segunda-feira, 3 de junho de 2013

Transeunte paquete de imagens

foto: A&M ART and Photos

Transeunte paquete de imagens escuridão
semi-nuas entre palheiros com gaivotas em transe
e lâmpadas de incenso na janela da seara adormecida
sinto-me quando me sento nos confins desenhos dos muros em betão
correndo mar adentro
como âncoras de chocolate escorrendo pelos corpos despidos cansados...

O teu e o meu suspensos das nuvens agrestes que as sílabas constroem
sinto-me e sento-me perdidamente embriagado nas ondas oceânicas madrugadas
comia manhãs saboreando as páginas perdidas de uma sebenta ensonada
transeunte paquete de ti em minha mão ensanguentada
desces do pôr-do-sol e entranhas-te em mim
como se fosses uma livraria apaixonada.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Blogue Cachimbo de Água em Destaque
Sapo Angola

domingo, 2 de junho de 2013

Mãe de areia

foto; A&M ART and Photos

Inventavas canções que me adormeciam
desenhavas sombras sobre a minha alcofa com pedaços de papel colorido
olhava-os pensando serem estrelas
ainda hoje confundo-os com as estrelas do céu
e fico sem saber se elas são papeis
ou se os papeis são cores pintadas por ti nas paredes da noite,

Colocavas-me um pequeno rádio a pilhas
em som quase nulo
e dizes-me agora que cintilavam os meus olhos
ficava submerso nos lençóis como um barco de esponja
na banheira de plástico onde me banhavas...
e dos meus ainda não dentes coloridos sorrisos vinham,

Regressavas a mim com o cacimbo em ti
e trazias contigo o cheiro do capim molhado
húmida a terra
sangravam as rochas as lágrimas tuas quando eu deambulava sobre os telhados de areia...
depois... adormecias em pé enrolada no cansaço
e um dia deixaste-me cair e eu percebi que me amavas...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Não... possivelmente não és nada

