Todas as noites me afundo
num oceano de saudade, mergulho, indefeso, procuro a sombra marítima
que brinca dentro do meu peito, sem jeito para alguma coisa, todas as
noites me afundo, de saudade, na saudade, viver sem saber o que é o
medo, viver, sem saber... o que é
algum dia, qualquer dia,
ouvirás as vozes que deixaram dentro da gaveta dos sonhos, as tuas
mãos,
o que têm as minhas mãos
pai?
as tuas mãos mergulham,
todas as noites, de saudade em saudade, de peito em peito, foge-te o
fôlego, as coisas belas morrem, afogam-se no oceano de saudade, às
vezes, outras, nem por isso, e procuras-me dentro dos pinheiros
mansos da floresta das mães abandonadas, as flores, as árvores, e
todos os filhos das manhãs de inverno, aqui, agora, procuras-me e eu
escondo-me
o que têm pai?
olhas-me no espelho
curvilíneo da melancolia absorvida pela pele esbranquiçada de um
esqueleto sem sono, penso
desfaço, não desfaço,
e acabo por concluir que a barba é um acessório desnecessário, o
cabelo tomba no jardim com os canteiros alinhados, o tapete, a
carpete, alguns dos tacos devido à humidade levantaram-se, de pé,
em tesão, e às vezes, e às vezes
o que têm pai?
tropeço, linearmente vou
de encontro frontalmente contra as flores de cetim junto aos
cortinados de linho, hesito
o que têm pai? Penso, e
às vezes
pareço um pedaço da
pano com remendos e buracos, como o telhado do palheiro, telhas em
perfeitas condições, e telhas
o que têm as telhas pai?
e telhas com os membros
inferiores fracturados, moribundas, que deixam passar as lágrimas do
céu, as tuas mãos mergulham, todas as noites, de saudade em
saudade, de peito em peito, foge-te o fôlego, as coisas belas
morrem, afogam-se no oceano de saudade, às vezes
todas as noites me afundo
num oceano,
todas pai?
todas, todas as noites.
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó