sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Morte do poeta


Renasço das sanzalas prateadas que alimentavam a tua voz,

Cresço nos teus braços, durmo sobre o teu peito, e indiferente à dor, sonho com os cinzentos esqueletos do capim adormecido,

Folheio os teus poemas, meu querido,

E sinto neles a morte do poeta,

E sinto neles a fuga para o infinito…

Que só a despedida consegue perceber,

Renasço…

Cansado deste barco sem comandante,

Renasço…

Cansado deste Oceano embriagado,

Infeliz,

Como infelizes são todos os teus poemas… meu querido.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sexta-feira, 28 de Agosto de 2015

Francisco Luís Fontinha - Agosto/2015


Francisco Luís Fontinha - Agosto/2015

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

O homem da “geada negra”


(desenho de Francisco Luís Fontinha – Agosto/2015)
 
 
Regressa o homem da “geada negra”,
Transporta no rosto o término do dia,
Prepara a bagagem para o passeio nocturno,
Pouca coisa leva ele…
Senta-se, puxa de um cigarro infeliz entranhado nas redes da paixão,
Acende-o, e imagina-se numa praia recheada de ninguém,
Desenha na areia a solidão da manhã,
Escreve na maré a desilusão da madrugada,
Não sabendo que a casa onde habitava… morreu,
Como morrem todas as casas,
Todos os livros
E todas as ruas da cidade imaginária,
 
Ouve um concerto de piano,
Pega no jornal… e depara-se com a sua fotografia na secção de… “desapareceu de sua casa…”,
Não acreditou,
Gritou,
Nem um pássaro para lhe afagar o cabelo,
Nem um barco para lhe enviar um simples “adeus”,
A vida comeu-o como ele comeu a vida
Estamos quites… “dizia ele”,
Nada devo à vida,
Nem a vida me deve nada…
Até que o relógio cessou de galgar as límpidas alvoradas de xisto,
E o homem da “geada negra”, hoje, dorme junto aos cardos abandonados.
 
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 27 de Agosto de 2015
 
 
 



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quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Carruagem da saudade


Nada me resta neste condomínio fechado,

Esculpido nos muros com esqueletos de xisto,

Brinco com uma bala em direcção à morte,

Sinto o peso da tua mão poisada no meu ombro,

Pareço uma janela sem cortinado dançando ao som do vento,

Este navio em pequenos círculos,

Quadrados,

Parábolas loucas na ardósia da tarde,

Imagino-te vestida de rosa doirada,

Imagino-te sentada na clareira da madrugada,

Triângulos de insónia

Adoçando o teu olhar de andorinha,

E nada, nada me resta nesta montanha suicidada…

Perdi as árvores, perdi as rochas e a sombra das árvores,

Tenho dentro de mim um hipercubo doente…

Não tem coração,

Tenho dentro de mim os fios de nylon das redes transparentes do sonho,

E não tenho sonhos para te descrever,

Invento sonhos,

Invento personagens nas finas lâminas do desejo,

Invento, imagino-te sem nome, e nada… me resta… e nada me resta neste condomínio fechado,

Não me interessa se tens no sorriso um lençol de linho, não me interessa se tens nos lábios os socalcos afogados no Douro,

Não me interessa se navega no teu ventre um barco Rabelo…

Ou uma bandeira sem Pátria,

E nada,

Deixei de amar os livros, deixei de pertencer aos tristes mendigos da cidade em combustão,

Deixei de amar o amor, deixei de amar o mar… e as palmeiras filhas do mar,

Agora, sento-me numa velha esplanada, escrevo o Tejo sobre a simples mesa de plástico,

Pego num café, puxo de um cigarro envenenado pela tua boca,

E escondo-me da luz, e escondo-me das imagens prateadas projectadas nos alicerces da memória,

Fujo, escondo-me, e nada…

Apenas lágrimas confusas descendo o meu rosto de granito,

Grito,

Grito como se eu fosse uma noite de luar,

Grito como se eu fosse um comboio desgovernado…

Contra a carruagem da saudade.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Quarta-feira, 26 de Agosto de 2015