foto: A&M ART and Photos
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Havia sílabas com fome, na tua mão de escritor,
havia lábios em desejo, nos teus lábios em desejo, na tua boca de
poeta, fingidor, havia sonhos, havia traços, círculos, rectas, não
rectas, pontos, negros, nas tuas costas de tela voadora, verdejante,
cintilante, como a língua do impostor, que mente, e não percebe que
o teu esqueleto pertence às gaivotas mergulhadas no cio granítico
de um rio em desespero, morto, cansado de amar, cansado de correr
para o mar, eu, quase morto, eu o pintor louco
dentro de quatro paredes e um tecto falso, falsas palavras, falsas
promessas, amanhã, e ontem, ou
De caminhar entre escombros, entulho, sexos murchos
que a cidade inventa todas as tardes, depois do lanche, depois de o
dia terminar, partir para a montanha dos insectos com dentes de
marfim, encolhia-me dentro das tuas coxas, acendia a vela da
esperança, e esperava, esperava, esperava...
ou
Esperava,
até que o poeta ficou desempregado, e hoje
tratam-no como lixo, escumalha, até que o escritor deixou de comer
as palavras escritas, por ele, por outros, o médio
Tem de deixar de comer imediatamente palavras,
percebeu senhor Francisco? Pois que sim, respondi-lhe eu, e pensei –
que raio de coisa ou coisas, vou comer a partir de hoje - “merda?”,
e esperava, quando sentia dentro do meu peito uma rua em crescimento,
sentia-a rasgar-se entre os esponjosos pulmões de areia fina branca
do Mussulo, sentia o romper da madrugada, o apito da fabrica para o
inicio do trabalho, os operários de bulldozer na mão rompiam-se-me
corpo adentro, e eu, sentia-os, todos, sem excepções, sem locuções
ou metáforas, sem mentiras, sem noites mal dormidas ou com recurso a
drageias coloridas,
ou
E esperava, e hoje, quem sou? Nada, ninguém, sou um
pedacinho de terra húmida que trouxeram de Luanda depois de uma
longa tarde de chuva, e o tempo, desejo-o, o tempo que esqueci, que
me esqueceu, perdi, e perdeu-me
sinto-a a crescer, já tem pavimento, começam a
construir os primeiro edifícios de vidro, com telhados de vidros,
com varandas com acesso ao mar, com árvores, com corações de
açúcar, com orgasmos vínicos, e o sémen escuro, deleitoso da
lama... sobre mim, em mim, uma rua, pronta a circular, e por engano,
vão chamar-lhe
Ou, ele esperava, claro que esperava,
rua, rua, rua,
“Havia sílabas com fome, na tua mão de escritor,
havia lábios em desejo, nos teus lábios em desejo, na tua boca de
poeta, fingidor, havia sonhos, havia traços, círculos, rectas, não
rectas, pontos, negros, nas tuas costas de tela voadora, verdejante,
cintilante, como a língua do impostor, que mente, e não percebe
que”, rua, chamar-se-á “rua dos ínfimos delírios”, sobre
mim, sobre ti, dentro de nós, os sons, as palavras, as vozes
voz?
a tua voz, em minhas sílabas palavras, melódicas e
às vezes com recheio de neblina, cacimbo, com o cheiro do lindo
musseque, vazio, doentio, chovia, e eu, eu brincava dentro da lama
lenta e liberta, em perfeita liberdade, cantava, eu, subia às
mangueiras, e não, nunca tive medo de cair, e se eu caísse... a
terra dos jardins de capim apanhar-me-iam como se eu fosse uma leve
pena de enxofre, mórbida, miliciana, amena, o morro das Barrocas, e
eu aqui, si, dó, e ré... deitado a imaginar gajas vestidas com
panos de chita e de bandoletes em porcelana na cabeça,
Ou, ele esperava, claro que esperava,
rua, rua, rua,
“Cuidado com os cães”
rua, rua, rua
Rua “dos ínfimos delírios”, número trezentos
e trinta e três, segundo andar – direito, algures pelo País,
Portugal,
rua, rua, rua...
CUIDADO COM OS CÃES RAIVOSOS.
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
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