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foto: A&M ART and Photos
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Significará que deixarei de ouvir-te debaixo dos
alicerces do silêncio, depois de transpormos os muros da solidão,
saltar bem alto o edifício que habita no nosso quintal, voarmos
sobre as árvores em cartolina frágil, em cores garridas, se houver,
caso contrário, escolheremos fios de sémen para desenharmos as
árvores que em tempos brincavam dentro de nós, anos depois, são
fantasmas de pedra com braços de pedras, e pernas de pedra, e cabeça
de pedra, apenas os olhos, esses, não são de pedra, esses, são
vivos, húmidos pelas palavras, e diziam-me que eram verdes
(define-me verde)
Uma paisagem? Os olhos do boneco de pedra? Uma cor?
Ou... poderá um corpo ser verde, e o desejo desse corpo, encarnado?
Castanho? Ou... simplesmente... branco! - Como te chamas, menina? -
recordo-me em pequenas de todos chamarem-me de Catarina, lindo nome,
para mim e para os nobres vestidos de orvalho que se escondem no
guarda-fato, lindos, com brilhantes, e bordados com fio de oiro, e
Catarina – Diga , senhor! - sabias que debaixo dos alicerces do
silêncio
(sei sim senhor, meu senhor)
Vivem sombras de cansaço, unhas sem cérebro, e na
cabeça um penteado loiro, oxigenado, e dizias-me que as algas comiam
os sonhos – Poderá lá ser possível, mentiras tuas... -
minúsculo, tão minúsculo que um simples piolho encarnado dançando
no loiro oxigenado... ele, o tal de cérebro, nem se via, deixou de
ouvir-se, significará que ouvir-te debaixo dos alicerces
(na impossibilidade de encontrarmos os seus
familiares, todos os pertences reverterão a favor do Estado)
E que debaixo do debaixo, muito mais fundo da linha
que separa os alicerces do coração ensonado em terra encerada pelas
raízes dos mendigos na fila de espera da Almirante Reis para a
sopinha da tarde, um grupo de condenados, coisas pequenas, furtos
ligeiros, delinquência mínima, vêem-se na obrigação de pegarem a
mão de um contrabandista de tabaco e procurarem durante as fases
escuras da vida
(carteiras, chaves, moedas e dentes de oiro)
Porque da vida desapareceram as difíceis marés das
nádegas de areia,
(sem dúvida a dificuldade de encontrarem os mais
próximos familiares, e em caso de dúvida, absolve-se o Réu, pois
então, claro que sim, porque o mar é de todos, mas os barcos são
de quem tem acesso aos sonhos, apenas a noite constrói barcos de
papel, com mastros de cetim que abraçam velas de lágrimas, e sem
dúvida, a absolvição é coisa rara para um marinheiro com mais de
quarenta anos de embarcações, de Oceanos, garrafas de vodka, e
cachimbos de saudade, porque a vida, às vezes, não muitas, para
alguns felizes condenados para a ceia do Senhor Professor, e mesmo
assim, eles vergaram-se perante as palavras do silêncio...)
És uma carta fora do baralho, debaixo do tapete que
serve para tapar as fendas do soalho no casino clandestino sobre o
jardim da vitória, uma mão que segura em três ou quatro cartas,
algumas delas, viciadas, completamente incineradas pela distância do
olhar da lua, quando há noite, quando há cobertura suficiente sobre
os telhados de colmo, e é então que eu te oiço sussurrar o meu
nome, e através das frestas da parede do quarto, sei que do outro
lado, agachada junto ao rodapé em madeira apodrecida, está tu, à
minha espera
(deixaste de vir)
Significará que deixarei de ouvir-te debaixo dos
alicerces do silêncio, depois de transpormos os muros da solidão,
saltar bem alto o edifício que habita no nosso quintal, desejar-te
até sempre quando partires sem me dizeres para onde vais, e não
hesitarei em inventar um história para me esquecer que um dia
andaste descalça no meu sótão, que um dia andaste sem roupa junto
à minha janela com fotografias a preto-e-branco, onde o mar
alimentava as madrugadas de quando eu ficava sentado nas escadas, e
esperava, e esperava que adormecesses, e quanto entrava no dito
sótão... murmuravas – Estás bem, meu querido! - respondia-te
dorme, dorme docemente como dormem as estrelas quando é de dia e não
se vêem, porque elas também precisam de dormir, porque também eles
(precisamos de dormir e comer)
Porque também elas, não as estrelas, não a lua,
mas elas, elas diziam-se militantes convictas das corridas de pulgas
amestradas que todos os Sábados se realizavam nos jardins de Belém,
havia um casal em despedida, havia uma feira de velharias... e havia
(sou um chapéu que pertenceu a um militar da
EX-URSS, e eu perguntava-lhe – E depois? - que se eu quisesse, e
por uns meros vinte euros, era todo meu..., pensei, reflecti, e
disse, não, não te quero)
Como nunca quis ser nada, e havia também arbustos
que me diziam – Francisco, cuidado com as tartarugas de plástico!
- e ainda hoje, passados muitos anos, não entendo, entendi, ou
entenderei... porque
“Significará que deixarei de ouvir-te debaixo dos
alicerces do silêncio, depois de transpormos os muros da solidão,
saltar bem alto o edifício que habita no nosso quintal, voarmos
sobre as árvores em cartolina frágil, em cores garridas, se houver,
caso contrário, escolheremos fios de sémen para desenharmos as
árvores que em tempos brincavam dentro de nós, anos depois, são
fantasmas de pedra com braços de pedras, e pernas de pedra, e cabeça
de pedra, apenas os olhos, esses, não são de pedra, esses, são
vivos, húmidos pelas palavras, e diziam-me que eram verdes”
(define-me verde).
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha