segunda-feira, 20 de setembro de 2021

As lágrimas da insónia

 

Trago na mão

O mar embainhado

De uma cidade perdida,

Trago nos lábios

O poema envenenado

Da madrugada esquecida,

Trago no rosto

As lágrimas da insónia

Adormecida,

Das palavras à morte

Da morte à paixão com vida,

Trago na poesia

As silabas envergonhadas

Da imagem aparecida,

Trago, trago no olhar

As nuvens em fogo, da fogueira ardida.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 20/09/2021

domingo, 19 de setembro de 2021

Uma morte ausentada

 

Desenhavas com o olhar,

No tecto do silêncio,

Curvas senoidais,

Enquanto me despedia dos teus soluços

E gemidos de dor,

Escrevia na minha mão,

A equação da saudade.

Apetecia-me fugir,

Ser um covarde e,

Correr,

Em direcção ao mar.

Apetecia-me gritar,

Não ser covarde e,

Cerrar os olhos,

Penhorando o meu olhar.

Levemente,

Levantei a minha mão alicerçada no teu peito,

E, aos poucos,

Olhava pela janela,

Aberta para a tua viagem,

Os pássaros nocturnos da solidão.

Sabia que o fim,

Em tudo,

Era igual,

Ao outro fim ausentado,

No entanto,

Acreditava que me ouvias,

E,

Conseguias pronunciar o meu nome;

O meu nome, que tantas vezes

Escreveste nos céus de Luanda.

(Desenhavas com o olhar,

No tecto do silêncio,

Curvas senoidais)

Senos cansados,

Co-senos envenenados por um qualquer

Triângulo rectângulo,

Que apenas na minha mão,

Naquele lugar,

Silenciado pela morte,

Tinha existência física.

Uma viagem sem retorno,

Como o sono,

Quando um cadáver quadriculado

Morre na lareira do corpo ausentado.

Saí a correr,

Puxei de um vadio cigarro e,

Chorei,

Acreditando na mentira,

Pensando que sonhava,

Sílabas de insónia

E pequenas quadriculas na alvorada.

Acreditando na mentira,

Da noite ausentada.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 19/09/2021

terça-feira, 14 de setembro de 2021

Corpo sofrido

 

Danço nos teus lábios de amêndoa adormecida

Enquanto na tua boca de sílaba encantada

Vive a nuvem desesperada

Vive a flor esquecida,

 

Sento-me em ti como se fosses a página poética da madrugada

As palavras dispersas nos lábios da maré,

Sento-me, sento-me sem fé

Da fé amargurada.

 

Escrevo-te na sombra do amanhecer

Palavras que pinto no teu corpo florido,

Escrevo, escrevo viver,

 

Escrevo amar,

Escrevo a canção do corpo sofrido,

Do corpo suspenso no mar.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 14/09/2021

domingo, 12 de setembro de 2021

A cabeça azulada

 

Ouve-me

A cada sílaba suicidada

Na madrugada,

Senta-te

Em mim

Em cada rua ensanguentada,

Puxa pelas palavras assassinadas

Como puxas o cigarro enforcado

Na sombra das esplanadas.

Beija-me

Quando a sombra se traveste de dia

E,

Do dia travestido

Acorda o poema amarrotado

Pelo desejo

Vestido

Na mão de um drogado.

Escolhe o pecado

Vive-o

Como se ele fosse o amanhecer,

Senta-te

Escreve

E não te canses de viver.

Deus construiu o sono

Nocturno

Dos pássaros embriagados,

Não sei, nunca o saberei…

Porque Deus me obriga a habitar

Um cubículo sem janela

Para o mar

E, e sem cortinados.

Oiço-o enquanto conversa

Com a raiz quadrada do silêncio,

Multiplica-o pela derivada do desejo,

Eleva o resultado ao cubo,

E,

Nada; fico com nada.

Deus, não sabe matemática,

Não é poeta…

E,

E odeia-me desde que nasci.

Sou obrigado a mendigar

As palavras de amar,

As outras,

As palavras de desejar,

E, e depois,

Nasce o beijo,

Cresce na tua boca o poema beijar,

Como se a neblina

Descesse a encosta dos teus seios,

Logo pela manhã,

E Deus,

De cabeça azulada,

Escreve no meu quadriculado;

Amanhã,

Amanhã traz a enxada,

Cava a terra e,

E saberás que que zero é igual a um.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 12/09/2021

sexta-feira, 10 de setembro de 2021

Quando Deus construiu o número treze

Todos os dias chorávamos as lágrimas ensonadas da madrugada; talvez um dia, depois de acordar, escrevam as minhas memórias numa lápide quadriculada, feia e rabugenta. Quando olhava para as estrelas, quase ao regressar de ontem, observava o silêncio emagrecido do crepúsculo e, toneladas de pássaros voavam em direcção ao silêncio que habitava naquele casebre de aldeia, junto ao rio,

Vomitava palavras durante o desfile de barcos e carros de brincar, sabia

Depois do rio,

Nada, desde que abracei aquela velha árvore, enquanto uma enxada preguiçosa laborava nos socalcos em xisto que alguém, muito importante, desenhou na alvorada.

Sabia que havia um túnel de vento e que o meu corpo era testado aerodinamicamente, como se eu fosse um corpo suspenso no amanhecer,

Provavelmente, eles mentem-me

Não o sabia, desculpe o meu silêncio.