foto: A&M ART and Photos

Sento-me nesta cadeira de gente, só, pego nas palavras e semeio-as sobre uma fina toalha de linho, sentado, percebo que sou um ignorante diplomado, sinto que lá fora, no meu jardim, há pássaros novos, vê-se pela penugem, parecem ainda bebés, depreendo que nasceram aqui, e aqui vão crescer, até se fazerem homens, mulheres, e zás... desamarrarem-se do cais seus pais e nunca mais regressarão, ou talvez um dia, quem sabe... regressem, visitem as minhas já então velhas árvores, possivelmente, a figueira, deixara de existir, possivelmente, o pessegueiro recheado de atrozes, possivelmente, a cerejeira, essa, de coluna vertebral inclinada a quarenta e cinco graus, e nada, ou quase nada, que, eu, possa fazer para mudar o curso normal das coisas, estas, banais, e tudo, porque estou sentado numa cadeira de gente, só, pego nas palavras e semeio-as sobre uma fina toalha de linho, sentado, oiço-te quando gritavas o meu nome do outro lado da rua, havia casas rasteiras entre nós, um dia quis fazer de uma velha televisão um aquário para peixes, abri-a, e queria abrir o velho embaciado ecrã do televisor munido de válvulas e outros apetrechos, ligava-se e a imagem aparecia segundos, minutos, depois, como das palavras do outro digno Senhor “Precisa de aquecer as bobines e parece um poço a deitar música”, neste caso, imagens, a preto-e-branco, além de parecer uma bomba, fiquei com o rosto golpeado, tudo, porque o dito explodiu, transformou-se em areia, finíssima, como a tua pele doirada depois de bronzeada pelos dóceis dedos pertencentes à minha mão,
Que parvalhão acreditaria na possibilidade de fazer um aquário do ecrã de um velho televisor?
Eu, sento-me nesta cadeira de gente, vejo-te entre a roldana do tempo e a corda das cinzentas nuvens de fim de tarde, oiço-te do outro lado da rua, das casas rasteiras, vozes, rádios vomitando músicas, e músicas inventando imagens na minha ainda cabeça de criança. Cerro os olhos, entro num longo túnel com muitas cadeiras iguais às que hoje me sento, cadeiras de gente, só, eu, pego nas palavras e levo-as comigo, sozinho, dentro do túnel com uma das mãos enfiada na algibeira, porque perder as sementes de palavras, certamente, o meu fim, assim, ainda me resta a esperança de sobreviver às magoadas paixões de silício, semicondutores, dentro de mim, aumentam-nos a velocidade, a aceleração multiplicada pela minha massa, sinto-me sentado, mas realmente há muito que não durmo, não como, apenas existo para guardar a algibeira das palavras, e consigo ver a força expressa no espelho
(Nunca duvidei que F=m * a)
E é tão feia, velha, serão assim no futuro as minhas árvores onde acabaram de nascer este belos pássaros?
Oiço-os, existe um melódico som como quando, às vezes, oiço pela trigésima sétima vez elevada ao cubo, o projecto Wordsong (AL Berto), e eu, sempre dentro do túnel, e eu, sempre de mão na algibeira, posso perder tudo do pouco que me resta, mas perder estas poucas sementes de palavras, minhas, inventadas para ti,
E pergunto-me?
Falo em ti e nem sei quem porra tu és...
És homem? És mulher? És pássaro, vento, madrugada, esplanada, beijo, púbis, coxas? Não... possivelmente não és nada,
E pergunto-me?
Falo em ti e nem sei quem porra tu és...
Sento-me nesta cadeira, de gente, só, embriagado pelo silêncio dos Deuses adormecidos, pego na mão, abro-a, começo, vagarosamente a semear as poucas palavras que me restaram sobre a fértil secretária de madeira, oiço o soluçar do teu corpo, e sinto-te, tu, do outro lado da rua, as casas rasteiras, tu, brincas com uma roldana, és a responsável pelo andamentos dos relógios de pulso, ou daqueles como o meu, suspenso na parede da sala, e de quinze em quinze minutos...
Horrível, o horror de saber que existes, do outro lado da rua, as casas rasteiras, e não sei quem és, como o serás nua, se és homem, se és mulher, se és pássaro, vómito, canção, poema, desenho ou apenas alguém a brincar numa roldana,
Sento-me nesta cadeira de gente, só, pego nas palavras e semeio-as sobre uma fina toalha de linho, sentado, percebo que sou um ignorante diplomado, sinto que lá fora, no meu jardim, há pássaros novos, vê-se pela penugem, parecem ainda bebés, depreendo que nasceram aqui, e aqui vão crescer, até se fazerem homens, mulheres, e zás... desamarrarem-se do cais seus pais e nunca mais regressarão, ou talvez um dia, quem sabe... regresses para olhares pela primeira vez a minha sementeira de palavras.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Penúria montanha

foto: A&M ART and Photos

Fui ver o oceano mar
que o inverno coração tece nas montanhas da paixão
levitei sobre as rochas cansadas de uma madrugada doente
e demente flor em procissão no corpo teu das estrelas com sabor a chocolate
fui ver... e permaneci em tempos têmporas adormecidas dos cascos violentos...
tempestades e tormentos e nas mãos tuas as delinquentes barcaças dos tecidos velas,

Será do teu corpo que acorda a fome em palavras dispersas e vãs
que das teias de aranha silêncios meus porque tenho lábios de areia
e boca de caverna sem esconderijo ou amor ou amar dos versos embriagados
fui e desejo não regressar às antigas ruas dos candeeiros dispersos
como as minhas folhas transparentes de pergaminho voando sobre plátanos
e corpos nus brincando numa praia imaginária,

Há beijos vendidos por duas ou apenas três perversas rimas
beijos cansaços como velhos farrapos de barcos aços
guindastes e seios de xisto embalsamado que suspendem-se nos socalcos da loucura
grito e rio sorrisos que o Douro entranha
teu ventre uma penúria montanha
cabisbaixo o púbis fingindo ventos que me levam às cidades de granito...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

sábado, 1 de junho de 2013

Porque gritam os mabecos se as sandálias são de areia?

