terça-feira, 6 de maio de 2014

andorinhas de Maio


perdi-me de ti enquanto voavam sobre nós as andorinhas de Maio
perdi-me de ti como se fosses uma boneca de porcelana
um fantasma esquecido na nossa cama
perdi-me de ti... perdi-me de ti quando acordava a madrugada
abriam-se as janelas do amanhecer
entrava em nós o vento agreste dos pedaços desassossegados que enfeitavam os teus desnudos ombros de árvore abandonada
perdi-me de ti como se perde uma criança na montanha
ou... ou quando morre uma gaivota vestida de palavras,

perdi-me de ti quando caminhavas entre sombras
e sons trazidos de uma Lisboa em tons de saudade
tinhas nos seios o silêncio do Tejo
e das tuas mãos
o meu esqueleto chapinhava nas rosas do jardim despovoado
havia no teu cabelo um marinheiro faminto
desgovernado...
perdi-me de ti sem perceber que existe um veleiro no meu peito,

sentado
esperava que acordassem as insignificantes lareiras do desejo
havia em ti um livro
um caderno
um... um beijo
havia em ti os lábios da noite que gritavam poesia
e eu
eu sentia... que... que me perdia de ti.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 6 de Maio de 2014

segunda-feira, 5 de maio de 2014

fim de tarde


oiço-te no cansaço da noite
escreves-me
oiço-te em pequeníssimos fios de gatafunhos com sabor a saudade
folheio o teu corpo
página por página
sinto nos dedos o odor da tua pele bronzeada pela claridade do fingido orgasmo
oiço-te
e desejávamos o silêncio dos peixes,

a caneta morre entre nós
uma réstia de tinta é semeada no teu corpo com a língua do vento
oiço-te
e sinto...
as palavras prisioneiras nos teus seios
o arame-farpado da madrugada suspenso na nossa janela
sobre ti um mar de espuma com olhos de Luar
e desejávamos o silêncio...,

a doçura dos teus lábios
escreves-me
e oiço-te,

e sinto-te sob a neblina clandestina dos marinheiros em flor
sei que existe um cais onde aportarás longínqua mulher dos sonhos
de papel crepe
voando
e oiço-te quando as escadas de acesso às tuas pálpebras
rangem
e choram
como crianças antes do fim de tarde junto ao mar.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 5 de Maio de 2014

domingo, 4 de maio de 2014

casa da paixão


esta casa sem mãos
esta casa com paredes de papel
esta casa sem janelas
porta de entrada
sem música
ou... palavras,

esta casa disfarçada de corpo
o teu corpo vestido de granito
esta casa
este grito,

esta casa sem amor
nem luz
nem... nem flores
esta casa vadia
escondida nas árvores do quintal imaginário
coitada desta casa apaixonada
que sofre
que vive...
esta casa
uma casa embrulhada em poesia
esta casa sem paixão...
esta casa... uma casa sem coração.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 4 de Maio de 2014

pedaços de liberdade


não tenhas pressa de morrer
voa como os pássaros embrulhados em pedaços de liberdade
ouve a canção da madrugada
escuta as minhas palavras
pega na minha mão
vamos sonhar com o mar
não tenhas pressa em partir
viajar
porque quando descer a noite sobre ti
haverá sempre uma língua de Luar
haverá sempre um espelho com o teu sorriso...
que nunca deixará que eu te esqueça,

ouve-me
não tenhas pressa de te ausentares dos meus braços
não tenhas pressa de morrer
não
não acredites no que ouves
escuta o silêncio do amanhecer
e vamos brincar
como o fazíamos junto à Baía de Luanda
quando inventávamos barcos
e pequenos fios de luz com sabor a saudade
ouve-me
não,

não tenhas pressa de morrer
voa
voa sobre os telhados de zinco das sanzalas de porcelana
saboreia a chuva miudinha
salta sobre os charcos invisíveis do entardecer
vive
vive sem sofrer
vive... vive acreditando que ainda existem manhãs de Primavera
vive... como se fosse hoje o teu último dia
e acredita
e não tenhas pressa de morrer
… não.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 4 de Maio de 2014

sábado, 3 de maio de 2014

poema de ninguém

foto de: A&M ART and Photos

embainhas-te no meu corpo como uma bala perdida
há na tua mão a espingarda do desejo
oiço entre as sombras e os sons metálicos
pigmentos do teu olhar envidraçado na cidade do feitiço
às tuas pálpebras de pergaminho
vêm a mim as insignificantes flores da paixão
das tuas palavras
as lágrimas da solidão
sem medo
rompem a montanha das árvores de papel
há luz na cabana
e uma cama que nos espera...

(estarás vivo, meu poema de ninguém!)

há dentro de ti uma janela
um telheiro com odores de Carvalhais
um velho espigueiro aproxima-se do teu coração
e entre as frestas das ripas em madeira cansada...
os teus beijos
como nuvens de espuma
saltando
e brincando na eira
cruzo os braços
e espero o regresso do paquete teu corpo
há âncoras de sémen nas palavras da madrugada
e uma flor deita-se nos teus seios de silêncio.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 3 de Maio de 2014

sexta-feira, 2 de maio de 2014

meu amor madrugada


esta prisão que me mata
quando há no teu olhar lacrimejados beijos
grandes em papel
janelas infinitas com sombras de rímel
esta vida de chapa
esta vida que dói e corre calçada abaixo
e sob o teu corpo
a minha mão disfarçada de amanhecer

esta prisão...
este medo de amar e morrer
morrer e amado pelos poemas de escrever
grades
corpo
relógios melancólicos quando tu me abraças
e me dizes...
“Adeus”... meu amor madrugada.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 2 de Maio de 2014

quinta-feira, 1 de maio de 2014

anónimo no meu peito

foto de: A&M ART and Photos
não o sei
às vezes desce sobre mim a voz do silêncio
o rio com mãos de porcelana
acorda
deita-se na nossa cama
chora...
olha-se ao espelho e grita
não o sei
e às vezes
pergunto-me porque há barcos em papel com coloridas manhãs de Primavera
e às vezes
não o sei

os sonhos sonhados quando a noite deixa de nos pertencer
as palavras escritas amadas e desamadas
e o palheiro da madrugada invadido pelos odores do jardim anónimo
não o sei
acorda
e às vezes
tantas vezes... meu Deus
percebo que há andorinhas com fome
e fome vestida de gaivotas
chora...
não o sei
porque vives escondida no meu peito.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 1 de Maio de 2014