Deus enganou-se quando me estavam a fabricar, queixava-se ele todas as manhãs ao acordar. Perdeu a cabeça e, um certo dia, ao final da tarde, em frente a um espelho de néon, deu-se conta

Uma pedra!

E atirou-a contra o túnel de vento.

Sabia que depois do rio, Deus tinha construído um corpo emagrecido pela poesia, que os pássaros que viviam na sua mão, meia dúzia deles, eram apenas desejos desejados dos beijos ejaculados na boca do prazer,

Gemia,

Gritava-lhe

Olha os pássaros.

E matou todos os pássaros.

Detesto-os, segredava-lhe ele quando abria a janela e, num sufoco de espuma, alguém lhe trazia o mar e, do mar, aparecia a mulher mais bela da montanha do desejo,

Desejava-a,

Até que

Todos morreram de fome. Naquela tarde de Outono, quando da vindima, percebeu que apenas sabia porque Deus o tinha construído; apenas para sofrer, pensava ela, e de tanto sofrer, partiu como partem as gaivotas antes da tempestade.

Tinha a esperança de encontrar um número que fosse primo do vizinho e filho do empregado da esplanada, em frente à sua sombra.

Na algibeira transportava o número treze, só, sem mais ninguém e, um certo dia

Evaporou-se na neblina.

 

Toque as cornetas

Que Deus vai construir

O número treze.

 

Deus, que também se engana

Construiu o número trinta e um,

Deitou-se ao terceiro dia

E, morreu incinerado nas mãos do vizinho

Do trigésimo quinto andar

Antes do sótão.

 

Porque me dizes que amanhã é sábado?

Porque amanhã é sábado.

Porque amanhã nascerá o número quatorze

Cesariana

Coisa simples

Coisa de nada.

 

Coisa de loucos,

Dirás tu.

 

Toque as cornetas

Que Deus vais construir

O número treze.

 

E, quando demos conta

Deus em vez de fabricar o número treze,

Não

Enganou-se

E, apareceu-nos a raiz quadrada

De seiscentos e vinte e cinco; merda.

 

Onde está o treze, pá?

 

Tanto faz, responde-nos Deus.

Tanto faz…

 

E, olha!

 

Olha?

Preciso do treze,

Vai à merda, diz-me Deus.

Vai à merda.

(e antes de se retirar, Deus diz-me:

Calcula a raiz quadrada de seiscentos e vinte cinco

Subtrai-lhe doze e ficas com o treze,

Burro de merda).

 

Ainda bem que Deus sabe matemática.

Ainda bem; um dia.

 

Toque as cornetas

Que Deus vai construir

O número treze.

 

 

Ao cair a tarde, ela, depois da visita ao jardim, quando entra em casa, depois de subir treze degraus, percebeu que ele transportava na algibeira a medalha com o número treze e, acreditem, nem eu nem a minha mãe

Percebemos porque trazia ele a medalha com o número treze, mas

Acredito que foi Deus que lha deu, um qualquer dia, em Luanda.

As certezas são poucas, o corpo embebido em sombras de granito e, na lápide

Eterna saudade de seu filho.

Uma carta de despedida, nem isso teve coragem de deixar em cima da mesa-de-cabeceira.

Fez amor com o desejo, puxa de um cigarro, vai à janela e,

Foda-se.

Esqueci-me da medalha com o número treze dentro do livro de AL Berto.

Desenhava o poema, abria as pernas e,

Voava, voava, voava até que morreu de sono.

Tristeza, esta, queixava-se quando acabava de fazer amor.

Sempre o desejo. Maldito desejo este, transportar uma triste medalha com o número treze.

Até breve, meu filho.

Até, meu pai. Até.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 10/09/2021


O beijo desejado

 

Invento nomes ao sono que adormeço,

Das cansadas planícies onde habitei

Ao eterno berço,

Mentiras que esqueço

Nas palavras que amei.

Sonho

E pareço,

Pareço o palhaço que sonhei.

 

Invento o sono adormecido

Na equação desejada,

 

Perdão; atiro flores ao amanhecer

Sofrido,

Do corpo oiro de minha amada.

 

Se não é uma equação…

O que será a paixão?

 

Talvez o desejo

Desejado,

Quando o beijo,

O beijo amado,

Se abraça ao coração.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 09/09/2021

quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Equação em movimento

 

Nesta equação em movimento

Dentro deste espaço desorganizado

Nesta caixa multibanco

Saltitante

Desta rua sem nome,

Desta pedra o alimento

Das veias ao corpo crucificado

Correndo descalço na equação me sento

Às sílabas a palavra andante

Que o meu corpo ausente,

Não vê nem sente,

O pão da fome.

 

Nesta cidade vaidosa

Com ruas rendilhadas

Porque a equação em movimento,

Triste e nua,

Quando voa na sombra das esplanadas

Escreve na mão o mar

Depois de comer a lua,

Sem perceber que da mão oleosa,

As palavras da equação

São números letras sombras… poesia.

Dentro do coração

Vive o poeta equação

Que nem sequer sabia

Que a razão

Entre o seno

E o co-seno

Se chama tangente;

A tangente da paixão.

 

Que duas rosas plantei

Num qualquer caderno quadriculado,

Duas rosas amei,

Por duas rosas chorei;

O papel semeado.

 

Desta pedra o alimento

Das veias ao corpo crucificado

Correndo descalço na equação me sento,

 

Correndo descalço na equação sou enforcado.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 08/09/2021