terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

O poço da insónia


Debruçávamo-nos sobre o poço da insónia junto ao quintal,

Sabíamos que tínhamos uma viagem para alimentarmos a alma,

E nenhum de nós se aventurou,

Olhávamos os sorrisos da morte…

E os pregos do inferno,

Estávamos acorrentados ao desejo

Como duas loucas gaivotas poisadas no mastro de um barco,

Flutuávamos no infinito da solidão

Sem percebermos que do outro lado do rio

Um cais nos esperava,

Cordas,

Âncoras de amanhecer com odor a nostalgia,

O silêncio das garças embainhado nos nossos corpos suados

Como bandeiras por hastear…

Baloiçando o amanhecer,

Comendo pedacinhos de sol e algumas flores adormecidas pelo frio,

Tínhamos na algibeira o rochedo dos sonhos

Que todas as manhãs nos acordava,

Tínhamos nas mãos as pétalas em papel dos lábios de uma cegonha,

Envergonhada às vezes,

Atrevida, outras,

Debruçávamo-nos sobre o poço da insónia junto ao quintal,

E assim ficávamos até voarmos em direcção à montanha…

 

Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 16 de Fevereiro de 2016

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Lágrimas envergonhadas


As lágrimas envergonhadas

Do silêncio anoitecer

O cansaço da vida

Viver

Sem viver

Sentado nesta triste esplanada

Sem fotografia para o mar

Sem fotografia para o escurecer

Do silêncio anoitecer

O cansaço da vida

Viver…

Sem ser visto

Junto ao pôr-do-sol…

E escrever

Escrever no teu olhar

O poema do morrer

Aos poucos

Devagarinho

Como um passarinho ao acordar

Saltita na árvore dos sonhos

Brinca na eira dos desejos…

E as lágrimas envergonhadas

Prisioneiras nos invisíveis beijos.

 

Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 15 de Fevereiro de 2016

domingo, 14 de fevereiro de 2016

A via não regressa mais aos teus braços, meu amor, sentíamos os gonzos da insónia acorrentados aos nossos lábios, o dia consegue alimentar-se das ardósias sonsas do olhar, a noite envergonha-se nos nossos medos, de amar, ser amado, amarmo-nos sem percebermos que amanhã o amor é uma lápide de lágrima, tive um sonho esta noite, estávamos sentados na saudade
Saudade, meu amor? Sim, sim meu amor, sentados na saudade, as cancelas da morte entreabertas, sentados na saudade,
Amanhã, meu amor, os pássaros brincando na janela virada para a Quinta, ao fundo o Rio, o Douro envergonhado galgando os socalcos do desejo, a vida
Não, não regressa mais aos teus braços
Meus amor?
Sim, claro, amanhã, amanhã sentiremos o odor dos sufixos aprisionados ao Dicionário da paixão, a encosta, o medo de perder-te, meu querido, enquanto lá fora a noite vomitava fotografias da tua infância,
Saudade?
Os brinquedos, os primeiros beijos e cartas de amor, o papel, os poemas em pequenos suicídios, milímetros de suicídio, aos poucos, a partida, o Adeus, a brincadeira,
Não, não meu amor, amanhã não
Não consigo absorver-te como te absorve a noite, as laminadas fragâncias enferrujadas no cabelo da invisível maré de Azoto,
Saudade?
Os brinquedos
Saudade, das vitrinas cobertas de sono, os bonecos e bonecas visíveis nas vitrinas cobertas de sono, e a saudade regressava como um apito, a dor, o sofrimento, a morte…
 
Francisco Luís Fontinha – Alijó
domingo, 14 de Fevereiro de 2016
 
in “Amargos lábios do poema”

sábado, 13 de fevereiro de 2016

Sangue sofrido e pedacinhos de areia…


A noite desesperada

No labirinto da palavra

Todas as flores do teu jardim

Assassinadas pelo coração do poema

Absinto

O mínimo tempo consagrado aos insectos

Que poisam no teu olhar

Imaginávamos o silêncio

Nas treliças da saudade

Sempre em desespero

Neste labirinto de espuma

Camuflada pelas mandibulas do cansaço

O louco sorriso

Nas avenidas do sofrimento

Que absorvem a cidade do medo

O teu corpo disperso na escuridão

Descendo do luar

Até à minha mão

(A noite desesperada

No labirinto da palavra

Todas as flores do teu jardim)

Mortas

Trémulas segurando uma velha esferográfica

Escrevia em ti o sentido lapidar da timidez

Como um rochedo de insónia

Navegando no Oceano

A morte

Vivida a cada segundo de luz

A morte

Vivida a cada milímetro de tristeza

E voava nos teus braços

E voava nas tuas coxas

Até adormecer junto ao mar

A noite

O labirinto da palavra

Despedindo-se das uniformidades da sentença escrita

Morte

Até que as lágrimas se transformavam em flores assassinas

O dia inventado nas pequenas limalhas do desejo

Acordávamos sobre os lívidos secretos da angústia

E terminávamos nos limos do corpo

Desejado

Indesejado

Do corpo

No corpo

Do majorado envenenado

Observávamos as gaivotas construídas no papel pelas mãos do pôr-do-sol

E nada mais tínhamos nas veias

Apenas sangue sofrido

E pedacinhos de areia…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

sábado, 13 de Fevereiro de 2016

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Do meu próximo livro “103 com vista para o mar”



103 com vista para o mar
 
No corredor aglomerados de aço
Cadáveres de barcos
Braços
Sombras de amor embalsamadas
Passeando na réstia manhã adormecida
Lá fora o mar entranhado nas ervas esquecidas pelo Criador
Chove
Há nas quatro paredes invisíveis
Gotículas de uma lágrima sem nome
Em direcção ao infinito
Os gemidos
A fome disfarçada de noite
Lá fora o mar
Pintado no térreo pavimento da dor
Não há palavras
Poemas
Textos
Nada
Nada
No corredor
Aglomerados
Aço
Enferrujado
Velho
Sem saber a que cidade pertence
A idade
A idade em corrida
Tropeça na Calçada
Dorme
Acorda
E finge…
Finge não ter medo da madrugada.


Livros de Francisco Luís Fontinha





terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

A álea manhã


A álea manhã ensanguentada

Fugindo da madrugada,

Das sílabas amargas do poema inacabado

Suspenso na esquina da avenida na cidade inseminada,

O cansaço coração repatriado

Descendo a montanha salivar,

O visitante perdido

Procurando os lábios da paixão

Que só ele sabe desenhar,

O poder da morte brincando no mar

Arrastando barcos para a destruição…

Um cigarro esquecido na mesa-de-cabeceira,

O silêncio à volta da ribeira…

Correndo para o rio dos murmúrios,

Um pedaço de terra que chega

E sobra

Para cobrir o olhar da serpente,

A álea manhã ensanguentada

Fugindo da madrugada,

As fotografias da solidão

Dentro de um pequeno livro,

Procura-se o alívio

E o repouso do tempo monstruoso…

E a álea manhã

Sentada à janela,

Em gritos espasmos

Revolta-se contra o desleixo da noite,

O ciúme envergonhado

Na lápide do artista,

As palavras ternas na mão do viajante,

Fugindo da madrugada

E da gente,

Como nós defuntos

Abraçados aos rochedos da saudade…

Outro cigarro,

Outra morada anónima,

O machibombo engasgado nos alicerces da picada,

Não me apetece olhar-te,

Não me apetece alimentar-me da tua ausência,

E a álea manhã

Sempre pronta para me acorrentar

Ao peito da madrugada…

 

Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 9 de Fevereiro de 2016