domingo, 25 de janeiro de 2015

O invisível sorriso

(desenho de Francisco Luís Fontinha)


esqueci as palavras e os peixes do teu Oceano,
rasguei o teu sorriso numa noite ventosa,
imaginei loucos passeando num arame invisível,
atravessando as montanhas da solidão,
esqueci os barcos,
as pessoas,
e os dias encaixotado no aquário,
fui pássaro desgovernado,
rio com braços de bambu,
fui nuvem,
fui caixão...
transportando ossos sem nome.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 25 de Janeiro de 2015


sábado, 24 de janeiro de 2015

Hoje... a noite...


(desenho de Francisco Luís Fontinha)


Não tenho tempo para te amar, meu amor, flutuo nas ombreiras madrugadas travestido de dor, navego no teu corpo como um transeunte mendigo, sem-abrigo, poeta insignificante das palavras sem nome, e navego
Amanhã vou chorar,
E navego no teu corpo esculpido...
E na solidão do abrigo, as espátulas da insónia, o sexo embriagado, os teus seios crismados na fogueira da mendicidade,
Hoje?
Hoje vou amar-te, prometo, meu amor...
Tínhamos na algibeira o fio invisível, a luz o desejo
Amanhã?
De penetrar em ti como uma agulha de aço, um poema clandestino das
ruas de Lisboa,
Amanhã?
O sol, a noite, o teu ventre pergaminho saboreando os meus dedos, e amanhã?
Tínhamos,
Na algibeira os candeeiros da saudades,
Os beijos,
A geometria do teu olhar inseminado na madrugada, os beijos fluem como amêndoas de chocolate em brasa...
O teu corpo,
Os teus lábios...

(…)


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 24 de Janeiro de2015

Círculos de papel


(desenho de Francisco Luís Fontinha)


sentíamos o peso do clítoris amanhecer
suspenso nas telhas de vidro do silêncio
tínhamos nos braços o suor das palavras
consumidas pelo fogo da paixão
havia um abraço de luz
nas verdejantes lápides da solidão
e apenas um finíssimo orgasmo de iões brincavam nas pálpebras da escuridão
havia o medo de não regressar
estávamos em círculos de papel
quando do espelho corpo em evaporação
uma gaivota soletrava os gemidos da maré...
os barcos arrependidos choravam como choram as crianças em flor.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 24 de Janeiro de 2015

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Gladíolo adormecido


As imagens tridimensionais da fotografia a preto e branco
há no seu rosto a melancolia da cúbica equação
as sílabas castanhas do primeiro amor
a equação em dor
a metáfora linhagem do sangue embriagado
cintilando
amar
não tenho vida
sou um desabitado eterno apaixonado...
pelas palavras
sorrisos
e riscos

havia outro comboio para regressar aos teus lábios
perdi-o passivamente
como um gladíolo adormecido
derrubei muros invisíveis
palhotas de silencio
antes de nascer o dia
fui habitante da cidade dos mabecos
menino desenhando círculos
na húmida saudade
que só a chuva consegue abraçar...
e hoje
hoje pertenço às imagens tridimensionais da fotografia a preto e branco.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 23 de Janeiro de 2015

Criança de porcelana

(desenho de Francisco Luís Fontinha)


preciso das tuas asas para sorrir
vivi numa casa que apelidaram de “borboleta”
nada tinha
às janelas faltavam os vidros
os cobertores tinham partido em viagem silenciosa
e nunca mais regressaram
quando ia à janela via o mar
e a Baía de Luanda
não mar
não asas para sorrir...
a “borboleta” tinha medo das minhas mãos
e quando encostava a cabeça às frestas do gesso cansado
sentia um barco atrapalhado descendo as escadas
correndo
como uma gaivota
que nunca
nunca... quis entrar dentro da “borboleta”...
porque ela era filha de um papagaio imaginado pela criança de porcelana.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 23 de Janeiro de 2015


quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Infâmia


A maré que chora
e
grita
o esperma emancipado da poesia adormecida
a lágrima
o sorriso de uma ferida
a maré que inventa meninos ao amanhecer
o mar endurecido
o mar... o mar a morrer
a sílaba
e
grita
a palavra
na vagina do silêncio...
a maré
cinzenta
a ratazana dos armários de vidro
a infâmia quando acorda o mendigo.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 22 de Janeiro de 2015

O que é o amor?

(desenho de Francisco Luís Fontinha)


quando o corpo se despe das palavras
e os ossos se vestem de sombras
o amor existe ou não existe dentro de um copo com água...
o que é o amor?
uma palavra
um sorriso
ou... um transeunte olhar reflectido no espelho da madrugada
com asas em papel flamejante...

não respondas!
não pronuncies a minha alvorada
quando eu nunca tive uma alvorada só minha...
nada
nem cidades
nem nomes
abstracto este retracto esculpido no tronco da árvore dorida
que só o silêncio consegue abraçar,

e o amor
amar...
mar
barcos com lábios de azimute embriagado
a água que habita o vidro sulfuroso... dorme
inventa plataformas de vinil
e a corda transparente do desejo
enfestada de vírgulas e traços e riscos e... e pontos de interrogação...

O que é o amor?


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 22 de Janeiro de 2015