foto: Desenho de Francisco Luís Fontinha

Finjo palavras entre orgasmos cúbicos e gemidos triangulares, dizem-me que adormeci na loucura, que sou louco, estranho, até já me disseram que eu era esquisito, não tinha amigos, não conversava com ninguém, dizem que vivo num mundo construído por mim, só meu, apenas meu... e meus Deus que não acredito, tanta, tanta mentira sobre mim, e de mim,
Finjo,
Como todos os ossos fingem solidões de insónia sobre um divã emagrecido pelas sombras dos edifícios contíguos, das varandas, vasos com flores, umas belas, outras, também belas, mulheres, homens e crianças, saltitam sobre um arame fino, de aço, que atravessa o poço da mentira, e
De mim, as palavras que recusam ler, dizer-se fã, como eu o sou de gargantas em transe e coxas almofadadas pelas intempéries que atravessam-me em pequenas sílabas de iodo, o sal desaparece da claridade, como os iões entranham-se em mim, fingindo, mentindo das palavras, aos desenhos, dos vidros às janelas, nuas, despidas, vampiras imagens que sobejam de uma tela tristemente riscada, húmida como o ventre em delírio, o teu, quando percebes que nunca mais descerei da árvore onde vivo, me alimento, e escrevo,
As sempre parvoíces como parágrafos ilimitados, para todas as redes, e perguntaram-lhe
A senhora tem telefone fixo?
Não, menina, não tenho...
Ofereço-lhe um, é seu, para todas as redes, por apenas quinze euros,
Vigaristas trampolins de madeira falsificada, descalços, saboreando as sandálias com tiras de verniz, ontem oferecia-te livros, e livros, hoje, queimo-os, e queimo-os, ontem víamos da janela longínquas luzes que alguém nos dizia serem as lanternas dos salteadores entre marés
A senhora tem telefone fixo?
E vai e vem, descem, sobem, minguam, dilatam como cavernas imprimidas na rocha, sobre ti, nada, ninguém, vozes, algumas, poucas, mentiras, falsidades, mastigadas, por mastigar as ditas proibidas palavras, e repetem até à exaustão
Que sou, ou fui, que serei eternamente,
“finjo palavras entre orgasmos cúbicos e gemidos triangulares, dizem-me que adormeci na loucura, que sou louco, estranho, até já me disseram que eu era esquisito, não tinha amigos, não conversava com ninguém, dizem que vivo num mundo construído por mim, só meu, apenas meu... e meus Deus que não acredito, tanta, tanta mentira sobre mim, e de mim,” Porque apenas converso com eu quero conversar?
Porque me recuso a lamber as botas a quem quer que eu lhas lamba? Como muitos o fazem? Porreiro pá... mastigadas, as pastilhas elásticas, para mim, chuinga, quando acordam as mangueiras depois do cacimbo baloiçarem-se nas suas doces mangas, bajulação, estou eu farto, cansado, e não, e não me digam que eu vivo num mundo à parte, não
(cacimbo, mabecos, mangueiras, cubatas, sanzalas, musseques, chuinga, capim, machimbombo...)
Vivo num mundo real, vivo num mundo onde as pessoas são aquilo que são... e pronto.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Os carris da saudade em direcção à minha caneta de tinta permanente

foto: A&M ART and Photos

Talvez um dia percebas porque dançam as minhas lágrimas
e navegam nos meus débeis braços os barcos de vidro martelado
talvez um dia entendas as personagens de mim
que são de ninguém
como sombras bailando debaixo da chuva
assim
como palavras entre linhas de um caderno negro
e os carris da saudade em direcção à minha caneta de tinta permanente

Talvez um dia o mar seja o nosso reencontro no mergulho do desespero abandono
que todo o pôr-do-sol sofre antes do cair a noite
e acordem milhões de parvas estrelas
que não falam
não escrevem
talvez um dia venhas a perceber quem sou eu
do que padece o meu empobrecido esqueleto
como um texto com duzentos e seis caracteres

Talvez... as minhas lágrimas
e navegam nos meus débeis braços os barcos de vidro martelado
que dos pomares de areia com sabor a amêndoa
do outro lado da janela
um menino embalsamado brinca com um parvo boneco
de nome chapelhudo
e talvez um dia um dia acordem as neblinas imagens de ontem
com as perfumadas sílabas de hoje...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha