sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Soníferos da vaidade


Vadios soníferos da vaidade
que deambulam nas clandestinas ruas da saudade,
olhares prisioneiros da escuridão,
pincelados tentáculos de gelo descendo o teu corpo pérfido...
e às minhas mãos
o teu cabelo incendiado pelo desejo,
e às minhas mãos o odor censurado do teu coração,
voando sem rumo,
voando... voando embrulhado em lápis de cera que o tempo engole,
e não sabe que em mim habitam os cinzeiros de chita,
os cigarros de papel aromático desenhando lábios de medo na alvorada,
vadios soníferos da vaidade... vadios monstros da madrugada,
vadios meninos de Luanda,
sanzalas encalhadas no cacimbo zincado,
capim em luta pelo sexo,
sem horários como os calendários nocturnos dos mabecos em cio...
o rio se abraça ao barco náufrago que transporta a felicidade,
e a ponte se alicerça aos seios do amanhecer,
vadios os meus poemas
em meninos de Luanda,
a infância lapidada numa avenida sem estória,
como uma fotografia inseminada num estúdio negro,
assombrado,
sem número de polícia... ou paragem de machimbombo.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 19 de Dezembro de 2014

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Quem sou?


Como sou quando tu não existes?
Não sei se sou árvore amargurada
folha caduca
ou... ou Primavera envenenada...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 18 de Dezembro de 2014

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Cigarros sem alma

(desenho de Francisco Luís Fontinha)


O biombo da saudade
que morre no teu ventre
o pensamento em pequenos voos
lentamente em direcção ao mar
rumo à cidade
do adeus...
o meu corpo sobre os carris do cansaço
tenho medo
tenho pena...
que este pobre poema
não consiga acordar a madrugada
que vive acorrentada,

há nas pálpebras do teu sorriso
fios de luz em decomposição
canções melódicas ensanguentadas pelo silêncio da tua voz...
… amarga
complexa
nesta triste matriz composta
neste triste cubo de vidro
com braços de papel...
o biombo da saudade
que morre no teu ventre
inventa-se
a cada segundo que o tempo come,

a rua incendeia-se
e todos os mendigos... não mendigos
e toda a fome... não fome
apenas as palavras sobrevivem aos teus encantos
e lamentos...
apenas as sombras nocturnas do adeus
conseguem trepar o muro da agonia
e resta este pobre poema
que um dia...
que um dia ressuscitará
das cinzas
como cigarros sem alma.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 17 de Dezembro de 2014

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Vício


(desenho de Francisco Luís Fontinha)


há versos felizes
versos sem nome
há versos cansados
versos esfomeados quando cai a noite
há versos esqueléticos
que nem o corpo em decomposição sabe ler
versos com fome
versos vestidos de rio
cidade
e paixão
há versos desempregados
versos enlatados
(nesta cidade em combustão)
há versos conservados em papel sibilado
versos rasgados
versos…
(nesta cidade em combustão)
há versos felizes
versos sem nome
há versos cansados
que nem o tempo consegue apagar
versos de amar
revolta
versos travestidos de soldado
de espingarda na mão
à espera que se abra uma porta
às vezes sem saída
às vezes… versos em vão…
que só o vício desembrulha quando nasce a madrugada.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 16 de Dezembro de 2014

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

O barco da paixão


O cordel em desassossego
no arresto do teu olhar
o barco da paixão em pequenos movimentos
espera o regresso do vento
como os teus olhos desesperam...
enquanto não nasce o dia,

o cordel consegue ludibriar o mar
e todas as canções dos teus lábios,

há uma campainha em desordem
uma planície nos teus seios que grita
e chora
porque hoje não há pássaros
nos teus cabelos cinzentos
e o esquizofrénico sono suspenso na madrugada,

lá fora saltitam as sílabas helicoidais de um poema vazio
triste como as lápides graníticas com finíssimas fotografias a preto e branco,

(o cordel em desassossego
no arresto do teu olhar
o barco da paixão em pequenos movimentos)
soluços avulso...
e rebuçados para esquecer a solidão
que gira... que gira como um canhão.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 15 de Dezembro de 2014

domingo, 14 de dezembro de 2014

A estátua do medo


(desenho de Francisco Luís Fontinha)


Sinto as tuas finíssimas lâminas de agonia
sobre os meus ombros de xisto
tenho nos versos a enxada do silêncio
e no peito a espada do cansaço
sinto as tuas lágrimas de estanho
descendo a calçada
como uma fotografia
morta
rasgada
e a noite constrói-se no teu cabelo
sempre que um relógio engasgado
adormece no pulso da insónia,
não existem imagens nas minhas mãos
tenho medo da cidade depois de se erguer a madrugada
sinto as tuas finíssimas lâminas de agonia
sinto as tuas lágrimas de estanho
nesta triste parede embriagada
pelo medo
pelo tédio...
morta
rasgada
uma algibeira sem nome
perdida na estrada
sem nome... esquecida na perpétua estátua da liberdade.




Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 14 de Dezembro de 2014

Medo


Não tenho medo das tuas garras
não tenho medo das tuas hélices de marfim
que habitam em mim
não tenho medo da tua boca
dos teus lábios
do teu sorriso farsa
não tenho medo das tuas palavras
nem dos teus braços
não tenho medo da forca
da espingarda...
mas tenho medo...
da palavra “amo-te”!



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 14 de Dezembro de 2014