foto: A&M ART and Photos
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Não consigo diferenciar-te na paisagem do
misterioso senhor amanhecer, és uma sombra, uma pequena janela de
iodo misturada dentro de um copo com água-mineral, não cruzo os
braços, encerro os olhos com a ajuda do punho de ferro em pulsações
ritmadas, pegavas nas vitaminas, tomavas-as diluídas em água da
chuva, quando acordava a seca, não vitaminas, não árvores com
pequenas migalhas de flores miseráveis onde brotavam sílabas com
lágrimas de incenso, olhava-te e sentia-te perdida na margem direita
do rio sem destino, perguntavas-me como se escrevia um poema, e eu,
respondia-te inventando histórias com palavra zincadas em molho
alicerçado nos paralelos antes do patamar com acesso a uma porta de
entrada, um vazio com paredes de vidro, húmidas nos cantos devido às
uniões em borracha,
(hoje precisava-te)
Inventas palavras, mentiras secretas, coisas
estranhas sempre a acontecerem em teu redor, uma árvore que cai, uma
casa que fica doente, vómitos e diarreia, ou
(a calçada com o braço esquerdo suspenso no peito,
provavelmente, uma entorse, ou)
A próstata, ou a diabetes, os olhos a diminuírem
de tamanho, cor, como diminuíam os dias até vinte e um de Dezembro,
depois, as dobradiças a necessitarem de um simples banho com óleo,
o reumatismo, as artroses, lá fora, amanhã, uma voz ensurdecedora –
Cinco Euros, meus amigos e amigas, apenas Cinco Euros pelo chá e
ofereço este magnifico relógio de pulso, para a diabetes, para o
reumatismo, para a próstata... Cinco Euros – e eu, tentado, e ela
(parvalhão, ainda acreditas nisso?)
E ela quase engolida pela paisagem do misterioso
senhor amanhecer, és uma sombra, uma pequena janela de iodo
misturada dentro de um copo com água-mineral, não cruzo os braços,
encerro os olhos com a ajuda do punho de ferro em pulsações
ritmadas, pegavas nas vitaminas, tomavas-as diluídas em água da
chuva, quando acordava a seca, não vitaminas, não árvores com
pequenas migalhas de flores miseráveis onde brotavam sílabas com
lágrimas de incenso, e um silêncio de espuma saía-lhe de dentro,
como se habitasse no ventre embalsamado pelo gesso das paredes
obliquas até chegarmos ao tecto das ressacas ambíguas, dormentes,
ferozes, como o exercito de abelhas do senhor amanhecer,
(diziam-me que foste a mais bela que alguma vez
apareceu junto à margem direita do rio sem destino, hoje acredito
que sim, ontem, pensava que eras a mentiras de mim voando entre dois
ponteiros de um relógio, este, não de pulso, este algures pendurado
na parede da sala, dia sim, anda, dia não, dorme, não o oiço, não
telinta as horas, os quatros-de-horas e as meias-horas, levo-o às
urgências dizem-me que é
(tristeza, saudades e afins)
É louco, e que com umas drageias nunca mais se
lembra da tristeza nem da saudade... nem da paixão, do amor, do
prazer e da fome, felizes aqueles que podem tomar estas drageias,
felizes aqueles
(parvalhão, ainda acreditas nisso?)
Aqueles, felizes, os que vivem sonhando com sombras
misturadas com trincos de madeira, cadáveres de sorrisos balançando
nos gonzos empenados quando descem dos algerozes as coisas estranhas
que acompanham a noite, vivem nela, são ela, são... direito,
esquerdo, levante o braço – Eu? - sim, o senhor, o senhor
amanhecer, quarenta e sete anos, profissão desempregado, não dorme,
deixou de sonhar, come pouco para prevenir enfartes e outras doenças,
e vive, fingindo que vive à beira de um rio com o nome de
(sem destino)
De princípio acreditava nas amendoeiras em flore,
nos socalcos e nas videiras, hoje, hoje apenas emagrece lâmpadas
incandescentes para reciclagem, vive com duzentos e vinte volts e
anda uma gaja baixinha, magra, de cabelo entrelaçado como faz o
vento aos pinheiros desgovernados, na peugada dele,
(não acredito)
Coitada dela, da infeliz
(diz-se apaixonada por ele, loucamente apaixonada).
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha