas de papel em solidão,

 

Inventa-me enquanto existe manhã

E a luz dos teus lábios

São as estrela felizes da madrugada,

Inventa-me nas tristes ruas desta cidade

Sem tardes de poesia,

 

Nas tardes de poesia.

Inventa-me menina doce mel

Nos círculos de luz com olhos verdes…

E eu te banho de palavras

Que transporto nas minhas trémulas mãos de espuma.

 

 

 

 

Alijó, 06/11/2022

Francisco Luís Fontinha