domingo, 21 de novembro de 2021

O menino dos calções sonhar

 

A manhã parecia a palavra acabada de suicidar o poeta que dormia sentado num seixo junto ao mar, junto ao mar ele escrevia, desenhava os números na sombra do sonho, porque ele sonhava, dormia pensando que voava, todas as tardes, sobre o mar,

Porque ele amava.

Amava as pedras, os seixos, onde o poeta dormia sestas intermináveis, tão longas como os  Invernos em Trás-os-Montes, infindáveis, azedos, dolorosos, até, quanto mais para uma criança.

Criança essa que acreditava que os sonhos eram pequíssimos cubos de vidro, que um adulto puxava com um pedaço de corda. Esticava a corda, por vezes partia e, o miúdo lá acordava acreditando que brincava com pássaros em papel.

A tarde em lágrimas, para logo depois sorrir e de tanta gargalhada, vomitar lágrimas de fogo, mais parecendo às vezes, o inferno pincelado de medo. Pequenos charcos se formavam no pavimento térreo da infância, um boneco estúpido saltitava de contente, tinha acabado de tomar banho e, com o calor que se fazia sentir, sempre estava mais refrescado. Eram assim os sonhos das manhãs que agora mesmo, acabam de suicidar o poeta.

Poeta suicidado, poema eterno.

O miúdo fazia-se transportar dentro de uns calções floridos, sandálias em couro e, umas vezes sim, outras vezes não, sobre os ombros uma camiseta em papel pardo. Nas traseiras da casa, junto ao galinheiro, habitava uma mangueira com mãos de flor e, todas as manhãs, a mangueira agarrava pela mão do menino e iam passear junto aos Coqueiros; os treinos de hóquei fascinavam-no, como fascinavam os pássaros em papel e, as árvores em algodão e, os aviões e, todos os barcos.

E de todos os barcos, um dia, com o mais pequeno deles, atravessou o Tejo e fugiu para a Calçada da Ajuda, sentou-se junto à margem e, começou a desenhar pequenos pares de sandálias para calçar todos os meninos, que como ele, sonhavam todas as noites, dentro do cubo de vidro, dentro do sonho dos adultos.

Certo dia, foi obrigado a trocar os calções por um par de calças, lavam-se durante a noite e secavam durante a noite, para manhã cedo rumar a uma escola velha e caquéctica, também foi obrigado a trocar as sandálias de couro por uma botas pesadíssimas que chiavam quando chovia; e nessa altura desconhecia o significado de peso, massa, gravidade. Mas eram pesadas.

O peso é uma coisa e, amassa, uma outra coisa e, quando lhe perguntavam se pesava mais um quilograma de feno ou um quilograma de ferro acabado de falecer, ele respondia que não sabia.

De todos os meninos que brincaram com o menino dos calções, apenas ele e os calções, habitam esta cidade que acaba de adormecer; da noite, todos os beijos são flores em papel, que tal como o menino dos calções, brincam a escrever cartas a todos os meninos que brincaram com ele.

 

 

 

 

Alijó, 21/11/2021

Francisco Luís Fontinha

sábado, 20 de novembro de 2021

O amor é um verso

 

Se me imagino sentado nas tuas coxas de incenso?

Imagino-o enquanto as palavras envenenadas pelo desejo,

Quando se suicida a tarde junto ao mar,

E oiço o silêncio de um beijo,

Um beijo de amar.

Pode ser também um beijo de beijar,

Pois no meu jardim,

Junto a mim,

Habitam flores em delírio,

Flores com sombra de Luar.

Se me imagino?

Imagino-me sentado

Nas sílabas imbecis do poema escrito por mim,

Quando na minha mão,

Números e equações de miséria,

Acreditam que as palavras de uma canção,

A minha canção,

São apenas nadas, artéria

Ensanguentada dentro desta cidade,

Dentro deste cubo de vidro martelado.

Sinto-me prisioneiro às árvores da madrugada,

Árvores habitadas por pássaros que infelizmente, não sabem nada,

Não sabem que as pedras amam outras pedras,

Que outras pedras podem amar as flores,

E estas, amar outras flores,

E outras flores, amarem outras manhãs,

Manhãs que amam outras noites,

Noites que amam as pedras:

Poemas meus, que não amam,

Desenhos que me amam,

E,

Palavras que me odeiam.

Que todos amam a Lua e o Luar,

Que a Lua não ama nada,

Ninguém,

Nem ao primeiro astronauta que lá poisou,

As flores também amam a Lua e o Luar,

Os pássaros amam a noite,

Porque dormem e sonham,

Porque o amor é um verso,

Um poema enorme,

Que vive junto ao mar.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 20/11/2021

terça-feira, 16 de novembro de 2021

Equação das paixões

 

Sentimos e sentamo-nos

Sobre a equação das paixões.

Percebemos que depois de uma equação morrer,

Tal como as palavras do poema,

Apenas permanece a sombra,

E a saudade.

Da saudade,

Tenho saudade,

Do poema, das palavras do poema,

Odeio-os,

Como odeio os pássaros no Inverno,

Que podiam estar recolhidos, junto à lareira e,

Voam estupidamente junto às árvores.

Dos rios,

Tenho a saudade do vento junto à ponte pedonal,

Quando eu criança,

Brincava com um papagaio em papel;

A minha mãe,

Desenhava e construía papagaios em papel,

Que voavam sobre uma Luanda longínqua,

Sombria hoje,

Sombria, para mim, ontem.

O poema posso assassinar diariamente,

Quanto à saudade,

Essa,

É impossível de assassinar.

Na equação das paixões,

Pareço um sonâmbulo quando brinca

Com uma nuvem adormecida,

Que o professor,

Por falta de tempo,

Esqueceu na ardósia da manhã.

Quanto à saudade,

Essa,

Nunca se esquece,

Nunca se apaga na memória do poema;

Dorme, às vezes,

Revolta-se, outras vezes,

Mas é impossível de apagar,

Assassinar,

Ou mesmo ela,

Se suicidar contra a janela do silêncio.

A saudade, tenho-a,

Muitas.

A saudade é uma roda dentada,

Que nunca se esquece do mar.

E no mar,

Vive a saudade.

E no mar,

Habitam todos os poemas de ninguém.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

ESTiG, Bragança, 16/11/2021

sábado, 13 de novembro de 2021

Os sonhos sonhados

 

São montanhas e vales

Despidos de palavras de escrever,

São rosas, são árvores e pássaros,

São poemas a correr,

São água a ferver,

São rochas a brincar

Nas ribeiras a saltar,

São palavras,

São palavras de amar.

São luar

Nas planícies em solidão,

São carros desgovernados,

São carros em contramão,

Na contramão dos sonhos sonhados.

São as brincadeiras ao nascer do sol

Quando acorda a madrugada,

São rosas, são árvores,

São canção…

São tudo e não são nada.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 13/11/2021

quinta-feira, 11 de novembro de 2021

Os pássaros de viver

 

Onde habitam os pássaros

Dos teus lábios

Que voavam nas árvores da minha boca,

Meu amor!

O que fazem os pássaros

Dos teus lábios

Quando na minha boca, meu amor,

Habitam as flores do teu sorriso!

Como se sentem, meu amor,

Os pássaros do teu cabelo,

Quando nos meus braços,

Habitam o silêncio e o desejo!

O que sentem os pássaros

Dos teus seios,

Quando nas minhas mãos,

Habitam os pássaros de escrever!

E dos pássaros das tuas coxas,

Quando se abraçam

Aos pássaros da minha noite,

Sabendo que os pássaros

Do meu silêncio,

São os pássaros de amar,

São os pássaros de beijar…

Como serão os pássaros

Do teu olhar,

Quando os pássaros do meu escrever,

Se sentam junto ao mar,

E, se abraçam até que acorde o luar,

E nasçam os pássaros de viver.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 11/11/2021

quarta-feira, 10 de novembro de 2021

Palavras na alvorada

 

Entre o Ansys, placas rectangulares

E quadradas,

Prefiro os teus abraços,

Prefiro a tua boca envenenada pelo desejo,

Prefiro as madrugadas,

Prefiro o teu beijo…

Nas noites envergonhadas.

Mas… esquecemos as placas

Quadradas, rectangulares, circulares…

Esquecemos o Ansys que gatinha no meu pensamento,

Vamos falar de amar!

Vamos falar das cidades,

Vamos falar dos mares,

Do sol, que és apaixonada,

Das estrelas nocturnas do Ujo,

Dos retractos que amamos,

Vamos falar das gaivotas,

Pontes,

Pontes que atravessam rios,

Pontes que nos levam à cidade,

Vamos falar de rosas,

Palavras,

Sim; palavras amorosas.

Vamos esquecer o ansys

E todas as placas,

Sejam lá o que elas sejam,

Quadradas,

Rectangulares,

Circulares,

Tanto faz,

Mas, vamos falar de desejo,

De abraços junto à praia,

Vamos falar dos livros,

Dos desenhos,

Vamos,

Vamos desenhar um abraço

No silêncio da noite, um beijo na despedida da madrugada,

Vamos esquecer o cansaço,

E semear palavras na alvorada.

 

 

Francisco Luís Fontinha

ESTiG, Bragança, 10/11/2021

domingo, 7 de novembro de 2021

A lentidão das coisas

 

Abraço-te, sentindo que da lentidão das coisas,

Acordam na tua mão as rosas floridas,

Abraço-te, sabendo que na lentidão das coisas,

Vivem todas as palavras sofridas.

Abraço-te, sabendo que nos braços da lentidão das coisas,

Escrevem-se livros de poesia e, desenhos de viver,

Escrevem-se também, as palavras que ela sentia,

Nas palavras de morrer.

E de dizer.

Abraço-te, abraçando-me à lentidão das coisas,

Um perfume envenenado,

Talvez, como das outras vezes,

Um corpo ensanguentado,

Ou uma donzela em translação,

Talvez um corpo queimado,

Talvez, talvez uma enorme ferida no coração;

E, mesmo assim, houve uma vez,

Onde senti a neblina cansada da escuridão.

Abraço-te, quando na lentidão das coisas,

Regressa a noite bem vestida,

Se senta na esplanada da vida,

Grita,

Grita para a alvorada,

E ouve da enxada maldita,

O silêncio das abelhas em gargalhada.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 07/11/2021