Sabíamos que era Sábado
porque estava escrito na parede da sala. Os gonzos pareciam envenenados pelo
silêncio e, uma sombra ténue projectava a insónia da pilha de livros junto à
janela. O rio durante a noite tinha galgado o quintal, ao menos, apenas as
árvores ficaram submersas, como se fossem corpos embalsamados dentro do tumulo.
Ia à janela, puxava de um
cigarro e, desenhava palavras na vertente norte da solidão, poisava a minha mão
na mão dela, acariciava-lhe o sorriso com um pequeníssimo olhar e, percebi que
tenho mais jeito para escrever do que ser engenheiro; às vezes sinto o peso dos
retractos nos ombros, uma sensação estranha que só percebo depois de acontecer.
Entre momentos, pequenos instantes, pincelava-a com o meu olhar de transeunte desnorteado
à procura de um milagre. Precisava mesmo de um milagre, segredava-lhe ele ao ouvido.
Era um gajo antipático
com um feitio de merda, não gostava de multidões e, sempre que era Sábado,
religiosamente como quem vai à missa das dezoito horas, dava-lhe na telha de
pegar nos álbuns de fotografias e, entre silêncio, manuseava cada retracto como
se fossem simples flor. ,
Hoje o rio estava
cansado; tal como ele se sentia todos os Sábados ao acordar.
Prisioneiro das sombras do
Além.
Escrevo cartas a Deus.
Envio-as para o endereço mais curto que conheço; Avenida das Almas, nº 5 –
Lisboa. Nunca obtive resposta. As palavras, quando escritas para ele, adornavam-se
em cima de uma secretária bolorenta, carcomida pela ferrugem dos sonhos, que
durante a noite, boiavam nos socalcos do medo.
Nunca me levas a passear.
E, é hoje que vamos
passear. Levamos umas laranjas, alguns poemas e, fazemos um piquenique
literário.
Como assim?
A ponte, meu amor.
As coisas boas, meu amor.
Este gajo é insuportável.
Pronto, disse.
Sabíamos que era Sábado
porque estava escrito na parede da sala. Os gonzos pareciam envenenados pelo
silêncio e, uma sombra ténue projectava a insónia da pilha de livros junto à
janela. O rio tinha acordado com uma tremenda dor de costas, ora bem, a idade
também não ajuda e, o caminho é tumultuoso, de pedra entre pedra, contando
pontes e pontões, já tinha caminhado por baixo cerca de trinta e cinco, não
esquecendo o lixo que tem de transportar até à Foz.
Tudo é lindo quando acaba
bem, segredava-lhe ela ao ouvido.
Sabes, dizia ele, até
parece que hoje é Sábado.
Sábado, hoje?
Sim, fui ao cemitério e
vi muita gente para um normal dia. Coloquei-lhes flores, velas e, conversei com
eles. Têm sempre uma palavra carinhosa para comigo, não admira, sou filho.
A ponte, meu amor.
Nunca me levas a passear.
Sábado, meu amor. Sábado.
Francisco Luís Fontinha,
Alijó 10/02/2021