sábado, 4 de maio de 2013

Invisível mulher

foto: A&M ART and Photos

Quem sou depois de partires
disfarçado de nuvem
me deixando aqui sentada
mergulhada em planaltos e montanhas
sem ser desejada,

Quem sou quando levaste o meu tempo
e os meus desejos
quem sou se guardas em ti meu alimento
algumas palavras
e outras cerejas,

Quem sou amor meu
rei das estrelas e dos pinheiros de papel
quem sou eu
eu
a tua invisível mulher...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Delírios incompletos de um homem morto pela saudade

foto: A&M ART and Photos

Havia sílabas com fome, na tua mão de escritor, havia lábios em desejo, nos teus lábios em desejo, na tua boca de poeta, fingidor, havia sonhos, havia traços, círculos, rectas, não rectas, pontos, negros, nas tuas costas de tela voadora, verdejante, cintilante, como a língua do impostor, que mente, e não percebe que o teu esqueleto pertence às gaivotas mergulhadas no cio granítico de um rio em desespero, morto, cansado de amar, cansado de correr
para o mar, eu, quase morto, eu o pintor louco dentro de quatro paredes e um tecto falso, falsas palavras, falsas promessas, amanhã, e ontem, ou
De caminhar entre escombros, entulho, sexos murchos que a cidade inventa todas as tardes, depois do lanche, depois de o dia terminar, partir para a montanha dos insectos com dentes de marfim, encolhia-me dentro das tuas coxas, acendia a vela da esperança, e esperava, esperava, esperava...
ou
Esperava,
até que o poeta ficou desempregado, e hoje tratam-no como lixo, escumalha, até que o escritor deixou de comer as palavras escritas, por ele, por outros, o médio
Tem de deixar de comer imediatamente palavras, percebeu senhor Francisco? Pois que sim, respondi-lhe eu, e pensei – que raio de coisa ou coisas, vou comer a partir de hoje - “merda?”, e esperava, quando sentia dentro do meu peito uma rua em crescimento, sentia-a rasgar-se entre os esponjosos pulmões de areia fina branca do Mussulo, sentia o romper da madrugada, o apito da fabrica para o inicio do trabalho, os operários de bulldozer na mão rompiam-se-me corpo adentro, e eu, sentia-os, todos, sem excepções, sem locuções ou metáforas, sem mentiras, sem noites mal dormidas ou com recurso a drageias coloridas,
ou
E esperava, e hoje, quem sou? Nada, ninguém, sou um pedacinho de terra húmida que trouxeram de Luanda depois de uma longa tarde de chuva, e o tempo, desejo-o, o tempo que esqueci, que me esqueceu, perdi, e perdeu-me
sinto-a a crescer, já tem pavimento, começam a construir os primeiro edifícios de vidro, com telhados de vidros, com varandas com acesso ao mar, com árvores, com corações de açúcar, com orgasmos vínicos, e o sémen escuro, deleitoso da lama... sobre mim, em mim, uma rua, pronta a circular, e por engano, vão chamar-lhe
Ou, ele esperava, claro que esperava,
rua, rua, rua,
“Havia sílabas com fome, na tua mão de escritor, havia lábios em desejo, nos teus lábios em desejo, na tua boca de poeta, fingidor, havia sonhos, havia traços, círculos, rectas, não rectas, pontos, negros, nas tuas costas de tela voadora, verdejante, cintilante, como a língua do impostor, que mente, e não percebe que”, rua, chamar-se-á “rua dos ínfimos delírios”, sobre mim, sobre ti, dentro de nós, os sons, as palavras, as vozes
voz?
a tua voz, em minhas sílabas palavras, melódicas e às vezes com recheio de neblina, cacimbo, com o cheiro do lindo musseque, vazio, doentio, chovia, e eu, eu brincava dentro da lama lenta e liberta, em perfeita liberdade, cantava, eu, subia às mangueiras, e não, nunca tive medo de cair, e se eu caísse... a terra dos jardins de capim apanhar-me-iam como se eu fosse uma leve pena de enxofre, mórbida, miliciana, amena, o morro das Barrocas, e eu aqui, si, dó, e ré... deitado a imaginar gajas vestidas com panos de chita e de bandoletes em porcelana na cabeça,
Ou, ele esperava, claro que esperava,
rua, rua, rua,
“Cuidado com os cães”
rua, rua, rua
Rua “dos ínfimos delírios”, número trezentos e trinta e três, segundo andar – direito, algures pelo País, Portugal,
rua, rua, rua...
CUIDADO COM OS CÃES RAIVOSOS.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Lábios de fim de tarde

foto: A&M ART and Photos

Um vulcão de segredos absorve-te do laminado silêncio
das mortas palavras
que o amor dita enquanto lá fora gotas de orvalho
nascem e morrem
nos olhos da noite,

Procuro-te ensanguentado entre o fumo invisível do teu cigarro
quando ainda passavas horas a fumar
a ler
e a escrever
a amar-me como se ama uma mulher,

A brincar com todas as flores dos jardins da cidade
e te sentavas no cais a contar os barcos que entravam e saiam da barra
com ou sem
tanto faz o destino
ao homem antes de morrer,

Pedias torradas
chá
mais tarde vinha ter contigo um café
onde depois de mergulhares na cafeína incandescente das estrelas de sonhar...
adormecias loucamente nos meus braços finos,

Agrestes
de pele escura e límpida como as algas da madrugada
sentia-te dentro dos meus seios
como se fosses uma nuvem
ou uma esponja com lábios de fim de tarde no cais de Alcântara.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Vivo, preciso de viver, como os peixes do teu aquário...

foto de: A&M ART and Photos

Tinhas-me inventado debaixo da sonolência que a transpiração das árvores deixava impregnada entre roupas e pequenos papeis, havia entre nós uma caneta de tinta permanente, negra, havia nas nossas algibeiras alguns pedaços de granito, olhos, lábios, pintados, nuvens, algumas em pano simples algodão com tranças castanhas, na cabeça, um laço de porcelana, e tínhamos, e víamos, e sentíamos, os doces milhafres da saudade,
vivi como um sonâmbulo canino dentro de um canil de verniz, percebia pela claridade que pertencia aos desperdícios de um candeeiro, algures, perto de mim, algures, feito de ferro enferrujado, um paquete mergulhado nos teus seios, homens, mulheres e crianças, todos à espera da ancoragem, devagar, tão lentamente... que percebia-se-lhe, das pequenas sombras, os distanciamentos milimétricos até atingir o cais, longínquo, atulhado de caixotes, carros desgovernados acabados de sair do porão, metros debaixo de água, de cima, tão pequeninos... as formigas e as abelhas suspensas nas madrugadas de nós, enquanto a janela aberta nos silenciava os corpos húmidos pelo suor da noite em cacimbo que os pequenos cubos de vidro absorvem,
Da saudade, porquê se todas as noites cerram-se as persianas do amor, como lajes de granito sobre a terra árida do monte em pequenos delírios, como árvores em busca da sombra, como sexos à procura da insónia no divã expressamente deitado sobre o soalho do quarto vazio, sombrio, porque da janela, nada, nem a abertura, nem a luz, nada, sobejou entre nós, naquela noite, em escuridão, quando deixamos-nos adormecer e os nossos corpos passaram a zumbis envenenados pela saliva da tua boca com sabor a mar...
havia algas, havia pequenos grãos de areia, havia...
Imagens, sorrisos travestidos de dor, mãos cinzentas na penumbra como se o laço de porcelana que trazias na cabeça, hoje eternamente doentio, sobrevivesse ao cataclismo dos morcegos que alimentam a noite com pequenas migalhas de sangue, alguns répteis e outras tantas telas prontíssimas como o destino da fogueira, flores, lápis de cor, pastel misturado com suor, o teu corpo permanece dilacerante como a dança dos arbustos na despedida com a ajuda dos sorrisos construídos nas horas de vazio, o contador mergulha no horário e pára quando entras em casa, e percebo que o teu olhar fulmina qualquer ser vivo,
também eu, sinto-me vivo, ou não? Também eu adoro sorrisos e beijos de amêndoa recheadas com chocolate, também sonho com noites, inventadas por ti, e acariciadas por mim, também eu
Vivo, preciso de viver, como os peixes do teu aquário, “se tens aquário”, se não tiveres um aquário, peço desculpa pela ofensa, e onde se lê “como os peixes do teu aquário” deve ler-se “como os peixes do teu silêncio ventre”, e amanhã regressará o candeeiro do amor, entre cartas e flores em desenhos, pequenos guardanapos com parvas palavras, mas é isto o amor?
claro que eu percebia pela tua silhueta que um dia deixarias de aparecer junto à lua, percebia-se que um dia deixarias de sorrir, talvez só o tenhas deixado para mim, mas eu percebia tudo isso, excepto...
Porque morrem as fotografias com imagens a preto-e-branco?
Excepto que há sorrisos infinitos, como duas rectas paralelas se encontram no infinito, tudo isso eu percebo, nada de corações entendo, apenas que uns são de xisto, outros de açúcar... e ainda há aqueles invisíveis, frios, húmidos como as margens de uma ribeira que desce a montanha, e não esquecendo os pedaços de granito, olhos, lábios, pintados, nuvens, algumas em pano simples algodão com tranças castanhas, na cabeça, um laço de porcelana, e tínhamos, e víamos, e sentíamos, os doces milhafres da saudade, e das ruas vinham até nós os morcegos das noites sem numeração, confundiam-se nos números de polícia, e quando queriam entrar no número vinte e três da rua do Deserto, não, nem tão pouco, próximos, se encontravam da rua do Deserto, quanto mais do número vinte e três, e assim, e assim
porque morrem as fotografias com imagens a preto-e-branco?
Consegui afugentar os morcegos das tuas mãos de linho, consegui que os mesmos morcegos, quando esfomeados, nunca tenham encontrado a tua boca em desespero pelos meus lábios, e hoje, espero, acredito,
o que é acreditar, pai?
Acreditar... não sei filho, há muito o deixei de fazer.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Porquê tantos e tantas ou sem sabermos

