Quem sou eu, senhor ANORMAL?
À segunda foi de vez, e quando todos esperavam que
ele fugisse para não regressar mais, ele desce a montanha, devagar
como todos os passos mórbidos de homens cansados, da água vieram as
cintilações que abraçavam as candeias de alumínio que se
suspendiam na chaminé, e nas cozinhas, as doces âncoras do vento
que aprisionavam os esquifes ao pavimento húmido da laje submersa em
lágrimas de saudade e flores de inferno, na lareira um cisco de
oliveira derretia-se como açúcar embrulhado em alguidares palavras,
que só ele, o senhor ANORMAL conseguia distinguir nas horas de
desespero,
Quando batiam à porta, escondia-se e fingia-se de
invisível,
(Diz-lhes que eu não estou),
Sim?
É para conversarmos com o senhor ANORMAL..., ah...,
lamento, mas ele disse-me para lhes dizer que ele não estava hoje,
ouvia os risos em fotocópias de livros de poesia, e sentia-os
descerem em passos apressados a dura calçada de areia até
desaparecerem nas luzes do cemitério,
Sim, eu digo-lhes que o senhor me mandou dizer que
hoje não estava em casa, saiu, qualquer coisa relacionada com má
disposição, Olha
Sim?
Diz-lhes que eu morri anteontem e que fui a enterrar
hoje,
Olhe que eu digo-lhes isso, padrinho,
Diz Diz,
Então quando está, perguntaram-me eles?
Ora... foi a enterrar hoje, talvez daqui a cinco
dias, sim, cinco dias,
E eu ia, procurava-te, imaginava-te sentada num
banco de granito, circular, serrado em duas simples metades, deixavas
o corpo florir, começavas por esta altura, quando regressam os
pássaros, as abelhas, e o sol, gostas de Sol?
Não percebo, padrinho, nunca percebi porque se
esconde de mim,
E do Céu um arco de silêncio pindericamente mal
vestido, como eu, padrinho, entre moinhos e lençóis de água, e
porque foges de mim, padrinho?
Gosto de si, padrinho,
E poisava-me a mão sobre os meus débeis joelhos,
não falava, nada dizia, e talvez escrevesse dentro dele
Eu também, minha querida, eu também..., mas
diz-lhes que eu não estou,
E eu, esperava-o, sentava-me sobre a meia-lua do
prazer, pegava num livros, lia qualquer coisa, e fechava-o, e
recordava o cisco de oliveira cilindrado dentro de uma lareira de
prata numa cozinha de aldeia, cansei-me, cansei-me
De ti,
Uma mala de chapa uivava junto aos meus pés, lá
dentro, apenas papeis e livros, e claro, senhor anormal, os livros
são constituídos por folhas de papel, logo
Os livros também são papeis,
Então trouxeste de tão longe, uma mala
Sim?
Uma mala de chapa e recheada com papeis,
De ti,
Porquê padrinho? Porque tens medo de mim?
E a meia-lua desesperadamente voava sobre os
desvairados plátanos do pensamento, havia lápis de cor e folhas de
cartolina, sobre os meus joelhos, a mão dele, sentia-a, como mais
tarde senti a mão da solidão no interior do meu púbis, como mais
tarde senti nas minhas coxas, sim padrinho
A sua suave voz melódica e poética que Deus criou,
como as nuvens e os infernos das flores em putrefacção, corpos de
carne misturados em bocas de mar que as árvores tanto invejam,
Percebe-me, padrinho?
Não, não consigo imagina-te...
Sentada neste sofá à espera que você regresse?
E se eu não regressar?
Tenho-a, todas na minha mão, tenho-a quando lhes
menti e lhes disse que o senhor tinha morrido, não morreu e hoje
espero-o, sabe?
Não, minha querida,
Apetecia-me recordar a sua mão sobre os meus débeis
joelhos, em marés por viver e traineiras de amar, amá-lo como se
amam as flores, amá-lo como se amam os homens e as mulheres, e o sol
Gostas de Sol?
Sim padrinho, adoro o sol.
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha