sábado, 19 de fevereiro de 2022

Ausência

 

Ausento-me.

Enquanto o sono se despede de mim,

Enquanto esta fogueira me consome,

Enquanto o dia se derrete,

Enquanto a lua se deita,

Enquanto o medo me absorve.

 

Ausento-me.

Enquanto o silêncio habita neste corpo,

Enquanto estes ossos não se transformam em pó,

Ausento-me.

Enquanto o mar não entra pela janela,

Enquanto a morte não me vem buscar.

 

Ausento-me.

Enquanto ainda tenho beijos,

Enquanto ainda existem abraços,

Enquanto este relógio não pára de caminhar…

Ausento-te.

Enquanto este poema não morre.

 

Ausento-me.

Enquanto esta cidade não dorme,

Enquanto este rio não deixa de correr para o mar.

Ausento-me.

Ausento-me,

Enquanto escrevo e a tua mão não deixar de me tocar.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 19/02/2022

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Seis pedras

 

Seis pedras na mão,

Quando acorda a alvorada,

Seis poemas enganados,

Seis poemas adormecidos,

Seis pedras na mão,

Seis estrelas cansadas,

Seis livros de nada,

Nos seis dias sem descanso,

 

Seis vozes que escuto,

Nas primeiras seis horas do dia,

Seis rios entroncados,

Nas traseiras da montanha,

Seis pedras,

Seis navios,

Seis pedras na mão,

Às seis horas da tarde,

 

Seis destinos.

Seis pedras,

Seis meninos,

Nas seis flores,

Seis pedras,

Seis manhãs…

Seis palavras,

Nas seis mortes do poeta.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 17/02/2022

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

Supérfluo amanhecer

 

Supérfluo amanhecer

Quando as palavras

Avançam contra o peito do homem,

Quando as flores se esquecem de envelhecer,

Quando o homem deixa de ser homem,

Quando uma criança faminta,

Se ergue entre as paredes da insónia.

 

Supérfluo amanhecer

Quando as palavras

Avançam contra o peito do homem,

O mar vacila na escuridão,

Quando o homem deixa de ser homem,

Quando as palavras em combustão,

São balas para a espingarda da saudade.

 

Supérfluo amanhecer

Quando as palavras

Avançam contra o peito do homem,

Quando o homem mata o homem, quando o homem é palavra envenenada

Nos poemas de morrer;

Supérfluo amanhecer

Quando o homem dá conta que a noite é uma enxada.

 

 

 

Alijó, 16/02/2022

Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Flores de Inverno

 

O último suspiro que paira no rosto de uma criança,

A última fotografia que a noite absorve,

O último silêncio dos peixes em cardume,

Nas últimas palavras da enxada do sono.

O último desejo da tempestade,

Quando desce sobre a aldeia o veneno,

O último poema da saudade,

Que aprisiona todas as palavras do inferno.

A última pedra onde se senta,

Em frente à última paisagem pincelada de branco,

O último adeus,

Do penúltimo cigarro.

A última pedra arremessada sobre a escuridão,

Quando todos os pássaros festejam,

Quando todos os pássaros dançam…

Quando todos os homens e mulheres… morrem.

A última oração.

A última tarde de Inverno,

Quando as flores choram,

E a chuva se despede do sorriso de uma criança.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 15/02/2022

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

 

Quando te apetece desistir dos teus sonhos e, a pessoa que te ama te diz: não desistas, eu estou aqui. Isso é, dia de S. Valentim.

Quando acordas e percebes que tens uma tempestade sobre ti e, a pessoa que te ama desenha um sorriso no teu rosto, isso é, dia de S. Valentim.

Quando a pessoa que te ama abdica de uma ida a um bar, jantar fora ou de um fim-de-semana porque tens de ficar fechado no escritório à volta de equações, isso é, dia de S. Valentim.

Dia de S. Valentim é todos os dias, todas as horas, minutos e segundos.

 

Ao amor,

 

 

Saboreio-te entre as nuvens manhãs

Como se fosses o fruto poético da alvorada,

A canção que desce a ribeira,

A palavra escrita no teu olhar.

Saboreio-te entre as nuvens manhãs

Como se fosses a jangada invisível dos sonhos,

Quando acorda a noite e,

Temos dentro de nós a saudade.

Saboreio-te entre a nuvens manhãs

Como se fosses o poema quando nasce,

Grita e,

Chora.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 14/02/2022

domingo, 13 de fevereiro de 2022

Poema envenenado

 

Não sei porque chove

Neste poema envenenado.

Não sei porque chove

Nestas palavras sem nome.

Não sei porque chove

Neste corpo cansado,

Cansado da fome.

 

Não sei porque chove

Nos teus lábios de amanhecer.

Não sei porque chove

Na tua boca de luar.

Não sei porque chove

Neste corpo de morrer,

De morrer junto ao mar.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 13/02/2022

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

Máquina de escrever

 

Na máquina de escrever

Escrevo o teu nome

E desenho os teus lábios de cereja,

Pinto a tua boca

Com pinceis de desejo,

Escrevo o teu nome,

Desenho o teu beijo.

Na máquina de escrever,

Agradeço por pertenceres à minha sombra,

Quando ainda ontem,

Eu mergulhava na tela luar.

Na máquina de escrever,

 

Eu, sou o poema,

Sou a geada suspensa na madrugada,

Sou o verbo amar,

Quando a noite

Não tem medo a nada.

Na máquina de escrever,

Sou o poeta,

Ou outro gajo qualquer,

Sem identidade,

Sem nome,

Que caminha na tua mão,

Feliz por ser.

 

 

Feliz por ter,

Ter uma máquina de escrever.

Na máquina de escrever,

Dentro do velhinho teclado,

Há uma gota de amor

Dançando na insónia.

Na máquina de escrever,

Onde me sento e deito,

Como uma pedra selvagem…

Neste corpo em viagem,

Neste corpo que chora no teu peito.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 11/02/2022