foto de: A&M ART and Photos

Incansáveis, inanimados, desiludidas, porquê tantos e tantas ou sem sabermos, de ti, quando sobes as escadas, bates-me à porta, e em palavras acabadas de mastigadas pelo vento, dizes-me
amor, tens um pedacinho de salsa que me emprestes? Não, respondo-te intransigentemente, claro que não, porque não sei o que é salsa, porque se soubesse, não, não te emprestava salsa, e também...
E depois, não sou, nuca o fui, o teu amor, provavelmente, outro o é, outro que tem salsa, hortelã e pimenta, é calvo, tem olhos escuros e orelhas pontiagudas, é lindo, e vive num rés-do-chão com vista para o cemitério da aldeia, é aparvalhado, como eu, em imaginar-te um dia sobre as nuvens vestida de cinzento prateado, usavas um vestido desenhado por mim, calçavas uma sandálias também elas, desenhadas por mim, e nos lábios, nos lábios era suposto trazeres palavras açucaradas, em ponto de rebuçado, e no entanto, apenas te imaginava, e tu, sem saberes que eras apenas um sonho, que não passavas de desenhos, riscos, palavras mortíferas na boca de uma serpente, e de nada serviam as clarabóias despidas, nuas, nuas as duas, o tecto, o sol, e as noites depois das tempestades de areia sobre a tenda lona com estrelas aqui, ali... e acolá, sei lá, enfim, a vida a retalhos, em movimentos tortos, inclinados sobre o silêncio,
subsidiado, tu, sobre as grades de um paquete em movimento,
“Incansáveis, inanimados, desiludidas, porquê tantos e tantas ou sem sabermos, de ti, quando sobes as escadas, bates-me à porta, e em palavras acabadas de mastigadas pelo vento, dizes-me”, Resolvi esquecer as palavras que todos os livros entranharam no meu corpo antes de ele ser dilacerado pelo bisturi plastificado, mumificado, desaparentado, que os pregos de aço deixam nas searas de trigo, de cá até lá, meia dúzia de pássaros, algumas espigas de milho, rosas, poucas, poucos, os alimentos desventrados das paredes em gesso envenenado, desobediente, vai prisioneiro por se revoltar, ou por fazer outros revoltarem-se, luta de galos, lutas de burros, e depois, às vezes, os sexos entranharam-se-lhe nas mãos coloridas pelos cartazes que dois ou três jovens colavam nas paredes envelhecidas de um prédio em decomposição, cheirava mal, cheirava a
Puré de batata, a cebola, ou a alho,
caraças, nada disto está nos livros, e
Amor?
amor, qual, eu, ou os esqueletos que dormem dentro do meu guarda-fato?
Só precisava de um raminho de salsa...
e claro que fico chateado, furiosíssimo, quando me chamam de amor só quando precisam de mim!
Só precisava de um raminho de salsa..., que desses olhos lágrimas têm em demasia, como elas, que inventam noites sem estrelas para adormecerem mais cedo, desequilibrados, equilibrados, falhados, furiosos, como todos, todas, insignificantes envergonhados torrões de açúcar depois de partirem das esplanadas as gaivotas embriagadas, voam, caiem, levantam-se, e tropeçam na calçada...

