quinta-feira, 15 de setembro de 2022

O que pensas da paixão, em dias de chuva, minha querida?

  

Descem sobre mim as lágrimas do Céu; percebo que transporto no olhar o pequeno silêncio da manhã e sempre que me descuido, um pedacinho de tristeza se alicerça ao meu peito. E as palavras parecem balas disparadas pela espingarda do desejo.

O que tem paixão em comum com as lágrimas do Céu, meu querido?

Talvez tudo. Talvez nada. Sabias que dentro da paixão existe uma equação sem resolução?

Não. Não sabia, meu querido.

E que a paixão tem vida, tem nome, tem sexo, idade, religião…

És parvo, meu querido.

E que Deus não sabe matemática?

Parvo, parvo, parvo…

Tenho medo da tua mão silenciosa, tenho medo dos teus olhos em profunda tristeza, quando ambos sabemos que dentro de ti habitam as mais lindas recordações de uma infância pincelada pelas marés em cio. Onde anda aquele menino dos calções que se deliciava a olhar o mar e os barcos e a areia branca do Mussulo?

Vive dentro de um álbum de fotografias a preto e branco… e dizem que voa sobre um rio curvilíneo embrulhado em socalcos de medo.

A paixão, meu querido, é o silêncio entre dois olhares e separados por duas rectas paralelas…

Mas duas rectas paralelas encontram-se no infinito, minha querida…

Pois… não sei o que diga.

Imagina dois olhares suspensos na manhã

Sim, estou a imaginar.

Imagina que sobre esses dois olhares, em pedacinhos de mel, descem as lágrimas do Céu

Sim, consigo imaginar.

Imagina agora, meu querido, que esses dois olhares têm um corpo, têm desejos, têm mãos que se entrelaçam nos lábios do mar

Sim, minha querida.

E esses olhares e esses corpos e essas mãos e esses desejos… voam sobre o mar pincelado de beijos, enquanto no peito desses dois olhares, sem que alguém perceba, há um triângulo rectângulo em que o quadrado da hipotenusa é igual à soma do quadrado dos catetos e

Não percebo, minha querida.

E descem as lágrimas do Céu sobre mim…

Não. Não sabia, meu querido.

E que a paixão tem vida, tem nome, tem sexo, idade, religião…

És parvo, meu querido.

E que Deus não sabe matemática?

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 15/09/2022

(Ficção)

quarta-feira, 14 de setembro de 2022

Complexa equação

 

(á minha mãe)

 

 

Quando regressa a tristeza,

Invento o sono sonâmbulo da madrugada,

Estendo a mão para o rio,

Ergo-me sobre a montanha,

Quando regressa a tristeza,

Desenho-te na vidraça da minha triste janela…

Como se fosses um pequenino pássaro

Em busca de liberdade,

 

Como se fosses a saudade

Da tristeza anunciada,

E caminho por esta estrada,

Só, muito só…

Como se fosses o sol

Das tardes de Verão,

Quando regressa a tristeza,

Invento lágrimas de luar,

 

Como se fosses uma árvore na alvorada

Com estrelas em silêncio

Em sombreado desenhar.

Quando regressa a tristeza,

Escrevo-te nesta pequena folha quadriculada…

Como se fosses uma complexa equação

Numa pedra sentada…

Sem perceberes que a matemática é paixão,

 

É beleza.

Quando regressa a tristeza,

Abraço-me, escondo-me neste quarto escuro,

Como se eu fosse a tua sombra…

Como se eu fosse a tua própria tristeza.

E quando regressa a tristeza,

Puxo de um cigarro…

À espera que a tristeza morra.

 

 

Alijó, 14/09/2022

Francisco Luís Fontinha

Noite

 

Folheio-te como se fosses um livro,

Folheio-te nesta triste manhã,

Folheio-te enquanto vivo,

Enquanto respiro o teu perfume…

Folheio-te enquanto sinto

 

No meu peito a dor das estrelas.

Folheio-te como se fosses o luar,

A luz matinal do cansaço,

Folheio-te nestas marés em lágrima,

Folheio-te nesta madrugada,

 

Triste e sem alma.

Folheio-te meu doce poema,

Palavra semeada no vento…

Folheio-te sem perceber que amanhã

Rasgarei a minha fotografia,

 

E voarei sobre o mar.

Folheio-te doce pedacinho de mel,

Sorriso de abelha,

Folheio-te como se fosses um livro

De poesia,

 

Folheio-te enquanto durmo,

Folheio-te enquanto sentado nesta pedra

Sinto o peso das nuvens cinzentas…

Folheio-te como se fosses um livro

Poisado sobre a noite.

 

 

Alijó, 14/09/2022

Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 13 de setembro de 2022

Somos saudade

 

Habitamos em corpos cansados,

Enquanto as flores,

Brincam e sorriem…

Enquanto os pássaros,

Dançam e voam sobre o mar.

 

Somos esqueletos desgovernados

Sob o silêncio da tempestade,

Somos corpos amontoados…

Somos saudade:

Habitamos em corpos cansados,

 

E parecemos as árvores

Quando o vento as tomba sobre a solidão.

Habitamos neste labirinto de cansaço,

Porque deixamos fugir a luz

Que nasce em cada olhar.

 

E em cada olhar,

Entre pedacinhos de mel,

Esconde-se o desejo

E revolta-se este rio doirado…

Habitamos em corpos cansados,

 

Que apenas um coração apaixonado

Consegue desenhar na alvorada…

Porque somos instantes,

Porque somos saudade…

Porque somos fotografias de corpos cansados.

 

 

Alijó, 13/09/2022

Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 6 de setembro de 2022

Lábios madrugar

 

Percebo que nas cores dos meus desenhos

Habitam os teus lábios madrugar,

Que em cada palavra que escrevo

Há um barco sem marinheiro,

Há um marujo sem destino,

 

Percebo que neste mar

Onde habito,

Suicidam-se algas

E erguem-se as sonâmbulas sombras da insónia…

Percebo que nas cores dos meus desenhos

 

Escondem-se as paisagens da minha infância,

Com gaivotas, com papagaios em papel…

Percebo que estes desenhos

São as cores da morte,

São esqueletos em movimento,

 

São a manhã em despedida.

Percebo que estas cores

Transportam a montanha aprisionada

Na mão de uma criança,

Percebo que nos teus lábios madrugar

 

Há desenhos sem nome,

Há rios que não correm para o mar,

Percebo que nas cores dos meus desenhos

Há um Deus cruel,

Um Deus…

 

 

 

Alijó, 06/09/2022

Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Os beijos da tempestade

 

Setembro é um mês triste.

Julho é um mês triste.

As pétalas das minhas flores

Caíram como caem os beijos

Depois da tempestade,

 

Como caem as palavras

Quando morre o poema e acorda a saudade;

Setembro é triste,

Julho é triste…

Mas a vida não é feita de meses,

 

De anos ou horários.

Depois, dou graças porque estou vivo,

Porque escrevo,

Porque desenho,

Enquanto as pétalas das minhas flores… caíram,

 

Restaram-me as fotografias,

Lugares imaginários,

O mar.

Setembro é triste.

Julho é triste.

 

Setembro é triste,

Como poderia ser Janeiro,

No entanto,

Continuo a semear as palavras

Nas sombras da tua mão.

 

 

Alijó, 05/09/2022

Francisco Luís Fontinha