domingo, 30 de outubro de 2022

Daquela noite o abraço teu

 



Ninguém gostava de nós.

Éramos árvores

Plantadas no silêncio do mar

E tínhamos sempre uma criança

Que nos abraçava quando regressava a noite.

 

 

Alijó, 30/10/2022

(texto e quadros de Francisco Luís Fontinha)

sábado, 29 de outubro de 2022

Círculos de luz

 

Habita-me sombra da manhã

Que jorra o veneno sobre o mar

Habita-me e escreve em mim

Os piores desejos da madrugada

Depois… senta-te na minha mão

 

E desenha no teu sorriso

Os pequenos círculos da paixão

Habita-me como se eu fosse o espantalho

Esquecido no campo

À procura do luar

 

 

Alijó, 29/10/2022

(palavras e quadro de Francisco Luís Fontinha)

Corpo silêncio

 


Escrevíamos no olhar da manhã

As tristes cores do desejo

Porque nas paredes dos teus lábios

Habitavam as lágrimas dos tristes Invernos

E sabíamos que havia um corpo suspenso na montanha (o teu corpo)

 

 

 

Alijó, 29/10/2022

(texto e quadro de Francisco Luís Fontinha)

Canções da madrugada


 Deita-te no meu peito lápide de sono

Onde habitam as canções da madrugada,

Dome sobre mim,

Deita-te nos meus braços

Caravela envenenada,

 

Flor do meu jardim.

Deita-te sílaba pequenina

Das tardes rochosas,

Das noites sem fim…

Quando as estrelas iluminam os teus olhos,

 

Quando as estrelas são o jasmim.

Deita-te manhã em delírio,

Triste livro em construção,

Deita-te menina insónia,

Insónia deste silenciado coração.

 

 

 

Alijó, 29/10/2022

Francisco Luís Fontinha

(quadro de Fontinha)

Palavras ao vento

 Morreram-me todas as fotografias

Enquanto a espuma do luar pertence-te

E do húmus silêncio

Regressam ao meu peito as flores da loucura

De um Deus ausente,

 

De uma mão que acusa

Se levanta e ergue sobre a manhã

As cerejas da Primavera

Somos instantes

Fios de sombra

 

Nas asas de um rio,

Somos pertences

Na algibeira dos jardins inconformados

Entretanto

Suportas-me

 

E finges que nas minhas mãos

Não transporto a dor

E o sangue das catacumbas envenenadas

Que sinto correr nas minhas veias…

São como o meu corpo; veneno.

 

E desta manhã embalsamada

Onde guardo as lágrimas do sorriso cio

Invento em ti

As palavras que semeio

Das palavras que lanço ao vento.

 

 

 

Alijó, 29/10/2022

Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 28 de outubro de 2022

As acácias de uma noite de Outono

 Bebo

Fumo as tuas palavras

Desenho círculos de luz

Nas janelas do teu olhar

E abraço-te

 

Fumo

Bebo as tuas silenciadas palavras

E sento-me dentro do teu peito

Oiço as flores

Que tens nos teus lábios sonâmbulos

 

Fumo

Bebo

E canso-me de olhar as horas neste velho relógio

Em ruínas

Encharcado de água

 

Fumo e bebo

Alimento-me do mar

Enquanto todos os peixes voam

E fumam

E bebem

 

Depois

Fico confuso

Já não sei se bebo as tuas palavras

Ou se fumo as tuas lágrimas

Ou se ambas

 

Enquanto os cortinados destas frestas

Encantam-se com as sombras daquele rio

Daquele mar em rebuliço

Onde se escondem os meus barcos

Onde fingem os meus livros

 

Fumo

Bebo as tuas palavras

Beijo-te e imagino o paquete amar

A entrar no meu peito

Fico imóvel

 

Em silêncio

Como vivem em silêncio

As nuvens da minha infância

Bebo

Fumo as tuas lágrimas

 

Penso nas palavras do teu cigarro

Pergunto-me se realmente tive infância

Ou se estar vivo

É fumar as tuas palavras

Ou beber as tuas lágrimas

 

E um vazio de luz

Poisa nos meus ombros

E fumo

E bebo as tuas lágrimas em palavras

E canto

 

Fumo

Bebo a tua voz de amendoeira em flor

Que habita nas ausentadas noites

Onde me esqueço

E cambei-o o meu corpo

 

Fumo

Bebo os teus beijos

Pegos nos teus cigarros

E olho as pobres marés de Outono

Fumo bebo e quando me abraças percebo que acordaste como acordam as acácias (nuas)

 

 

 

Alijó, 28/10/2022

Francisco Luís Fontinha

Pedras cinzentas


 

Olho-te na claridade nocturna da paixão

E este corpo que transporto

Agacha-se junto às pedras cinzentas

Que iluminam o teu sorriso

Pareço o vento

Sou o vento

Quando dorme no teu cabelo

E te abraça como um louco poema

Louco só

Quando as palavras

Se alicerçam aos teus olhos de manhã ensonada

Olho-te sem perceber porque morrem as crianças

Porque choram as crianças no Inverno

Que trazem nas veias o derradeiro veneno

E perdem-se nos corredores da dor

Olho-te na claridade nocturna da paixão

Que neste pobre desenho habita

E depois da morte

Vêm os braços da fé

Quando rezas

Quando te ajoelhas junto ao altar da maré dos silenciados luares

Uma lareira incendeia as tuas mãos

Que ergues a Deus

E no desenho

Acordas para a reencarnação

 

 

Alijó, 28/10/2022

Francisco Luís Fontinha