(não revisto, ficção)
@Francisco Luís Fontinha

Mão de ti meu amor

foto: A&M ART and Photos

Sobre o caleidoscópio da tua fina pele
meu amor em rosa amarela
minha púrpura manhã em seda silêncio
pegar na tua mão de flor adormecida
como se fossemos duas penas suspensas nas gotas de orvalho da insónia,

Como é lindo o amor das palavras
escritas e pensadas
fingidas
e sonhadas
como nós meu amor a clandestina migras madrugadas,

Se tivéssemos uma janela com pedras preciosas em formato de envidraçado
livros compactos
sons melódicos
ruas debaixo de nós preguiçosamente envenenadas pela paixão
dos desejos viciados pela medusa carícia tua mão,

Sobre nós meu amor
o caleidoscópio da tua febre cambaleando entre mortalha e cortinados de suor
entre odores e línguas de marinheiros vadios
com barcos emagrecidos
nossos corpos vaiados e perdidos,

E perdidamente eles em prazer
à lua alegria no leito da melancolia
as nossas bocas fuziladas pelos orgasmos inventados
por um poeta louco
com palavras loucas entre esquinas de areia e mão de ti meu amor...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Os cadernos de nós

foto: A&M ART and Photos

As cerejas de Deus que nos teus lábios comem as minhas palavras
que das tuas mãos Deus colocou sobre o meu rosto de pergaminho
as sílabas transparentes dos degraus impossíveis de transpor
pelos teus sonhos em silêncios azuis
como as pétalas da rosa esquecida no muro em frente à tua alegre casa,

Tínhamos um telhado
onde nos escondíamos nas tardes de solidão
e depois de alicerçares nos teus braços os cadernos de nós
ficávamos assim livres a olhar as nuvens
e a inventar histórias que um jornal de província nos comprava,

Tínhamos dinheiro para o pão
e para comprarmos novos cadernos
tinta
e às vezes
sobrava-nos algumas moedas para fingirmos que fumávamos flores enroladas em marés de Inverno,

Víamos os barcos a morrer como gente desesperada
cansada de trabalhar
cansada... de viver
as cerejas de Deus... comem as minhas palavras
e deixam os caroços sobre a terra semeada,

Víamos os barcos em círculo na janela da solidão
barcos que escreviam histórias
nos corpos amarrotados como o papel higiénico da pastelaria
entre migalhas de torradas e o cheiro a chá de hortelã...
vivíamos felizes sem percebermos que éramos miseráveis.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha